Líder camponesa Elizabeth Teixeira faz 100 anos com festival e inspira filmes

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Elizabeth Teixeira mora na mesma casa, desde 1985, com a filha caçula, Anatilde Targino Alves, no bairro de Cruz das Armas, em João Pessoa. Casa esta que ganhou do cineasta Eduardo Coutinho, fruto de parte da bilheteria do documentário “Cabra Marcado para Morrer” nos cinemas, do qual ela é uma das protagonistas.

Mulher-símbolo da luta pela terra, por melhores condições de trabalho do homem do campo e pela reforma agrária no Brasil neste marco do cinema nacional, ela completa cem anos nesta quinta-feira (13) e será homenageada com três dias de festas no Memorial das Ligas e Lutas Camponesas em Sapé, na zona da mata paraibana.

Magrinha, como sempre foi, mas um tanto fragilizada pela idade, ela quase não escuta. Em conversa por vídeo com a reportagem, ao lado de Maria José, pedagoga aposentada e uma dos 11 filhos dela com o lavrador João Pedro Teixeira -o “cabra” do filme-, ela solta frases soltas, desconexas na maior parte das vezes.

A filha garante, porém, que a saúde da mãe é boa. “Ela não tem triglicérides e colesterol altos, a pressão é excelente, não tem doença nenhuma. Tem, sim, uma saúde de ferro e ainda energia”, diz.

No sofá, Elizabeth fica o tempo todo encostada na filha. De óculos, um vestido branco com detalhes pretos e sandália marrom, ela, de cabeça baixa, parece absorta, pensando em outros tempos. Elizabeth perdeu o marido em 1962, morto por dois policias e um vaqueiro a mando de latifundiários de região de Sapé, onde João Pedro fundou a primeira liga camponesa da Paraíba. Maria José tinha cinco anos.

“A vida da nossa família foi uma tragédia atrás da outra. A morte brutal do meu pai, as perseguições e prisões que minha mãe sofreu, o suicídio de um irmão, o desaparecimento da minha mãe, que fugiu [para São Rafael, no Rio Grande do Norte] para não ser morta e não ser motivo da morte de algum dos seus filhos por policiais a mando dos latifundiários.”

Insistindo em algum comentário de Elizabeth, Maria José pergunta para ela o que acha da reforma agrária. “A reforma agrária vem?”, pergunta ela. “Vem”, responde a filha. “Eu quero terra para plantar e a reforma agrária no Brasil”, diz Elizabeth, pedindo que Deus proteja o país, antes de apontar para si. “A cabeça está doendo, minha filha”, afirma, ao final da entrevista.

Nesta quinta, a família irá para a abertura de uma exposição sobre ela no Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, seguida de um almoço fechado, que reunirá pela primeira vez todos os filhos -hoje são sete vivos-, netos, bisnetos e tataranetos.

“Elizabeth Teixeira é uma mulher que teve uma vida excepcional, mesmo diante das dificuldades e violências que ela e sua família sofreram dos latifundiários, do Estado e da ditadura militar, nunca deixou de lutar por terra para o homem do campo”, diz Alane Maria Silva de Lima, presidente do memorial.

Em “Cabra Marcado para Morrer”, Coutinho fala dos 11 filhos que Elizabeth teve com João Pedro, inclusive quando a reencontra vivendo escondida do regime em São Rafael, em 1981, e adotava, na ocasião, o pseudônimo de Marta Maria da Costa com um dos filhos, Carlos Antônio Teixeira.

Coutinho e a família Teixeira se reencontraram um ano antes da morte do cineasta, em 2014, e rendeu um curta documental lançado como extra para um DVD de “Cabra Marcado para Morrer”, na qual o diretor entrevista alguns dos filhos de Elizabeth novamente. Mas a filha caçula dela, Anatilde, com quem mora, nem é citada.

O diretor Fábio Rogério, que viajou para Paraíba para filmá-la nas homenagens do seu centenário, em Sapé, para o projeto “Mulher Marcada para Viver”, lembra que Anatilde não é filha de João Pedro Teixeira -detalhe que a família não costuma comentar. O cineasta descobriu isso por uma dissertação sobre a memória da família Teixeira e a relação com os traumas da ditadura, defendida por Anna Rachael de Arruda Tavares -filha de Anatilde e neta de Elizabeth-, que será transformada em livro neste ano.

A história foi escondida de Anna Rachel e de sua irmã até um dia em que a mãe decidiu contar, aos prantos, sobre ser filha de Luís Targino Alves, um homem que ela nunca conheceu -nem sabia se esse nome, dado por Elizabeth, era verdadeiro.

Anatilde, conta Anna Rachel, respeitou a decisão da mãe de nunca revelar essa parte da sua história, mesmo que esse silêncio a magoasse profundamente. Segundo a neta de Elizabeth, Coutinho sabia da história de Anatilde, mas nunca quis entrevistá-la.

“Esse apagamento [da relação de Elizabeth com outro homem, após a morte de João Pedro] pode ter relação com o peso que envolve a história dela, de sua luta coletiva pela terra e a reforma agrária, que se tornou maior que a sua própria vida pessoal e que ganhou notoriedade e importância quase mítica com o filme de Coutinho”, diz a historiadora e professora, Juliana Elizabeth Teixeira do Nascimento, neta da ativista.

Anatilde primeiro aceitou falar com a reportagem, mas depois mudou de ideia, por se tratar, nas suas palavras, de um assunto bem emocionalmente perturbador. “Sei que preciso superar, mas Minhas expressas e mais sinceras desculpas”, disse. Feridas, porém, que não diminuem sua aproximação com a mãe. “Esse centenário de Elizabeth promete.”

Em paralelo, Anatilde diz estar colaborando para o filme “Quem é Elizabeth?”, um longa ficcional sobre sua mãe, com roteiro e pesquisa de Kátia Dumont, produção de Drica Soares, da Carambola Filmes, e direção de Inês Figueiró.

MEMORIAL DAS LIGAS CAMPONESAS
– Quando 13 a 15 de fevereiro
– Onde Diversos locais em Sapé (PB)
– Link: https://www.instagram.com/memorial.ligascamponesas/?hl=pt

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