São Paulo poderia interromper epidemia de Aids em 4 anos com nova injeção, afirma laboratório

MARCOS CANDIDO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Em reunião com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), um representante do Gilead Sciences Brasil, laboratório à frente do medicamento lenacapavir, afirmou que a cidade de São Paulo pode ser a primeira do país a interromper a epidemia de Aids no Brasil com a distribuição da droga.


A injeção tem sido considerada por cientistas como um dos principais recursos contra o vírus da Aids no mundo.


Em 2024, o lenacapavir foi considerado a maior descoberta científica do ano pela revista Science, mas a chegada dela tem esbarrado em acordos da própria empresa para reduzir custos no Brasil —o tratamento anual é orçado na casa dos R$ 200 mil por pessoa.


No encontro em setembro do ano passado entre três representantes da Gilead Sciences Brasil e o então presidente-diretor da Anvisa, Antônio Barra Torres, o médico Pedro André Batista Abrahão defendeu que São Paulo poderia combater o vírus em “3 ou 4 anos” com o acréscimo do lenacapavir.


A fala consta na ata da reunião realizada em setembro de 2024 e obtida pela Folha via LAI (Lei de Acesso à Informação).


Estudos demonstraram 100% de eficácia contra o vírus HIV entre 5.300 adolescentes e mulheres jovens na Uganda e na África do Sul, mas os efeitos promissores esbarram nos altos custos.


Em outubro, o Brasil ficou de fora de um acordo internacional do laboratório que barateou a produção e venda em países considerados mais pobres, com altos índices da doença e capazes de comprar o produto em maiores volumes na Ásia e África, segundo o New York Times.


Ainda segundo o jornal, seis empresas em países como Índia, Paquistão e Egito negociaram preços menores com a Gilead com a compra de volumes maiores do medicamento e produção local.


A medida foi resultado de mobilização. Em setembro do ano passado, ativistas foram às ruas para pressionar a farmacêutica Gilead e as autoridades e dar celeridade à introdução do lenacapavir no país.


Em nota à Folha, a Gilead afirma que o assunto está em negociações e que um comunicado sobre o tema será anunciado em meados de abril.


A Anvisa afirma que o caso segue em análise sem prazo para ser concluída. “O medicamento ainda não possui registro no Brasil, logo o seu preço não foi definido”, acrescenta.


O lenacapavir é uma droga injetável. Ela se encaixa na categoria “profilaxia pré-exposição”. Ou seja, age para prevenir a infecção e a multiplicação do HIV no organismo.


Essas drogas também são chamadas de Prep. A diferença do lenacapavir é que as injeções podem ser tomadas a cada seis meses. Já as opções de terapias pré-exposição são feitas com comprimidos que devem ser ingeridos diariamente.


Na reunião com Barra Torres, os representantes do laboratório defendem que as injeções semestrais teriam maior adesão e a fusão com métodos existentes poderiam frear os casos e mortes por HIV.


Apesar de quedas nas mortes, os últimos dados do Ministério da Saúde mostram que a doença ainda prevalece no Brasil. Em dezembro de 2024, a pasta confirmou 10.338 mortes e 38 mil casos em 2023, um aumento de 4,5% em relação a 2022.


A maioria dos infectados é formada por homens com idades entre 25 e 29 anos. A região com mais infecções identificadas é a Norte (26%), seguida pelo Sul (25%).


As profilaxias são distribuídas pelo SUS e se tornaram uma das principais estratégias do Ministério da Saúde contra o vírus, uma epidemia que se arrasta desde os anos 1990. O Brasil chegou a 109 mil usuários de Prep em 2023. Em 2022, eram 50,7 mil.


A Gilead realizou um segundo estudo, desta vez no Brasil. Por aqui, a injeção apresentou 99,9% de eficácia entre homens que fazem sexo com outros homens, transgêneros e usuários de drogas injetáveis.


Para especialistas ouvidos pela reportagem e para o próprio Ministério da Saúde, seria inviável introduzir o lenacapavir na rede pública brasileira com base nos preços cobrados para os norte-americanos. Apesar disso, seria possível copiar modelos já usados, inclusive contra outras medicações para o HIV.


Alexandre Naime Barbosa, chefe do departamento de infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) cita o dolutegravir, antiviral usado em combinação com outros agentes para reduzir a carga viral no organismo já infectado.


Em 2020, a FioCruz fez um contrato de transferência com a farmacêutica norte-americana ViiV Healthcare Company para produzi-lo nacionalmente e diminuir os custos de importação. Hoje, o antirretroviral é distribuído pelo SUS (Sistema Único de Saúde) para tratamento de pacientes com HIV e Aids.


“Em vez de apenas esperar pela expiração da patente ou forçar uma quebra [na Justiça], uma negociação estruturada com o fabricante pode viabilizar acordos de licenciamento, fabricação local e até incentivos governamentais para baratear”, acrescenta o especialista.


“Embora o preço inicial do lenacapavir como Prep pareça elevado, ele deve ser visto como um investimento estratégico que pode gerar economia a longo prazo, reduzindo drasticamente os casos de HIV e os custos associados ao tratamento da doença”, diz.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.