As flores amarelas

Histayllon Santos*

            Ontem, enquanto me vestia em busca de promoções nas lojas do Centro de Boa Vista, para viver um mísero instante de felicidade descartável, sem minha autorização, olhei o retrato da esquina, decorado pelo trânsito caótico do meio-dia. Catei um sorriso sem sexo nos lábios de um corpo alheio. Fotografei o instante exato em que o sorriso nascia para a sua própria liberdade. O que era nada, sem aviso prévio, nascia em microssegundos e ganhava forma em tempo e sonoridade. Seria aquilo manifestação do desejo alheio ou cócegas na alma? Eu presenciei o instante real em que o riso se liberta para ganhar seu simbolismo no mundo. Ele nasceu, os tambores da alegria tocaram. Em um terreno íntimo e particular, aquele corpo alheio a mim fez uma musicalidade de F-E-L-I-C-I-D-A-D-E. Nasceu o riso, a sublimação poética da existência, a observação empática do outro e uma libertinagem para refletir.

            Tal fato me gerou um momento de reflexão. Saí dali pensando em quais momentos, de forma natural, deixo meus risos livres para viver suas liberdades. Chegando em casa, preparei um café com sabor de poesia amarga e, antes de admirar as flores amarelas pela janela, projetei a pergunta ao silêncio da casa bagunçada: o que me faz gerar um sorriso? O mar inquieto dos pensamentos trouxe à praia as revelações de um autoconhecimento que já conheço, pois é algo que venho pintando diariamente na terapia.

            Tenho em mim as cócegas na alma, quando me pego pedalando pela minha cidade. O verbo de peladar o instante e, ao mesmo tempo, percorrer o espaço geográfico da minha cidade, é risível para mim. Assim como tomar um café amargo ouvindo MPB, sozinho ou na companhia de alguém, é sinônimo de riso. Quando encontro meus amigos e trocamos recordações da vida, sou a própria manifestação da face da gargalhada. Mas, quando consigo fazer um arroz soltinho, sem queimá-lo ou transformá-lo em papa, sou um riso escandalizado pela conquista de uma autonomia na cozinha. Neste pequeno instante de parar, pensar, navegar nas memórias, acordar momentos e lembrar da minha existência até aqui, notei-me como um lugar fértil para a abundância do nascimento de risos. Sendo assim, posso afirmar que ainda não me tornei estéril para o verbo da risada.

            Senhoras e senhores, pergunto-lhes, com toda a felicidade do instante que a palavra me permite: como estão vestidos vossos risos? Sabem me dizer como é a face dos seus risos? Seus sorrisos ainda nascem em seus corpos? Estão cantando uma musicalidade sorrida para o mundo? Falando nisso, como andam os seus momentos de risadas? Eles ainda são apenas lembrados ou vividos? O mastigar da vida interfere no nascer natural dos seus sorrisos? Enquanto a poesia do silêncio eterno não nos alcança, devemos nos permitir instantes de felicidade.

* Aspirante a escritor _ @histayllon_santos

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