Lei de combate aos supersalários tem 14 brechas para manter regalia, diz estudo

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Uma análise jurídica sobre um projeto de lei que visa combater os supersalários e prevê 32 exceções ao teto do funcionalismo público indica que 14 delas abrem brechas justamente para a manutenção desses rendimentos de servidores públicos, que extrapolam o limite do teto constitucional de R$ 46.366,19 (como são classificados os supersalários).

O estudo, denominado “Supersalários e o teto constitucional: Natureza das verbas indenizatórias e remuneratórias e PL nº 2.721/2021”, foi produzido pelo escritório do advogado João Paulo Bachur, jurista que já ocupou cargos no ministério da Educação e na Casa Civil, a pedido do Movimento Pessoas à Frente, organização criada em 2021 e que já produziu estudos sobre a questão dos supersalários. Eles avaliaram que o projeto, que visa combater justamente os supersalários, pode ter um efeito contrário e até aprofundar o rombo das contas públicas.

No final do ano passado, um estudo anterior do Movimento Pessoas à Frente produzido pelo economista Bruno Carazza, pesquisador e professor da Fundação Dom Cabral, calculou em R$ 11 bilhões os custos aos cofres públicos devido aos supersalários.

O tema ganhou relevância recentemente após as conversas de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O que eles debateram foram possíveis medidas para combater os supersalários.

A análise jurídica de Bachur e sua equipe sobre o projeto de lei 2.721 de 2021 indicou que ao menos 14 das 32 exceções ao teto são verbas remuneratórias, e não indenizatórias. Se mantidas como estão no texto original, elas podem, além de manter os supersalários, criar um efeito em cascata, já que abre espaço para que servidores do Executivo que ganham menos do que o estabelecido peçam equiparação, o que pode provocar um rombo de R$ 26,7 bilhões nas contas públicas.

As verbas remuneratórias são pagas mensalmente como salário pelo trabalho realizado e as verbas indenizatórias são destinadas a cobrir despesas ou danos sofridos pelo empregado no desempenho de suas funções. Para serem consideradas indenizatórias e, portanto, isentas do teto constitucional, essas verbas devem: ser para reparação de despesas, ser eventuais e específicas, não ser permanentes e precisam ser estabelecidas por lei.

O projeto de lei 2.721/2021 classifica certos auxílios, como o 13º salário e adicional de férias, como indenizatórios, isentando-os de Imposto de Renda e contornando o teto constitucional, o que gera controvérsia.

Pelos cálculos do estudo de Carazza feito no ano passado, apenas quatro penduricalhos podem trazer como impacto orçamentário R$ 3,4 bilhões: o pagamento em dobro do adicional de um terço de férias; a gratificação por exercício cumulativo de ofícios; o auxílio-alimentação; e o ressarcimento de despesas com plano de saúde.

“Entendemos que precisamos passar pela discussão do que é indenizatório e remuneratório e combater os supersalários. Ele (o projeto de lei) não só vai manter, mas pode gerar um efeito cascata para que outras carreiras vejam os privilégios conquistados como uma meta e vire o ‘novo normal’. E o que a gente prevê é que pode existir uma disputa entre as carreiras para que seja uma meta a ser conquistada”, afirma Jessika Moreira, diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente.

Impactos e jurisprudência
Segundo Jessika, a escolha pelo PL 2.721/21 para análise ocorreu por ele ser o mais adiantando entre vários outros projetos de lei que tratam da questão do combate aos supersalários.

A preocupação se dá pelo seguinte: a emenda à Constituição sobre o corte de gastos deixou de fora a questão dos supersalários. Ficou definido que a questão deve ser tratada por uma lei ordinária e, como a tramitação do PL 2.721 é a mais avançada, o temor é que o projeto seja pautado e aprovado sem uma melhor discussão.

O entendimento é o de que o texto do projeto de lei pode, na verdade, institucionalizar o pagamento dos penduricalhos. A diretora explica que a intenção do Movimento é que o projeto, atualmente no Senado, não tramite mais e dê espaço para um outro, que possa levar em conta esses impactos apontados nos estudos.

Para chegar às conclusões do estudo, Bachur e sua equipe fizeram pesquisas de decisões em vários tribunais que já trataram de questões de verbas indenizatórias e remuneratórias.

Foram consultadas jurisprudências do Supremo Tribunal Federal (STF) e decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Tribunal de Contas da União (TCU).

O estudo indica conclusões conflitantes de tribunais. Um exemplo são os ressarcimentos de mensalidade de planos de saúde. Por não haver lei específica sobre o tema, muitas vezes os tribunais vêm classificando a questão como indenizatória. Entretanto, para Bachur e sua equipe, por se tratar de algo com caráter permanente, essa verba deveria ser classificada como remuneratória e assim ser incorporada aos vencimentos e sujeita ao teto.

Outro caso é de auxílio-creche, relativo a filhos e dependentes de até cinco anos de idade, pago até o limite de 3% do salário. Embora a assistência gratuita seja prevista pelo inciso 25 do artigo 7º da Constituição Federal, o entendimento do estudo é que se trata de natureza geral e permanente e, com isso, não deveria ser caracterizada como uma indenização, mas sim ser incorporada à remuneração.

Casos semelhantes acontecem com a indenização de representação no exterior, adicional ou auxílio-funeral, participação na organização ou na realização de concurso público e gratificação pelo exercício de função eleitoral, entre outros.

Estadão Conteúdo

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