Diretor da PF ignora caso Marielle ao defender discrição em operações

capa para matéria 1064 × 614 px 4

ITALO NOGUEIRA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos, ignorou sua própria atuação no caso Marielle Franco (PSOL) ao exaltar nesta segunda-feira (28) a discrição com que o órgão divulga sua operações.

Em entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura, Passos disse em duas oportunidades que a PF, sob sua gestão, interrompeu a prática de realização de entrevistas coletivas após as operações. Contudo, houve ao menos três encontros de autoridades com a imprensa para falar sobre o caso da vereadora, sendo dois com a participação de Andrei.

“A Polícia Federal hoje é uma polícia que não faz entrevista coletiva. É uma polícia que não pré-condena ninguém, que não expõe as pessoas investigadas”, afirmou Andrei.

Procurada para comentar, a Polícia Federal não respondeu à Folha de S.Paulo.

O diretor-geral participou de duas entrevistas coletivas sobre o caso. A primeira foi em julho de 2023, quando o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel, foi preso sob acusação de auxiliar a preparação do homicídio.

A entrevista foi concedida ao lado do então ministro da Justiça, Flávio Dino, que teceu comentários sobre a delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz, condenado por participação na emboscada.

Andrei também participou da coletiva ao lado do ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) no dia da prisão dos acusados de mandar matar a vereadora, em 2024. Dias antes, o próprio ministro havia anunciado a homologação da colaboração premiada do ex-PM Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora, em prática completamente inusual em investigações.

A defesa na discrição da corporação durante o Roda Viva foi uma forma do diretor-geral buscar diferenciar a atuação do órgão sob sua administração em comparação ao período da Operação Lava Jato, quando delegados costumavam falar à imprensa sobre as seguidas fases deflagradas.

“A Polícia Federal de hoje não faz entrevista coletiva pré-condenando, pré-julgando ninguém. Não faz powerpoints apontando responsáveis por operações já pré-condenando as pessoas”, disse ele no programa.

Andrei abordou o tema ao ser questionado sobre as investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a possível redução de inquéritos contra corrupção. Ele não foi questionado sobre o caso Marielle no programa.

A atuação da PF no inquérito sobre a morte da vereadora também contraria outra fala de Andrei em defesa da discrição da PF.

“Nós prendemos mais de 9.000 pessoas em flagrante só em 2024. Cumprimos mais de 2.000 mandados de prisão só em 2024. E vocês não viram a imagem de nenhuma dessas pessoas algemadas sendo conduzidas. […] Isso é uma mudança de perfil de comunicação, que passa pelos valores da polícia, de eficiência ética, integridade, inovação e imparcialidade. Esses são os nossos valores que pautam nossas investigações”, disse ele.

No entanto, quatro acusados foram fotografados pela imprensa algemados ao desembarcarem de aeronaves da Polícia Federal: Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa, acusados de serem os mandantes do crime, e Suel.

A investigação do caso Marielle tem sido alvo de críticas em razão da ausência de corroboração de trechos centrais da delação de Lessa, como os encontros do ex-PM com os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão e ligação deles com o delegado Rivaldo Barbosa.

O STF (Supremo Tribunal Federal) considerou as provas suficientes para aceitar a denúncia contra eles. A ação penal está na fase final de instrução, após a conclusão dos depoimentos de delatores, testemunhas e acusados.

Andrei afirmou no Roda Viva, sem referência direta ao caso Marielle, que a delação premiada é apenas um meio de prova que exige confirmação com evidências independentes. “Não é o sujeito chegar lá, sentar, relatar. Colaborou e a gente relata o inquérito e indicia. Não.”

A elucidação do caso Marielle foi uma bandeira do presidente Lula durante a campanha de 2022, em que enfrentou Bolsonaro. O petista acusava o ex-presidente de dificultar a participação da PF na investigação e a conclusão da apuração.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.