APANÁ SUVELA

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Em 1968, durante a última temporada em que residi na Bahia, o time do Galícia tinha um lateral-direito morenão apelidado por Apaná Suvela. Jogava duro, duríssimo, espantando atacante adversário que se atrevesse a disputar lance com ele. O locutor França Teixeira, da Rádio Excelsior de Salvador, gritava: “Apaná Suvela, o zagueiro mais cruel  da Bahia,” Mas nunca o vi  matando ninguém

Pra se segurar nas bolas divididas – ainda não havia as atuais e modernas caneleiras de plástico -, Apaná descobriu uma outra utilidade nos pneus largados pelos cantos das borracharias, e os cortava com  faca afiada, estilete e até uma suvela. Sujeito de família pobre, ele não conhecia os pontos glamurosos de Salvador e, quando estava concentrado, seu passatempo predileto era ouvir do presidente do Galícia, Raul Bulhosa Y Bulhosa, o seu maior fã, as histórias do clube.

Bulhosa, espanhol radicado na Bahia e que falava Raliça, em vez de Galícia, quando se entusiasmava além da conta pela atuação de Apaná, rasgava-lhe elogios  e, escondidamente,  passava-lhe um bicho extra, saído do seu bolso, evidentemente. Se achasse que a atuação do rapaz tivesse sido “mais ou menos”, cobrava-lhe mais empenho, depois da pugna, ainda no vestiário. Se o visse fora dos seus melhores dias, gritava para o treinador:

– Enaldo (Rodrigues)! Você tem carta branca. Mas passe o Apana prá esquerda (da zaga); tire o Apaná de campo, para preservar a imagem dele.

 Durante um jogo do Galícia pelo Campeonato Baiano de 1969, contra o Ideal, de Santo Amaro da Purificação, um atacante do time rubro-negro interiorano entrou pra rachar o aguerrido Apaná, no mínimo, em dois pedaços de suas canelas. Mas o intrépido zagueirão azulino levantou-se, rápido, assoviando. Abaixou o meião, beijou dois dedos da sua mão direita e enviou as bicotas paras as canelas pneumatizadas. Raul Bulhosa y Bulhosa vibrou. Nunca vira tanta crueldade e raça em um mesmo lance dentro das quatro linhas.

Apaná, isto é, Raimundo Pereira da Silva, nascido em 9 de maio de 1937,  fez parte, como mostra esta foto, do grupo campeão estadual baiano de 1968. Em 1969, o Galícia foi vice-campeão do Torneio Norte/Nordeste, com 10 vitórias, seis empates e só uma escorregada, marcando seis e levando só dois gols, entre 21 de setembro e 15 de novembro, com estes resultados: 5 x 2  e 2 x 1 Feira-BA; 4 x 2 Confiança-SE; 1 x 1 e 6 x 0 CRB-AL (07.11.1969); 3 x 2 e 1 x 0 CSA-AL; 1 x 0 e 2 x 0 Náutico-PE; 2 x 0 e 5 x 0 Sergipe-SE; a partir de 19 de novembro, 0 x 0 e 1 x 0 CSA-AL; 0 x 0 e 0 x 0 Sport Recife-PE; 1 x 1 e 2 x 2 Ceará Sporting-CE, ficando com um ponto e uma vitória a menos do que os campeões cearenses.

Por ali, o Galícia havia renovado bastante a sua galera – Adílson Paradão (23); Souza (25), Toninho Baiano (20), Roberto Oliveira (23), Quinha (22), Touro (30, Chinesinho (21), Deco (23), Deri (19), Nelson Leal 25,  Kléber (26), André Catimba (22), Telê (22), Carlinhos Gonçalves (29) – e Apaná já enfrentava o “decurso de prazo”. Mas glorificava-se por ter sido vice-campeão do primeiro estadual baiano, em 1967, e campeão na temporada 1968, quando o ex-jogador e treinador Enaldo Rodrigues o colocou na reserva nos jogos decisivos  – Dudinha; Roberto, Nelinho, Haroldo (Helio Nailon) e Touro; Josias e Chiquinho; Nelson, Carlinhos Gonçalves, Ouri e Ricardo foi o time do último jogo (e do título), diante de 19.930 pagantes, em 15 de setembro de 1968l na Fonte Nova – maior vibração da vida de Apaná, mesmo não tendo entrado na arena como gladiador ganadeiro naquele grande dia.

Surgido, em 1933, o Galícia Esporte Clube fora o primeiro time nordestino a encarar a Seleção Brasileira. Levou 10 x 4, no feriado do 7 de setembro de 1934, no já demolido Estádio da Graça (bairro de Salvador), mas a goleada pouco importou. O que valeu mesmo pra sua patota foram os quatro tentos marcados, mais comemorados do que o tri-estadual-1941/1942/1943, o primeiro do futebol baiano, história que Apaná ouvira de Raul Bulhosa Y Bulhosa, que lhe contara, também, ser o Galícia o segundo maior vencedor do Torneio Início do Campeonato Baiano (nove canecos, empatado com o Bahia) – em se tratando de Galícia, para o Apaná Suvela, segundo era mais do que primeiro, naquele caso.

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