Grupo Globo, que apoiou o golpe de 64, se apropriou da memória da ditadura

Ato 60 Anos do Golpe de 64 na frente do DOI-CODI em São Paulo. (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Recentemente, escrevi alguns artigos no Observatório da Imprensa sobre o centenário do Grupo Globo. Destaquei que, atualmente, o principal setor que se opõe ao conglomerado de mídia da família Marinho é a extrema direita, sobretudo no que se refere à chamada pauta dos costumes. Para a extrema direita, a “Globo Lixo” é parte do sistema globalista, adepta da lacração. Por outro lado, o presente contexto também marca o melhor momento da relação entre Grupo Globo e a esquerda (que, sem agenda própria, está completamente adaptada ao status quo).

Esta estranha realidade tem permitido ao Grupo Globo ocultar seu passado (e também presente) conservador; se vendendo como progressista e democrático. “Se a Globo combate o bolsonarismo, está do nosso lado”, pode pensar um esquerdista ingênuo e desavisado.

Assim, com a esquerda a reboque, com os chiliques da extrema direita e o sucesso de seu filme “Ainda Estou Aqui”, o Grupo Globo conseguiu o que, há algum tempo, parecia inimaginável: se apropriou da memória sobre a ditadura militar no imaginário social brasileiro (diga-se de passagem, um regime que teve no Grupo Globo um de seus principais apoiadores).

No entanto, no atual imaginário social, como as principais viúvas da ditadura estão na extrema direita, e o Grupo Globo (supostamente) se opõe ao bolsonarismo, logo também é contra qualquer tipo de autoritarismo. A esse falso silogismo, soma-se o álibi de a extrema direita, principalmente por causa da adesão à cultura woke, considerar a Globo “de esquerda”. Portanto, como “força progressista”, não pode ter relação com a ditadura militar.

Mas é no apoio de parte considerável da esquerda que o Grupo Globo conseguiu reciclar seu passado golpista. Após a conquista da estatueta no Oscar, a produção do Grupo Globo “Ainda Estou Aqui” se transformou na “obra oficial” sobre a memória brasileira em relação à ditadura militar. Evidentemente, um filme produzido pelo Globoplay não trará nenhum tipo de incômodo para a família Marinho. Assim, nesse novo imaginário social sobre a ditadura militar, não houve qualquer participação do Grupo Globo no golpe de 1964, tampouco o consequente apoio à ditadura que durou duas décadas.

Nas redes sociais, imagens do filme “Ainda Estou Aqui” acompanham praticamente todas as postagens que apresentam frases como “Ditadura nunca mais!”, “Sem anistia!” “Viva a democracia” e “Um povo que não conhece sua História está fadado a repeti-la”. E essa estratégia midiática tem dado tão certo que até o presidente Lula, em seu discurso em defesa da democracia, durante a programação que marcou os dois anos do “8 de janeiro”, afirmou: “Hoje é dia de dizermos em alto e bom som: ainda estamos aqui. Estamos aqui para dizer que estamos vivos e que a democracia está viva”.

Nem o mea culpa feito em editorial de O Globo, em agosto de 2013, admitindo que o “apoio ao golpe de 64 foi um erro”, surtiu tanto efeito positivo. Uma década atrás, a família Marinho ainda precisava se desculpar pelo seu caráter golpista. Hoje, se apropriando da memória da ditadura, não precisa mais. Seu passado golpista foi sumariamente apagado do imaginário social. O que é pior: com o apoio total da esquerda.

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Francisco Fernandes Ladeira é professor da UFSJ, Doutor em Geografia pela Unicamp e Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu.

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