Com bônus de Itaipu, inflação desacelera para 0,16% em janeiro

JÚLIA MOURA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A inflação desacelerou em janeiro, apontam dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados nesta terça-feira (11). O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) subiu 0,16% em relação a dezembro, levemente abaixo da mediana da expectativa de economistas consultados pela Bloomberg, de 0,17%.

Esta é a menor marca para um mês de janeiro desde o início do Plano Real, em 1994. Em dezembro, o índice teve alta de 0,52%, o que representa uma desaceleração de 0,36 ponto percentual do IPCA.

Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada é de 4,56%, ainda acima do teto da meta do Banco Central, de 4,5%, mas abaixo da expectativa de 4,58% do mercado.

O que mais contribuiu para a desaceleração do índice foi a queda de 14,21% nos preços da energia elétrica residencial, o que teve um impacto negativo de 0,55 ponto percentual sobre o IPCA de janeiro.

Essa é a maior redução mensal na energia desde fevereiro de 2013, quando houve queda de 15,17%.

“Essa queda foi decorrência da incorporação do bônus de Itaipu, creditado nas faturas emitidas em janeiro”, diz Fernando Gonçalves, gerente do IPCA.

BÔNUS DE ITAIPU

O bônus é um desconto na conta de luz de quem consumiu menos que 350 quilowatts-hora (kWh) em ao menos um mês de 2023. Segundo o governo, foram 78,3 milhões de consumidores beneficiados com a dedução, o que representa 97% do total de unidades residenciais e rurais no país ao fim de 2023.

Uma lei de 2002 estabelece que uma parcela do resultado da renda de energia de Itaipu será transformada em crédito nas contas de energia. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) liberou R$ 1,3 bilhão para a concessão do desconto que é proporcional aos quilowatts-hora consumidos, com o valor de R$ 0,011648844 por kWh.

O alor descontado é equivalente à multiplicação deste valor pré-estabelecido pelo quantitativo em kWh informado na fatura de energia em cada mês de 2023 em que o consumo tenha sido inferior a 350 kWh.

Se o consumo foi exatos 100 kWh por mês nos 12 meses de 2023, se multiplica R$ 0,011648844 por 100 (consumo mensal em kWh) por 12 (meses), totalizando R$ 13,98 de desconto na conta de luz em janeiro de 2025.

Como a média de consumo em 2023 entre os 78,3 milhões de unidades beneficiadas foi de 119 kWh por mês, uma família com esse consumo receberia o bônus de R$ 16,66. Na máxima, o desconto chegou a R$ 48,92.

“Esse cenário sugere que a redução observada em janeiro pode mascarar a persistência de pressões inflacionárias estruturais. Com o retorno dos preços normais da energia nos meses seguintes, é possível que o índice volte a subir, exigindo um monitoramento contínuo dos componentes que compõem o IPCA”, afirma Ricardo Trevisan Gallo, CEO da assessoria de investimento Gravus Capital.

A energia elétrica residencial é um subitem que integra o grupo da Habitação do índice, que registrou queda de 3,08% com impacto de -0,46 p.p. sobre o IPCA de janeiro.

Já a categoria Transportes teve alta de 1,30%, com um impacto positivo de 0,27 p.p., por influência das altas em passagens aéreas (10,42%) e ônibus urbano (3,84%).

O segundo maior impacto positivo foi do grupo alimentação e bebidas, que teve seu quinto aumento consecutivo (0,96%) e contribuiu com 0,21 p.p. para o índice do mês. Nesse grupo, a alimentação no domicílio subiu 1,07%, influenciado pelas altas da cenoura (36,14%), do tomate (20,27%), e do café moído (8,56%). Por outro lado, os preços da batata-inglesa (-9,12%) e do leite longa vida (-1,53%) recuaram.

“São questões de produção, pelo impacto climático mais acentuado, com La Niña trazendo chuvas mais fortes, o que reduz a oferta”, diz Gonçalves.

A alimentação fora do domicílio desacelerou de 1,19% em dezembro para 0,67% em janeiro. Tanto o lanche (0,94%) quanto a refeição (0,58%) tiveram variações inferiores às do mês anterior (0,96% e 1,42%, respectivamente).

Serviços tiveram alta de 0,78%, acima do ganho de 0,66% observado em dezembro, marcado por uma alta de 3,14% em seguros de veículos.

O encarecimento de de serviços veio acima da projeção de 0,72% de Lucas Barbosa, economista da AZ Quest.

“Alguns itens, como aluguel e condomínio, já eram conhecidos do IPCA-15, mas outros surpreenderam para cima. Por exemplo, o conserto de automóveis registrou uma variação de 1,27% e vem acelerando fortemente, chegando a 6,5% em 12 meses. Outros serviços, como cabeleireiro, barbeiro, manicure e serviços médicos e odontológicos, também se mostraram bastante pressionados”, afirma Barbosa.

Ele calcula que o núcleo de serviços intensivos e mão de obra subiu 0,76% no mês e, em 12 meses, 5,77%, ante 5,52% em dezembro.

“Outro ponto importante é o grupo de serviços de ociosidade, que são mais sensíveis ao nível de atividade econômica. Esses serviços também surpreenderam para cima, com variação de 0,83% frente à projeção de 0,68%. Em 12 meses, essa categoria acelerou de 5,15% para 5,58%”, diz o economista.

Barbosa lembra que a projeção do BC no Relatório de Inflação de dezembro era de uma queda de 0,08% no IPCA de janeiro.

“Mesmo descontando o efeito de passagens aéreas e outros itens voláteis, a leitura de hoje ainda se caracteriza como uma surpresa altíssima em relação à projeção do Banco Central, surpresa que estimamos que vai continuar ocorrendo nas leituras de fevereiro e março”, afirma Barbosa.

Para Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, a alta de serviços é uma “má notícia”, já a redução de preço de 0,14% em vestuário e 0,09% em artigos de residência é uma “boa notícia”.

“A fotografia é de inflação pressionada, mas dentro do precificado, o que não deve impactar os preços do mercado de renda fixa. Mantemos nossa expectativa de alta de um ponto percentual da Selic em março e mais 0,75 p.p. em maio, trazendo a taxa para 15%”, diz Tatiana.

No mês passado, o Banco Central subiu a taxa básica de juros de 12,25% para 13,25% ao ano de modo a conter a inflação fora da meta.

Outro ponto que reduziu a pressão sobre a alta dos preços foi a queda de 5,3% do dólar em janeiro, após disparar acima de R$ 6,20 em dezembro.

“A recente valorização do câmbio pode ajudar, mas não é suficiente para eliminar todas as pressões subjacentes à inflação, pois outros fundamentos, como mercado de trabalho, renda e alimentos, continuam bastante pressionados”, diz Barbosa, da AZ Quest.

INFLAÇÃO NA BAIXA RENDA

No recorte do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que mede a inflação das famílias com renda de até cinco salários mínimos, a variação foi nula (0,0%) em janeiro -o IPCA abrange as famílias com rendimentos de 1 a 40 salários mínimos.

O acumulado em 12 meses do INPC ficou em 4,17%, abaixo dos 4,77% dos 12 meses imediatamente anteriores. Em janeiro de 2024, o INPC havia sido de 0,57%.

Dentro do INPC, os produtos alimentícios desaceleraram de dezembro (1,12%) para janeiro (0,99%), enquanto os não alimentícios recuaram de 0,27% em dezembro para -0,33% em janeiro.

Para fevereiro, no entanto, devem pesar no IPCA o aumento de mais de 6% no preço do diesel nas refinarias da Petrobras e do ICMS sobre combustíveis, além da volta da conta de luz ao normal, sem o desconto do bônus de Itaipu.

Com o aumento do ICMS, o preço médio do combustível no país chegou a R$ 6,35 na primeira semana de fevereiro, o maior valor desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em valores corrigidos pela inflação.

De acordo com a última pesquisa Focus, economistas esperam que o IPCA suba 5,58% em 2025, mais de um ponto percentual acima do teto da meta.

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