Sou a favor da Ucrânia e da Rússia, diz Trump a Zelenski

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IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Nove dias depois de chamar Volodimir Zelenski de ditador, o presidente Donald Trump recebeu o colega na Casa Branca e disse que “sou a favor da Ucrânia e da Rússia” ao ser instado pelo ucraniano a se posicionar acerca da invasão promovida por Vladimir Putin há três anos.

Ao mesmo tempo, acusou Zelenski de estar “jogando com a Terceira Guerra Mundial” ao buscar opor os EUA e o Ocidente à Rússia.

O diálogo ocorreu na conversa inicial entre ambos, com a presença de repórteres, na sede do Executivo americano. O clima era tenso, dada a escalada retórica dos últimos dias, mas houve momentos de descontração.

“Olhem, ele está todo arrumado!”, disse Trump ao receber às 11h23 (13h23 em Brasília) o homólogo em sua quinta visita à sede do governo americano. Zelenski usava a roupa de inspiração militar, que visa emprestar-lhe uma aura de líder em guerra, que adotou desde o início do conflito -se o americano estava sendo irônico, é incerto.

Na fala inicial, Zelenski buscou explicitar seus pontos. “Putin começou essa guerra. Ele tem de pagar”, afirmou, retrucando a afirmação de Trump anterior de que Kiev iniciou o conflito ao buscar ingressar na aliança militar ocidental, a Otan, uma linha vermelha geopolítica para o Kremlin.

“Queremos saber o que os EUA estão dispostos a fazer”, disse. Trump foi evasivo, dizendo que “não é alinhado a Putin, e sim aos interesses dos Estados Unidos e do bem do mundo”. Ele não se encontrava pessoalmente com Zelenski desde dezembro, quando ainda era apenas presidente eleito.

Ao mesmo tempo, o americano sinalizou manter a proximidade que deseja com o russo, dizendo que “Putin quer o acordo” de paz.

Como pano de fundo do encontro está o acordo para a exploração de minerais estratégicos da Ucrânia, que Trump usou como um artifício para pressionar Kiev a conversar em seus termos. De uma tomada de meio trilhão de dólares das riquezas ucranianas, o texto virou algo vago sobre parcerias e a montagem de fundo para a reconstrução local.

Como já havia ficado claro, nada de garantias de segurança americanas para bancar a paz. Trump, contudo, sinalizou na abertura do encontro que “vamos continuar enviando armas para a Ucrânia”. Só que, afirmou, “espero não precisar de muito”.

O encontro ocorre após o tumulto geopolítico causado por Trump quando ligou para Putin e iniciou negociações bilaterais sobre a Guerra da Ucrânia e a normalização da relação entre Rússia e EUA, invertendo o sinal da política americana para a crise.

Nessas duas semanas, russos e americanos se encontraram duas vezes ao vivo, Trump chamou Zelenski de ditador sem eleições e o considerou dispensável por atrapalhar acordos, além de pressionar pelo acordo de exploração mineral sem embutir garantias de segurança pós-trégua a Kiev.

Mordeu, mas assoprou também, ao receber o francês Emmanuel Macron e o britânico Keir Starmer, moderando um pouco sua retórica -mas mantendo os pontos essenciais, e ainda buscando vantagens do acesso a minerais estratégicos para a indústria de alta tecnologia, como terras raras.

Zelenski ficou encurralado, e recebeu dos parceiros europeus promessas de uma elevação substancial da ajuda e a oferta de uma força de paz em caso de cessar-fogo. É o desejo de Trump em curso: o americano quer se desengajar da Europa.

O problema é que Putin não aceita a presença de forças de países da Otan na Ucrânia, aliás seu “casus belli” central em 2022. Nesse quesito, Trump concorda que Kiev não deve ser admitida no clube. Em relação à ajuda, a coisa complica no detalhamento dos números.

Usando o rastreador mais acurado da praça, do Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), a União Europeia e países do continente deram € 132 bilhões a Kiev, mas o grosso disso é dinheiro. Já os EUA enviaram € 114 bilhões, 56% do volume em ajuda militar.

Os europeus simplesmente não têm indústria bélica capaz de suprir toda a necessidade da Ucrânia no caso de a guerra continuar, mas podem fazê-lo num cenário de trégua. Poderiam, claro, comprar produtos americanos, mas essas triangulações são legalmente complexas.

Em relação ao acordo mineral, Trump desistiu de sua fantasia de US$ 500 bilhões do subsolo ucraniano para compensar o valor dado, sem prometer nada no futuro. E descartou garantias americanas.

Mas conseguiu um compromisso de exploração conjunta, o que de todo modo vai demorar anos -e com incer tezas, dado que boa parte das reservas de Kiev está em território sob controle de Putin no leste do país.

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