Cuba, e o tango da Casa Branca

(Foto: Reprodução de vídeo/YouTube U.S. Department of State)

Donald Trump convidou o grupo cubano Los tres de La Habana para sua festa de gala inaugural, em 18 de janeiro de 2025. Esse grupo inventou um novo ritmo musical, o Som de Miami, um mix de Salsa com música urbana. Presidentes americanos anteriores haviam ditado o ritmo da dança com os cubanos, aquele do tango. Até agora, o Capitólio conduzia os parceiros orientando-os a dar um passo adiante ou dois passos para trás, conforme o caso. É verdade que a partitura definidora do ritmo sempre foi mais política do que musical.

Um passo adiante, com Barak Obama em 2015. Dois passos para trás com Donald Trump em 2017. Um inesperado chá de cadeira em silêncio radiofônico com Joe Biden. Apesar do novo ritmo, cantado em comícios em prol de Trump por Los tres de La Habana, não há nada que garanta que essa dança ao Som de Miami não voltará a ser ritmado aos passos tradicionais do tango, nesta gestão Donald Trump II. Essas idas e vindas ao estilo argentino refletem as relações de “bandoneon” orquestradas pelos maestros da Casa Branca. Primeiro, a suspensão de todas ou quase todas as relações bilaterais, acompanhada de sanções comerciais e financeiras de 1961 a 2012. Nos quatro anos seguintes, o presidente Obama iniciou um tango de recuperação, restabelecendo relações diplomáticas, reabrindo embaixadas, e suspendendo sanções contra indivíduos. Em resumo, as viagens foram facilitadas, voos foram abertos e as transferências de dólares foram simplificadas, tudo isso acompanhado de uma visita de Barak Obama a Cuba em 2016, uma visita que merece ser chamada de histórica.

É verdade que, ao mesmo tempo, as autoridades cubanas afrouxaram os cintos de castidade ideológicos e econômicos impostos aos seus cidadãos. Presos políticos foram libertados, a obtenção de um passaporte deixou de estar sujeita a obstáculos administrativos intransponíveis. Cubanos que dispunham de recursos financeiros para fazê-lo adquiriram o direito de viajar de Cuba para outros países e o direito de retornar, conforme lhes conviesse. Foram autorizados a adquirir bens, como casas e carros, e a abrir pequenas empresas familiares. Com base nisso, em apenas alguns meses houve um aumento exponencial de visitas de cubanos aos Estados Unidos e de norte-americanos a Cuba.

A chegada de Donald Trump à Casa Branca em 2016 pôs fim a esse ar de primavera que havia descongelado o paradoxal bloco de gelo encrustado entre a Flórida e o Pan de Guajaibón. As embaixadas foram mantidas. No entanto, as conquistas do período Obama foram contidas, uma vez confiadas à supervisão de republicanos de origem cubana, que haviam apoiado a candidatura de Donald Trump. O retorno de Joe Biden, democrata e ex-vice-presidente de Barack Obama, à chefia do governo gerou esperanças do retorno de um presidente que cantasse “Volver”, de Gardel, uma abertura em estilo tango para a ópera Obama-Cuba, que foi suspensa em 2016. Nada aconteceu na gestão Biden. Pelo menos não até 14 de janeiro de 2025, seis dias antes da entrega do poder.

Em uma decisão de última hora, Joe Biden se vale do mesmo recurso de Donald Trump. Em 2021, pouco antes de entregar as chaves da Casa Branca a Biden, Donald Trump havia colocado Cuba na lista de países terroristas. Em 2024, em circunstâncias semelhantes, Joe Biden retirou Cuba dessa lista. A cereja do bolo, cozida em um tango de furacão, foi a retirada do Título III da Lei Helms-Burton, que ameaça uma ação legal contra qualquer comprador das propriedades que foram nacionalizadas e que pertenciam a cidadãos norte-americanos antes da Revolução Cubana, ou a cubanos que posteriormente adquiriram a nacionalidade norte-americana.

Donald Trump vai mandar os cubanos de volta para a pasta “Sanções”? O tango da Casa Branca será mais uma vez tocado de modo a ser ouvido lá de Cuba? A vitória de Donald Trump nas eleições de 5 de novembro de 2024 foi vista com preocupação pelas autoridades de Havana. O papa, argentino, elevou seu cajado de peregrino entre Havana e Washington. Joe Biden, um bom católico, reconheceu o gesto. Mais de 500 pessoas presas em Cuba foram libertadas pelo governo cubano. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos suspenderam uma série de medidas restritivas restabelecidas por Donald Trump em 2017.

Ninguém sabe como Donald Trump tomará suas decisões. A incerteza é total. Alguns observadores acreditam que essa indefinição é deliberada, pois permite que ele, como um jogador de pôquer, embolse a aposta. Ele falou muito pouco sobre Cuba durante a campanha presidencial, exceto durante reuniões públicas com a comunidade cubana. Tendo sido bem votado entre eles, ele retribuiu o favor aos cubanos indicando para seu governo dois de seus representantes. Um deles, Marco Rubio, é o novo Secretário de Estado, Ministro das Relações Exteriores no jargão administrativo dos EUA. Outro, Mauricio Claver-Carone, é seu conselheiro especial para o Hemisfério Ocidental, ou seja, para a América Latina.

Entretanto, essas nomeações não são um bom presságio para o futuro das relações entre os dois países. Rubio é responsável pelos assuntos mundiais. China, Oriente Médio, Rússia. Cuba não é central nesse portfólio. Quanto a Claver, seu roteiro é, antes de tudo, bloquear o fluxo de migrantes do sul. Eles são centro-americanos, mexicanos, haitianos, venezuelanos, mas também cubanos… Essas nomeações são, portanto, presentes políticos pessoais que Trump dá a amigos que por sua vez fizeram campanha para ele e pediram votos a seus conterrâneos. Muitos outros se beneficiaram com nomeações, sejam eles cubano-americanos, como o próximo embaixador dos EUA em Madri, sejam como Elon Musk que, tendo feito grandes doações financeiras ao presidente eleito, foi recompensado com uma entrada nos círculos de poder do Estado.

Talvez a resposta esteja no método e não na ideologia. Trump, de acordo com sua cultura, é um praticante experiente de negociações políticas, usando todos os tipos de meios para maximizar seus ganhos. Sabemos que ele espera que Cuba faça três coisas para normalizar as relações entre os dois países: liberar os presos políticos, realizar eleições livres e suspender todo o proselitismo político na América Latina.

Isso já estava incluído em seu memorando sobre Cuba em 2017. As autoridades cubanas deram um passo adiante ao libertar 553 detentos em 16 de janeiro de 2025. “Tenho acompanhado as nomeações para diferentes cargos no atual governo dos EUA”, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Cuba, Yaira Jiménez Roig. “Teremos de lidar com a realidade tal como se nos apresenta. Dito isso, repito que […] estamos prontos para retomar o diálogo a qualquer momento, um diálogo sério e responsável baseado no direito internacional, na igualdade soberana e no benefício mútuo, sem interferências internas.”

Texto originalmente publicado em francês, em 21 de janeiro de 2025, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original: “Cuba, un tango de la maison blanche”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/124971. Tradução de Andrei Cezar da Silva e Luzmara Curcino.

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Jean-Jacques Kourliandsky é Diretor do “Observatório da América Latina” junto à Fundação Jean Jaurès, na França, especialista em análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014). Colabora frequentemente com o “Observatório da Imprensa”, no Brasil, graças à parceria com o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR) e com o Laboratório de Estudos da Leitura (LIRE), ambos com sede na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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