Pix é um exemplo de soberania digital e quebra de duopólio, diz pesquisador

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O diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS/FGV-Rio) e coordenador do projeto CyberBrics – Brasil, Luca Belli, citou o Pix como um exemplo de boa soberania digital e quebra de um poderoso duopólio, durante palestra sobre “A importância da economia de dados para desenvolver a soberania digital” em webinar do bloco, que é sediado no Brasil este ano. “Uma grande história de sucesso no Brasil, o Pix – nossa infraestrutura digital para pagamentos eletrônicos -, é um exemplo muito bom de boa soberania digital”, afirmou.

O pesquisador explicou que o software criado pelo Banco Central do Brasil e implementado por todos os intermediários financeiros em quatro anos tornou-se a principal ferramenta para processar pagamentos eletrônicos 24 horas por sete dias no País. “Antes do Pix, a única maneira que os brasileiros tinham para processar pagamentos eletrônicos 24-7 era através das redes Visa e MasterCard, o que significava que, para cada transação, de 3% a 5% da transação era destinado à Visa e à MasterCard. E ainda hoje essa é uma situação não apenas no Brasil, mas praticamente em todo o sul global, além de vários outros países desenvolvidos”, descreveu.

Com a introdução da ferramenta, de acordo com ele, esse duopólio de duas corporações estrangeiras foi interrompido. “O que é muito interessante aqui não é apenas que os consumidores têm de 3% a 5% a mais em seus bolsos, o que é bom para a economia local, mas também que as pessoas entendam que a Visa e a MasterCard são duas grandes empresas de dados. Elas são duas empresas de IA”, afirmou, acrescentando que, nos últimos dez anos, a maior parte de sua receita não foi gerada pela cobrança de 3% ou 5%, mas pela análise de dados que conseguem desenvolver com base na coleta.

Segundo ele, o grande valor disruptivo do Pix como infraestrutura pública digital local vai além de devolver de 3% a 5% do dinheiro ao bolso dos brasileiros – um feito já notável.

Ele não apenas rompeu um duopólio que, pela simples lógica da concorrência, seria praticamente intransponível – outro enorme sucesso -, mas também democratizou e descentralizou a coleta e o processamento de dados. Isso abre espaço para que empreendedores e empresas locais inovem, gerem receita tributada no Brasil e fortaleçam a economia e a comunidade brasileira, afirmou o pesquisador.

Dados

No mesmo evento, o diretor do Departamento de Política Financeira e Investimentos do Ministério de Relações Exteriores (MRE), embaixador Philip Fox-Drummond Gough, defendeu que o Brics pode ser um ator fundamental na redefinição do debate internacional sobre uso de dados.

Ele participou do webinar “Alavancando a Economia de Dados na Comunidade de Economia Digital do Brics”, transmitido ao vivo, em inglês.

Na apresentação, o embaixador salientou que os dados estão no cerne da economia digital. “São os elementos fundamentais sobre os quais a estrutura do mundo digital é baseada. Como tal, também é um componente-chave de qualquer estratégia de desenvolvimento da economia do século XXI”, citou, acrescentando que um dos principais desafios ao abordar a governança de dados é o da segurança, bem como a dimensão da proteção de dados pessoais. Para ele, no entanto, o desenvolvimento da governança de dados foi de certa forma negligenciado até recentemente.

Gough ressaltou que a implementação da transformação digital da indústria depende, acima de tudo, das políticas de governança de dados. Ele também lembrou da falta de consenso nacional sobre fluxos de dados transfronteiriços ou regras de concorrência para a economia de plataformas.

Com isso, comentou ele, o mundo tem testemunhado uma proliferação de regulamentações nacionais na área de dados. “Cerca de 2 mil novas regulações de dados foram adotadas em diferentes países. Além disso, 116 acordos de livre comércio contêm compromissos na área de fluxos transfronteiriços de dados”, enumerou.

Esse cenário de fragmentação, conforme o diplomata, é um desafio para a integração dos países em desenvolvimento na economia digital global, a ampliação da paisagem de investimento na economia digital, e a inserção de micro, pequenas e médias empresas do sul global nas cadeias de valor globais. “Apesar deste cenário desafiador, acreditamos que há uma oportunidade com os Brics para redefinir o debate internacional”, reforçou.

Exportador de dados

O secretário-adjunto do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Luis Felipe Giesteira, afirmou que a expansão de uso de dados é um fator-chave de previsão e uma fonte de criação de valor, liderando a corrida da economia digital. Alertou, porém, que países emergentes e de renda média permanecem excluídos do processo de apropriação de riqueza.

“Muitas dessas nações estão se tornando meros exportadores de dados como uma mercadoria, enquanto importam soluções e serviços digitais desenvolvidos a partir dos dados gerados dentro de seus territórios”, disse ele.

De acordo com os organizadores, a economia de dados trata do uso e da gestão estratégica de dados como um importante recurso para impulsionar o crescimento econômico, gerar inovação e melhorar a eficiência de processos e serviços. Giesteira afirmou que, desde o ano passado, o MDIC, com o Ministério das Relações Exteriores e outros órgãos do governo, tem se engajado no estudo e na formulação de uma política nacional para a economia de dados. “Nosso objetivo é apoiar o desenvolvimento de nossa economia digital de maneira soberana e independente”, explicou.

Esse novo cenário, conforme o secretário-adjunto, apresenta uma série de desafios. Por um lado, de acordo com ele, existe um grande potencial para a criação de mercados de dados que aumentem a produtividade e levem a novos modelos de negócios para a economia. “No entanto, esse desenvolvimento só produzirá resultados efetivos se existirem regras claras que garantam o acesso igual a esse ativo para todos os interessados”, defendeu

Uma questão particularmente relevante, segundo o palestrante, diz respeito a quem gera os dados, quem os tem e quem tem o direito de usá-los. “Com a adoção generalizada de dispositivos conectados, as empresas que fornecem essas tecnologias acumulam um volume significativo de dados, que nem sempre é acessível aos seus legítimos proprietários”, considerou, acrescentando que esse modelo permite que as companhias que coletam os dados os utilizem para propósitos que nem sempre estão alinhados com os interesses dos seus proprietários.

Para Giesteira, já existe uma falta de transparência estabelecida na relação entre plataformas digitais e seus usuários, bem como preocupações relacionadas à cibersegurança e infraestrutura nacional. “Rebalancear a dinâmica de poder entre as partes envolvidas na coleta, processamento, tratamento e geração de valor dos dados, criando espaços para troca de dados com maior autonomia, os chamados espaços de dados, não é apenas uma questão de direitos individuais. Isso também é uma estratégia para aumentar a produtividade e competitividade, fomentando o surgimento de empresas inovadoras e modelos de negócios”, argumentou.

Essa realidade, continuou o secretário, também demanda políticas nacionais que permitam que os Estados negociem acordos bilaterais para compartilhamento de dados entre empresas de diferentes países. Todos esses esforços, segundo ele, exigirão o desenvolvimento de indicadores e metodologias para medir essa nova economia. “No entanto, isso ainda está longe das capacidades atuais dos institutos nacionais de estatísticas e agências responsáveis por regulações fiscais e de comércio exterior”, ponderou.

O técnico defendeu também a existência de fóruns multilaterais que tratam do fluxo internacional de dados, devido às disparidades para serviços e produtos digitais, e ao conceito de cooperação bilateral no compartilhamento de dados para a troca de dados. “Reconhecendo que vários países dos Brics vêm trabalhando nesse tema ao longo dos últimos três anos, consideramos apropriado propor, sob a presidência do Brasil no Brics, que o Grupo de Trabalho de Economia Digital da CGTI aprofunde o debate sobre dados como um ativo digital estratégico crucial para todas as economias, particularmente aquelas do chamado Sul Global.”

Para ele, a discussão sobre a economia dos dados deve estar ligada às negociações internacionais sobre governança digital. “Iniciar esse diálogo com a equipe do Brics pela primeira vez representa um passo importante no avanço do assunto para ordenar a conscientização na tomada de decisões globais”, disse, acrescentando que, o foco do grupo trabalho nos próximos meses será alcançar um entendimento mais profundo dos elementos e variáveis envolvidas nesse processo, o que será levado aos ministros de indústria e comércio do grupo para estabelecer princípios fundamentais do fluxo de dados para aprimorar as economias digitais dos países membros.

Estadão conteúdo

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