Indústria brasileira cresce o dobro da mundial, mas Trump e juros preocupam

DOUGLAS GAVRAS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O ritmo de avanço da indústria brasileira no terceiro trimestre do ano passado foi duas vezes maior do que o do total mundial, pelo que mostram os dados mais recentes da Unido (Organização das Nações Unidas para o desenvolvimento industrial).

A indústria de transformação no país conseguiu reverter uma queda de -1,0% no terceiro trimestre de 2023 e teve expansão de 4,6% no terceiro trimestre de 2024, quando tomada a comparação interanual, com correção de efeitos sazonais.

Já a produção manufatureira global registrou variação positiva de 0,4% no 3º trimestre, menos da metade do resultado do trimestre imediatamente anterior. Frente ao mesmo período do ano anterior, o crescimento foi de 2,3% no 3º trimestre de 2024.

Os números apontam que houve queda da produção na Europa e na América do Norte, bem como do conjunto de países industrializados de alta renda.

Embora no positivo e acima do total global, a indústria na China também perdeu dinamismo: desacelerou de 1,5% para 1,1% na comparação entre o trimestre imediatamente anterior e se manteve estável na comparação interanual.

Ao compilar os dados da Unido, o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) observa que a produção industrial no Brasil em 2024 foi beneficiada pelo ciclo anterior, de taxas de juros mais baixas e melhores condições de crédito.

Em dezembro, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central decidiu por unanimidade, fazer uma alta de juros mais agressiva e elevou a taxa básica (Selic) em 1 ponto percentual, de 11,25% para 12,25% ao ano.

Para 2025, o colegiado do BC prometeu um choque de juros, prevendo aumentos de mesma intensidade nas duas próximas reuniões, em janeiro (nos dias 28 e 29) e março (18 e 19). Se a indicação for cumprida, a taxa básica vai atingir o patamar de 14,25% ao ano -pico dos juros na crise do governo de Dilma Rousseff (PT), entre 2015 e 2016.

A política monetária do Banco Central, com a indicação de um novo ciclo mais longo que o antecipado anteriormente de alta da Selic, pode atrapalhar a recuperação industrial, de acordo com o Iedi.

“Não acredito que vá reverter, mas com certeza prejudicará. Em 2024, pela primeira vez na última década, a indústria total (transformação mais extrativa) crescerá com certo vigor sem ter se contraído no ano anterior. E será a primeira vez que a indústria de transformação crescerá de modo a compensar toda retração do ano anterior”, diz o economista do Iedi, Rafael Cagnin.

Ele ressalta que o setor ensaia um início de fase de expansão industrial, em muito devido à redução anterior das taxas de juros e ao dinamismo da demanda interna das famílias, com base no aquecimento do mercado de trabalho, desaceleração da inflação e dos programas governamentais de transferência de renda.

O temor é que o diferencial de crescimento da indústria brasileira em relação à mundial possa diminuir por causa da política monetária mais apertada no país e a maior turbulência no exterior.
Fora do Brasil, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem começado seu novo mandata pressionando o Fed (banco central norte-americano) a reduzir juros.

Para Cagnin, o Brasil tende a não ser um alvo prioritário de aumento de tarifas sobre importações, conforme as ameaças de Trump, já que a balança com os EUA é deficitária em seu agregado e pouco mais da metade do que o Brasil exporta para os EUA é de manufaturados.

“Por outro lado, o aumento de alíquotas a produtos chineses tende a levar a mais uma fase de desvio de comércio para outros destinos. Isso significa maior pressão concorrencial de produtos chineses no mercado interno brasileiro, mas também em outros mercados externos importantes para a indústria brasileira.”

Ele acrescenta que há um potencial efeito de longo prazo do governo Trump, que passa pela agenda climática, e que pode reduzir oportunidades para o Brasil.

“É uma consequência que tem sido pouco mencionada. Com a saída dos EUA do Acordo de Paris e demais compromissos internacionais e o possível esvaziamento da COP de Belém, os esforços em direção à transição energética no mundo podem perder a oportunidade.”

O instituto também destaca iniciativas, como a do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que têm incentivado a inovação, digitalização e sustentabilidade, impulsionando a produção de bens de capital e de consumo duráveis.

Para Cagnin, há alguns mitigadores para este começo de ano, sendo o primeiro deles o programa de depreciação superacelerada, que favorece o investimento.

“Há também as emissões de LCD, que tendem a fortalecer o financiamento do BNDES e, consequentemente, suas operações. E há também o fato de o mercado de trabalho demorar um pouco mais para refletir a desaceleração econômica, ajudando a manter a demanda, especialmente para bens semi e não duráveis.”

O setor também reforça que a desvalorização do real em relação ao dólar favorece a produção nacional, apesar da concorrência de importados em alguns setores.

“O problema é que, via de regra, nosso câmbio de desvaloriza em um ambiente de aumento de incertezas e aversões a risco, tal como agora. No mundo produtivo, os efeitos não são imediatos. A mudança de patamar da taxa de câmbio por um período previsível e relativamente longo é o que é importante”, ressalta o economista.

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