Tiroteio fere seis soldados da Guiana na fronteira com a Venezuela

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GUILHERME BOTACINI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O governo da Guiana afirmou nesta segunda-feira (16) que seis soldados de suas forças de segurança ficaram feridos em um confronto na fronteira com a Venezuela. Os responsáveis pelo que Georgetown chamou de emboscada seriam membros de uma gangue venezuelana que atua na fronteira.

O confronto ocorreu no rio Cuyuni, no coração do Essequibo, região rica em recursos minerais que é alvo de disputa centenária entre os dois países -na prática, a Guiana administra a região, que corresponde a cerca de dois terços do país e é reconhecido como guianense pela maioria da comunidade internacional.

A Força de Defesa da Guiana (GDF, na sigla em inglês) afirmou em um comunicado que uma embarcação de transporte de suprimentos foi emboscado por homens armados e mascarados no trajeto entre sua base principal em Eteringbang e Makapa.

Segundo os militares, os mascarados cercaram a embarcação de 9 metros e dispararam; os soldados responderam.

“Após a troca de tiros, os agressores se retiraram, mas não sem que vários membros das forças de segurança fossem baleados”, indicou a nota.

A GDF afirmou que mais tropas foram “mobilizadas para reforçar sua presença na área”. “A Força continua comprometida com a proteção de suas fronteiras e tomará todas as medidas necessárias para enfrentar qualquer ameaça à segurança nacional.”

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, publicou nota em que estava “profundamente preocupado com o bem-estar dos soldados feridos”, e disse que um helicóptero de resgate se encaminhava para a região para resgatar os feridos.

O fato coincide com o 59º aniversário da assinatura do Acordo de Genebra, que a Venezuela celebrou em 17 de fevereiro de 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianense, e estabelece as bases para uma solução negociada para a controvérsia territorial.

Nesta segunda, a ditadura Maduro publicou nota celebrando o acordo e afirmou que “a Guiana está obrigada a se sentar e negociar de imediato, sem mais demora” e voltou a acusar o país de abrigar bases dos Estados Unidos.

“A Venezuela não cederá ante nenhuma manobra que pretenda despojá-la de seus direitos históricos que legaram seus libertadores. A Guiana Essequiba [nome dado à região por Caracas] é e será parte indiscutível da integridade territorial venezuelana e a luta pela recuperação segue sendo uma causa indeclinável de todo o povo”, diz a nota de Caracas.

ENTENDA A DISPUTA TERRITORIAL SOBRE O ESSEQUIBO

No começo do século 19, a Venezuela tornou-se independente da Espanha. Na partilha posterior da região ao norte do Brasil, um tratado entre Reino Unido e Holanda deu, em 1814, terras que eram de Amsterdã na margem esquerda do rio Essequibo.

Em 1831, ela comporia dois terços da nova Guiana Inglesa, vizinha da Francesa, até hoje território de Paris, e da Holandesa, que se tornou o Suriname independente em 1975.

Os venezuelanos disputavam a divisão, e uma comissão internacional foi formada em Paris para arbitrar a questão de Essequibo. Em 1899, um laudo deu posse definitiva da área para os britânicos. Isso perdurou até o fim dos anos 1940, quando recomeçou uma campanha de Caracas, agora baseada na acusação de que o acordo era fraudulento e fora influenciado por Londres.

Novas negociações ocorreram e, em 1966, foi firmado o Acordo de Genebra entre Londres e Caracas. Segundo ele, todos concordavam em discordar: a Venezuela firmava sua rejeição ao laudo de 1899 e o Reino Unido, sem fazer isso, aceitava discutir a questão fronteiriça até haver uma “decisão satisfatória”.

Poucos meses depois, contudo, a Guiana tornou-se independente, e Essequibo representava dois terços de seu território. As negociações não prosperaram no prazo previsto de quatro anos, um novo protocolo foi firmado e o assunto ficou congelado por 12 anos.

Em 1982, a Venezuela por fim decidiu não ratificar o protocolo e o assunto acabou sendo levado à ONU.

Anos de conversas, mais ou menos amigáveis, sucederam-se até a ascensão do chavismo nos anos 2000 em Caracas.

Inicialmente, o presidente Hugo Chávez se mostrou favorável a uma solução amistosa, no que foi seguido por Nicolás Maduro, que o sucedeu após sua morte em 2013 e assumiu poderes ditatoriais em 2017. Mas em 2015, tudo mudou.

O governo em Georgetown fez um acordo com a petroleira americana ExxonMobil para a prospecção do mapa territorial de Essequibo. Foram localizadas reservas potenciais a 190 km da costa, numa área que a Venezuela reivindica. Além disso, o território todo é salpicado de reservas minerais que incluem o precioso urânio, base da indústria nuclear, ouro, bauxita, ferro e outros.

Caracas misturou então ideologia no discurso, acusando a Guiana de vender-se de forma colonizada para os americanos, que por sua vez prometeram mais cooperação militar com o pequeno país caribenho. A ONU voltou a se mexer e indicou a Corte Internacional de Justiça, em Haia (Holanda), como fórum para o caso.

A Venezuela não aceitou, mas o projeto petrolífero avançou e a produção local começou em 2019. Ao todo, foram identificados 11,2 bilhões de barris de reservas, uma enormidade -o Brasil tem provados 15 bilhões de barris.

Os moradores de Essequibo -oficialmente 120 mil mas talvez até 200 mil e 80% deles na costa- passaram a vislumbrar uma prosperidade antes inaudita. Com o avanço da extração, o PIB da Guiana deu saltos. De 2021 para 2022, segundo o Banco Mundial, ele subiu 63% em termos reais, e em 2023 está em US$ 15,3 bilhões.

A controvérsia sobre o território esquenta e esfria ao longo das décadas. Em dezembro de 2023, Maduro voltou a enfatizar a soberania venezuelana sobre o território.

Em seguida, criou plebiscito sobre o pertencimento da região -pleito, sem surpresas, vencido amplamente em favor de Caracas. Em abril, o ditador promulgou lei que criava oficialmente na Venezuela o estado de Guiana Essequiba

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