Primeiro round no STF preocupa defesas de Bolsonaro e aliados, mas ‘fator Fux’ é alento

O recebimento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os outros sete acusados do “núcleo crucial” do plano de golpe impõe às defesas um desafio maior que o antecipado. O resultado do julgamento era esperado. Os advogados contavam com a abertura do processo criminal, mas os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) surpreenderam até os mais pessimistas e antecipam uma batalha dura para os réus.

De saída, nenhuma questão preliminar levantada pelas defesas foi admitida. Todos os questionamentos processuais foram rejeitados pelos ministros.

Além disso, a Primeira Turma demonstrou alinhamento. Houve diversos acenos e elogios dos ministros a Alexandre de Moraes, relator do processo e alvo preferencial do bolsonarismo.

A profundidade dos votos também pegou os advogados de surpresa. A Primeira Turma do STF foi além do debate sobre a admissibilidade das acusações e já enfrentou argumentos sobre o mérito dos crimes imputados aos denunciados e das tipificações que poderão ressurgir no julgamento da ação penal.

Como regra, a decisão sobre o recebimento de denúncias criminais envolve uma avaliação preliminar sobre os elementos que embasam as acusações. Essas decisões costumam ser sucintas. Os ministros analisam se há provas da materialidade dos crimes, ou seja, se a acusação foi capaz de comprovar que eles aconteceram e em que contexto. Se houver indícios mínimos – o que se chama no jargão jurídico de “justa causa da ação penal” -, o processo é aberto para aprofundar as provas e a extensão da participação ou não de cada um dos denunciados.

A Primeira Turma se antecipou a questionamentos importantes das defesas. Os ministros associaram a denúncia contra Bolsonaro ao 8 de Janeiro de 2023, apontado como o clímax da empreitada golpista, e já rechaçaram o argumento de que o ex-presidente não poderia ser responsabilizado pelos atos golpistas porque não estava presente nas manifestações violentas na Praça dos Três Poderes.

O raciocínio abre caminho para punir Bolsonaro por três crimes relacionados ao quebra-quebra em Brasília – tentativa de abolição violenta do estado democrático, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado contra o patrimônio da União.

Os ministros também abordaram os questionamentos sobre a punição de um golpe supostamente tentado, mas que não foi concretizado. Prevaleceu a avaliação de que, no caso específico do golpe, se ele tivesse sido consumado, não haveria julgamento, pela própria natureza da marcha golpista e as implicações que ela traria.

O tom dos votos, especialmente das manifestações de Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Flávio Dino, foi duro. Ao longo de quase duas horas, o relator leu diversos trechos da denúncia, projetou provas no telão do plenário e exibiu até um vídeo do quebra-quebra do 8 de Janeiro. O ministro também abordou as acusações contra cada um dos oito denunciados.

Os únicos pontos a favor das defesas foram marcados junto ao ministro Luiz Fux. Por enquanto, o ministro acompanhou a corrente majoritária e votou a favor do recebimento da denúncia, mas ressalvas pontuais sinalizam que ele pode acolher, ainda que parcialmente, teses dos réus no julgamento do mérito do processo

Fux indicou, por exemplo, que é contra punir a tentativa de golpe como um crime consumado e defendeu que é preciso diferenciar atos preparatórios da execução. “Na medida em que se coloca a tentativa como um crime consumado, no meu modo de ver há um arranhão na Constituição Federal”, argumentou.

Além disso, em contraponto aos colegas, demonstrou ressalvas à delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. A colaboração premiada do ex-braço direito de Bolsonaro deu uma guinada na investigação do golpe. Por lei, a palavra do delator não pode ser usada para justificar denúncias ou condenações, mas as informações prestadas servem como meio de prova.

Os pedidos das defesas dos denunciados para anular o acordo de colaboração foram rejeitados. Os ministros afirmaram que todos os depoimentos de Mauro Cid foram corroborados por provas autônomas reunidas pela Polícia Federal. Fux, por sua vez, chamou o tenente-coronel de “colaborador recalcitrante” e cravou que ele omitiu informações. “Vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade”, criticou.

O julgamento do mérito do processo só ocorrerá após a chamada instrução da ação – etapa em que são ouvidas testemunhas e podem ser produzidas novas provas. O Código Penal não define um prazo para a conclusão dos processos criminais, mas a tendência é que o STF busque julgar Bolsonaro e seus aliados ainda neste ano, para evitar a contaminação do calendário eleitoral de 2026.

Se houver divergências de Fux no julgamento do mérito da ação, mesmo que ele fique vencido, esse é um ponto favorável para as defesas. Não apenas do ponto de vista simbólico, para evitar uma derrota unânime, mas também porque um eventual voto divergente aumenta as perspectivas de recursos.

Os chamados “embargos infringentes”, que permitem a rediscussão do mérito de uma eventual condenação, só podem ser apresentados pelas defesas se o placar não for unânime. Nesse caso, a Primeira Turma faz um juízo de admissibilidade do recurso e os autos são remetidos ao plenário, onde estão André Mendonça e Kassio Nunes Marques, os dois ministros indicados por Bolsonaro ao STF.

Mas, se houver unanimidade pela condenação do ex-presidente e de seus aliados, o julgamento dos recursos fica circunscrito à Primeira Turma e serve apenas para verificar eventuais omissões ou contradições no acórdão, sem perspectiva de reverter a sentença no mérito.

“Embargos de declaração são sempre cabíveis. Embargos infringentes cabem desde que a decisão não seja unânime. Embargos de divergência não cabem”, explica o criminalista Sérgio Rosenthal.

Estadão conteúdo

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