$LIBRA, $TRUMP, Dogecoin: por que investir em memecoins tem tantos riscos


Escândalo envolvendo o presidente da Argentina, Javier Milei, chamou novamente atenção para o assunto. As memecoins costumam ter um ciclo de vida curto e têm cotações muito voláteis, o que faz com que sejam grandes as chances de prejuízos aos investidores. O presidente da Argentina, Javier Milei
Matias Baglietto/Reuters
O escândalo envolvendo o presidente da Argentina, Javier Milei, e a criptomoeda $LIBRA é um ótimo exemplo dos riscos de investir em memecoins. A criptomoeda foi lançada na sexta-feira, viu sua cotação disparar e depois despencar em poucas horas, deixando milhares de pessoas no prejuízo.
As memecoins são inspiradas em memes, figuras públicas ou tendências da internet. Elas não têm nenhuma regulação e costumam “morrer” rapidamente, prejudicando investidores iniciantes ou desinformados.
Para que criptomoedas atraiam investidores e tenham boa rentabilidade, um fator importante é a forte adesão pública. Mas as memecoins são frequentemente impulsionadas por eventos isolados, como o que aconteceu na Argentina.
Como o apoio e a adesão não são duradouros, o preço desses ativos despenca, deixando os investidores de bolsos vazios. Foi exatamente isso que aconteceu com a $LIBRA na polêmica recente.
Não foi a primeira vez, nem deve ser a última. A criptomoeda criada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump teve caminho parecido, mas ainda não colapsou.
A $TRUMP disparou logo na estreia, em janeiro, e cada unidade chegou a valer quase US$ 50. Menos de um mês depois, com a redução da empolgação, o preço já caiu para US$ 17.
Entenda nesta reportagem:
Quais os riscos das memecoins e do universo cripto
O que aconteceu na Argentina, com a $LIBRA e Milei
O que é a “puxada de tapete”, suposta fraude cometida com a $LIBRA
Quais os cuidados necessários na hora de investir em criptomoedas
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Quais os riscos das memecoins e do universo cripto
Um fator que pode gerar prejuízos expressivos para os investidores mais desatentos é o ciclo de vida muito curto das memecoins. Por serem ativos extremamente voláteis e sem segurança, as memecoins têm grande possibilidade de quedas e prejuízos enormes, morrendo rapidamente.
Um estudo da plataforma cripto Chainplay de 2024, que analisou mais de 30 mil memecoins, mostrou que 97% delas já morreram. A expectativa de vida média desse tipo de ativo é de apenas um ano, enquanto outros projetos cripto têm uma vida estimada de três anos.
Outros números alarmantes revelados pelo estudo indicam que pelo menos um terço dos investidores que apostaram em memecoins perderam dinheiro, e cerca de 55% das memecoins criadas são projetos maliciosos.
Além disso, o universo das criptomoedas, por não ter regulação, é palco para vários tipos de fraudes. Um estudo da corretora de criptomoedas Bitget mostrou que, do início de 2022 a junho de 2024, as perdas no mercado de criptomoedas por operações fraudulentas totalizaram US$ 79,1 bilhões (cerca de R$ 429,4 bilhões, na cotação da época).
Caio Leta, líder de conteúdo e pesquisa da empresa especializada em bitcoin Bipa, destaca que isso acontece com facilidade porque o ecossistema dos criptoativos não é regulado. Na prática, isso significa que é fácil para os golpistas, que muitas vezes passam ilesos, fazer propagandas enganosas.
“É como se uma lanchonete pudesse anunciar que seu x-burguer cura o câncer, pois não existe um Procon regulando e proibindo isso”, compara Leta.
Outras fraudes populares também rondam o universo cripto, com destaque para os esquemas de pirâmide financeira.
Nesse tipo de golpe, uma pessoa promete altos retornos, mas, para isso, outras precisam entrar no esquema e fazer o mesmo investimento. Os primeiros conseguem obter bons retornos, mas quando o processo para de atrair novas pessoas, a rentabilidade deixa de existir.
“Cada uma dessas práticas tem mecanismos distintos, mas a essência pode ser semelhante: os criadores dos ativos se aproveitam da ganância e busca por lucro rápido das pessoas para vender ‘oportunidades’. Pode-se dizer que um rug pull é uma versão moderna e mais rápida de pirâmide”, explica Leta.
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O que aconteceu na Argentina, com a $LIBRA e Milei
O presidente da Argentina, Javier Milei, se tornou o centro de uma polêmica que já rendeu acusações por fraude, abertura de investigações pelo próprio governo e pedidos de impeachment pela oposição.
Isso ocorre após o político promover, na noite da última sexta-feira (14) uma criptomoeda, batizada de $LIBRA, lançada apenas minutos antes da publicação.
Assim que Milei divulgou a criptomoeda, o ativo passou por uma supervalorização que levou sua cotação de US$ 0,25 para US$ 5,54 em poucos minutos. Somente algumas horas, depois, porém, o valor da $LIBRA despencou para US$ 0,96, deixando milhares de pessoas no prejuízo.
Antes de falar sobre os cuidados na hora de investir, é importante dar um passo atrás para entender como a confusão envolvendo Milei e a criptomoeda se desenrolou.
Segundo apuração do jornal argentino “La Nación” com a ajuda do engenheiro de dados especializado em criptomoedas, Fernando Molina, a $LIBRA foi registrada e lançada na plataforma de criptoativos Solana às 18h37 da sexta-feira passada. Nos primeiros minutos de existência do ativo, nenhuma movimentação foi feita — ou seja, ninguém comprou nem vendeu a moeda.
Segundo apuração do jornal argentino “La Nación” com a ajuda do engenheiro de dados especializado em criptomoedas, Fernando Molina, a $LIBRA foi registrada e lançada na plataforma de criptoativos Solana às 18h37 da sexta-feira passada.
Nos primeiros minutos, não houve nenhuma movimentação — ninguém comprou nem vendeu a moeda.
Javier Milei se envolve em escândalo com criptomoeda na Argentina
Às 19h01, Milei publicou um tweet promovendo o ativo. Na rede social X, o presidente anunciou que a $LIBRA seria a base de um projeto para financiar pequenos negócios na Argentina, chamado “Viva la Libertad”, uma referência ao seu famoso slogan de campanha. Ele também incluiu um link para a compra da criptomoeda.
Assim que o tweet foi publicado, as primeiras compras da $LIBRA foram registradas, todas em valores altos, variando de milhares a milhões de dólares, e algumas em cifras exatamente iguais.
Para Molina, esse padrão indica que as compras foram feitas por robôs programados. Mas, para que esses robôs realizassem as compras programadas, os investidores responsáveis precisariam ter acesso a uma informação privilegiada: saber que Milei faria a publicação.
Esses primeiros investimentos, juntamente com a corrida de milhares de investidores menores incentivados por Milei, fizeram o valor da $LIBRA disparar em pouco mais de uma hora após seu lançamento.
Com essa supervalorização, os primeiros grandes investidores da criptomoeda passaram a vender grandes quantidades de $LIBRA, obtendo lucros milionários. Essa retirada de dinheiro fez o ativo colapsar e perder valor rapidamente — resultando em lucros para alguns e prejuízos para milhares.
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O que é a “puxada de tapete”
Caio Leta, da Bipa, explica que as movimentações feitas com a $LIBRA parecem configurar uma fraude conhecida como “rug pull” (ou “puxada de tapete”, em português).
Esse golpe é comum no ecossistema cripto, em que os desenvolvedores de um projeto abandonam repentinamente a iniciativa e embolsam o dinheiro dos investidores tardios.
“O termo vem da ideia de ‘puxar o tapete’ debaixo dos pés dos investidores, deixando-os sem liquidez e sem valor”, destaca Leta.
No caso da $LIBRA, a suposição é que os criadores da criptomoeda lançaram o ativo pouco antes de Milei publicar seu tweet, permitindo que comprassem uma grande quantidade da moeda antes da supervalorização causada pelo alto interesse dos investidores.
Com isso, o ativo teve uma alta artificial, causada apenas pela chancela de Milei. Com a rentabilidade elevada, os criadores da criptomoeda, que detinham uma grande quantidade de cotas, venderam tudo ou quase tudo para efetivar os lucros. A queda na cotação foi drástica porque muitas parcelas foram vendidas simultaneamente.
Leta pontua que essa é uma das três formas mais populares de “rug pull”. “É a venda massiva pelos próprios criadores. Os fundadores mantêm uma grande quantidade de tokens e, depois de atrair investidores, despejam suas moedas no mercado, fazendo o preço despencar”, diz.
As outras formas de “puxar o tapete” são:
Excesso de controle sobre a liquidez (que é a capacidade e facilidade do ativo de ser convertido em dinheiro real): os criadores da criptomoeda colocam seus tokens (unidades da moeda) em uma corretora descentralizada (DEX, na sigla em inglês). Mas, quando o valor do ativo sobe, eles retiram o dinheiro disponível para negociação, impossibilitando outros investidores de vender seus ativos.
Código malicioso: o sistema do projeto tem comandos escondidos que permitem aos criadores gerar quantos tokens da criptomoeda quiserem, o que desvaloriza o preço da moeda, ou até impedir que os investidores vendam os seus ativos.
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Quais os cuidados necessários na hora de investir em criptomoedas
Em um cenário tão arriscado para os investidores, é consenso entre especialistas que é preciso ter cuidado antes de colocar dinheiro em um criptoativo.
O primeiro e mais importante ponto de atenção, segundo Murilo Cortina, diretor comercial da QR Asset Management, é que o dinheiro investido em um criptoativo novo deve ser uma quantia que não faça diferença na vida e nas contas do investidor.
“Nunca é aconselhável tomar muito risco e prejudicar sua vida financeira com investimentos com promessa de valorização extrema em um curtíssimo prazo”, comenta Cortina.
Além disso, Caio Leta, da Bipa, destaca sete sinais de alerta que devem ser observados antes de investir em uma criptomoeda:
1️⃣ Se o projeto promete rendimentos fixos ou retornos garantidos, esse é o maior sinal de alerta, porque as criptomoedas são ativos de renda variável e não há como saber qual será a rentabilidade na hora de investir — não dá para saber sequer se investimento dará lucro ou prejuízo.
2️⃣ A criptomoeda que tem desenvolvedores anônimos ou, mesmo que conhecidos, não tenham um histórico confiável, é sempre um sinal de alerta. Além disso, o investidor precisa desconfiar se o site oficial do projeto não apresentar informações claras sobre a equipe. Também vale buscar os perfis profissionais dos fundadores nas redes sociais.
3️⃣Poucas carteiras de investidores possuem grandes quantidades de tokens (unidades) do criptoativo — o que supostamente aconteceu com a $LIBRA. Taxas de transferência ou de venda excessivamente altas também podem indicar que será difícil se desfazer daquele ativo.
4️⃣Pressão de marketing para o investimento no ativo, com muitas figuras públicas estimulando a compra e mensagens que criem uma sensação de que o investidor tem que aproveitar a oportunidade rapidamente.
5️⃣Uma documentação técnica do ativo mal escrita ou confusa e nebulosa. Um bom projeto de criptomoeda deve ter descrições originais e bem escritas, com explicações claras sobre seus objetivos e utilidades, além de disponibilizar e auditar seu código-fonte.
6️⃣Comunidades criadas para a criptomoeda dominadas por robôs ou contas falsas e censura à realização de perguntas críticas ou técnicas.
7️⃣A estrutura do projeto também deve ser analisada, com atenção a três principais pontos que devem ser evitados: mecanismos complexos de “recompensa” pouco explicados, dependência de novos investidores para gerar retornos, ausência de caso de uso real além da especulação.
Mesmo com os golpes existentes, os especialistas ouvidos pelo g1 concordam que o universo das criptomoedas pode oferecer boas oportunidades, quando bem analisadas e com investimentos que não afetem a vida financeira.
Para Murilo Cortina, da QR Asset, “deixar de investir em criptoativos significa perder a chance de participar de uma tecnologia que promete revolucionar nosso mundo, assim como a internet fez no passado. Podemos encarar o blockchain como a próxima evolução da internet”.
“Da mesma forma que, ao investir na bolsa, não há uma única ação ou poucas que sejam as melhores para qualquer cenário, o universo cripto também requer composição diversificada de ativos, que pode variar conforme o mercado se movimenta. Por isso, o mais recomendado é contar com ajuda profissional para navegar nesse contexto de forma consciente e focada no longo prazo”, conclui Cortina.
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