O outro lado da proibição dos implantes hormonais: médicos questionam decisão da Anvisa

O novo episódio dos implantes hormonais no Brasil começou em 21 de dezembro de 2023, quando uma carta assinada por diversas sociedades médicas brasileiras, incluindo a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, foi enviada à Anvisa. O pedido pedia providências contra o que chamaram de “uso indiscriminado de implantes hormonais no Brasil”.

O documento foi fundamentado em artigos e publicações científicas, e apresentou apenas reportagens da mídia e postagens em redes sociais como base, deixando de fora evidências científicas rigorosas para comprovar os riscos alegados dos implantes hormonais, com as entidades referindo-se a eles, pejorativamente, como “chips da beleza” – o que, segundo especialistas, distorce o propósito terapêutico desses implantes no tratamento de condições como endometriose, miomatose e sintomas graves da menopausa.

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Anvisa Proíbe Implantes Hormonais no Brasil; Comunidade Médica Reage

Em 18 de outubro de 2024, motivada por estas alegações de uso inadequado e riscos à saúde, a Anvisa proibiu os implantes hormonais no Brasil, através da Resolução nº 3915, a qual decidiu pela suspensão – comercialização, manipulação, propaganda e uso dos implantes hormonais em todo território nacional, o que gerou a reação imediata da comunidade médica que discorda da decisão da agência. Diversos médicos e especialistas contestaram a medida, apontando incoerências na fundamentação apresentada e defendendo a eficácia e segurança dos implantes hormonais para tratamentos ginecológicos e de reposição hormonal, especialmente no caso de pellets manipulados para uso terapêutico.

Médicos que defendem esses tratamentos como alternativas seguras e eficazes para uma variedade de condições de saúde e especialistas, acreditam que a decisão desconsidera o papel dos pellets hormonais no tratamento de doenças como endometriose, miomatose, transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) e sintomas de menopausa e andropausa. Além disso, muitos médicos questionam a fundamentação científica das conclusões feitas na carta enviada à Anvisa por algumas sociedades médicas, incluindo a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.

A decisão, ainda abre um debate sobre o papel da regulamentação, a autonomia médica e o acesso a tratamentos inovadores e personalizados. Os médicos que defendem a terapia com pellets hormonais reiteram que, assim como nos Estados Unidos, o uso seguro desses implantes depende de monitoramento adequado, diretrizes bem estabelecidas e consentimento informado. Ao adotar medidas restritivas, argumentam os especialistas, o Brasil pode estar ignorando os benefícios de um tratamento que, quando administrado corretamente, é capaz de melhorar e transformar a vida de milhares de pessoas.

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Proibição dos chamados “chips da beleza” pela Anvisa gera polêmica; médicos defendem uso terapêutico para condições ginecológicas

O que são os implantes hormonais?

Os implantes hormonais subcutâneos são formas farmacêuticas desenvolvidas há mais de 80 anos para superar desafios de outras vias de administração, oferecendo uma liberação controlada e prolongada dos hormônios. Os estudos pioneiros realizados nos EUA nos anos 1940, com pesquisadores como Dr. Greenblatt e Studd, demonstraram a eficácia dos pellets, que foram popularizados por indústrias farmacêuticas como Bartor, Shering e Organon nos Estados Unidos, e Roussel na Europa, com inclusão nas farmacopeias americana e britânica. Com o passar do tempo, a produção desses implantes foi transferida para farmácias de manipulação, que produzem pellets personalizados de acordo com a prescrição médica.

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Resolução causa reações entre médicos que defendem benefícios dos implantes para tratamentos específicos de saúde

No Brasil, a Anvisa regula a produção de implantes hormonais por meio de farmácias autorizadas, através de autorizações necessárias para funcionamento e manipulação de substâncias controladas. Os laboratórios certificados devem monitorar rigorosamente o peso, teor, dureza, e perfil de dissolução dos implantes para garantir uma liberação controlada da substância ativa, além de esterilidade e ausência de endotoxinas. Os implantes subcutâneos se destacam por imitar a liberação hormonal natural do organismo, evitando as flutuações características de outras formas de reposição hormonal, proporcionando uma alternativa segura e eficaz que já provou ser satisfatória em tratamentos de longo prazo.

Indicações dos implantes hormonais

As indicações para o uso de implantes hormonais subcutâneos variam de acordo com as condições de cada grupo de pacientes. Para mulheres, os implantes de estradiol são indicados para menopausa e condições como hipogonadismo, com doses ajustadas para alívio de sintomas como osteoporose e atrofia vaginal; implantes de testosterona auxiliam no transtorno do desejo sexual hipoativo, enquanto gestrinona e nestorone são usados para endometriose, contracepção e outras condições ginecológicas. Mulheres trans utilizam implantes de estradiol para o desenvolvimento de características femininas, enquanto homens trans recorrem a implantes de testosterona para induzir características masculinas secundárias.

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Anvisa proíbe uso e comercialização; especialistas criticam fundamentação e alertam para impacto na saúde de milhares de pacientes

Para homens, os implantes de testosterona são indicados em casos de hipogonadismo e baixa testosterona, principalmente quando há sintomas clínicos como disfunção sexual e baixa massa óssea, sendo a terapia continuada de acordo com a resposta clínica. O tratamento com implantes hormonais é, de modo geral, recomendado quando as opções injetáveis, orais ou transdérmicas falham, proporcionando uma liberação hormonal prolongada e estável.

Os implantes hormonais nos EUA e Reino Unido

No Reino Unido, os implantes hormonais subcutâneos são amplamente utilizados como parte da terapia de reposição hormonal (HRT), especialmente para mulheres na menopausa. O Parlamento Britânico discutiu a importância de manter esses tratamentos acessíveis, considerando os benefícios dos implantes, que promovem uma liberação contínua e estável de hormônios, aliviando sintomas como ondas de calor e ajudando na prevenção da osteoporose. A British Menopause Society (BMS) e o NHS, Serviço Nacional de Saúde (National Health Service) – similar ao SUS – reforçam que, com acompanhamento médico, os implantes são seguros e eficazes, sendo recomendados para pacientes que precisam de uma administração hormonal duradoura sem flutuações significativas.

Além disso, estudos indicam que os riscos dos implantes são comparáveis aos de outras formas de HRT, com baixa incidência de complicações graves. Instituições do NHS, como o Chelsea and Westminster Hospital, utilizam os implantes para fornecer uma opção de tratamento estável, especialmente para pacientes que preferem reduzir a frequência de intervenções. Com isso, o Reino Unido defende a manutenção desses tratamentos, alinhando o acesso ao acompanhamento clínico, com o objetivo de preservar a qualidade de vida das mulheres que dependem da terapia hormonal.

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Implantes Hormonais Proibidos no Brasil: Decisão da Anvisa Divide Especialistas

Além disso, destaca-se que os pellets hormonais são amplamente utilizados e regulamentados em outros países, como os Estados Unidos, onde o FDA permite a manipulação sob prescrição médica e em conformidade com as normas de segurança. Na prática, os implantes são ajustados às necessidades dos pacientes, proporcionando uma liberação contínua e controlada de hormônios, o que evita picos e flutuações hormonais comuns em outras terapias.

O uso dos pellets hormonais para reposição hormonal ganhou força nos EUA desde os anos 1990, quando surgiram evidências de que a liberação controlada dos hormônios era eficaz para mulheres na menopausa. Nos anos 2000, a prática se expandiu significativamente, com o aumento da demanda e aceitação dos pellets hormonais para uma série de tratamentos. Nos anos 2010, diretrizes mais específicas começaram a ser emitidas por sociedades médicas, promovendo o monitoramento e a segurança da prescrição de pellets para evitar riscos de dosagem inadequada. Atualmente, os pellets hormonais continuam sendo uma opção de tratamento com respaldo em diretrizes de várias associações médicas americanas.

A plataforma de coleta de dados

No Brasil, a decisão da Anvisa de proibir a manipulação e uso dos pellets hormonais baseou-se em dados coletados pelo site VIGICOM-HORMÔNIOS, um sistema de registros que permite que médicos relatem efeitos adversos, sem exigência de verificação da identificação, o que gera incertezas sobre a integridade dos dados coletados. A fragilidade da plataforma foi mais um motivo para que os médicos que defendem o uso clínico dos implantes, questionem que decisões regulatórias que impactam a saúde pública devem ser sustentadas por evidências clínicas sólidas e baseadas na realidade da prática médica.

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Anvisa Suspende Implantes Hormonais: Eficácia e Segurança São Questionadas

Para muitos especialistas, o cerne da questão é garantir que os tratamentos sejam realizados com responsabilidade e sob monitoramento médico. Nos EUA, a prática de prescrição de pellets hormonais exige supervisão e consentimento informado, e a responsabilidade pelo tratamento recai sobre o médico. Essa supervisão protege o paciente e permite ajustes conforme as necessidades de cada caso.

Médicos defensores do uso dos pellets no Brasil enfatizam a necessidade de uma regulamentação que contemple a supervisão rigorosa e a capacitação dos profissionais, em vez de uma proibição que limita a autonomia médica e impede que pacientes tenham acesso a opções de tratamento comprovadamente eficazes, já que os pellets hormonais representam uma alternativa personalizada e eficaz para pacientes que não respondem bem a outras formas de terapia hormonal, especialmente na menopausa e em condições de alterar a programação hormonal específica. “É um erro reduzir o debate ao ‘chip da beleza’ e ignorar os milhares de pacientes que dependem desses tratamentos para uma qualidade de vida melhor”, afirma o médico Diogo Pinto da Costa Viana, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia do Exercício e do Esporte, que utiliza os implantes no tratamento de seus pacientes.

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Dr. Diogo Viana, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia do Exercício e do Esporte

Para Dr. Diogo, uma regra deveria diferenciar os usos estéticos e terapêuticos, mantendo o acesso aos tratamentos médicos baseados em necessidades clínicas. “A ação indiscriminada ocorreu com tantos pacientes que foram designados para tratamento para condições médicas comprovadas quanto ao trabalho de profissionais que fazem uso ético e fundamentado da técnica, comprometendo o futuro dos implantes hormonais no Brasil e a qualidade de vida dos pacientes”, afirma.

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Médicos apontam inconsistências na decisão e destacam os benefícios de tratamentos personalizados com implantes hormonais

“Nós estivemos em Brasília e conseguimos dialogar com a Anvisa, que nos pediu um prazo para analisar os documentos que apresentamos. Esperamos que a Agência reconsidere sua posição e adote uma abordagem mais detalhada e científica, com regulamentações que preservem a autonomia médica e o acesso a tratamentos seguros e necessários para pacientes que dependem dessa forma de terapia hormonal”, explica o médico.

Contradições

Dr. Lúcio Monte Alto, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade (SBEMO) e diretor da Sociedade Brasileira de Andropausa e Menopausa (SBAM), expressou uma posição contrária à medida cautelar da Anvisa que proibiu o uso de implantes hormonais no Brasil. Ele defende que a decisão da agência foi baseada em informações enganosas e destaca que a medida não possui embasamento científico, prejudica a saúde de pacientes em tratamento e ignora o crescente valor da reposição hormonal no aumento da qualidade de vida e envelhecimento saudável. Segundo ele, a SBEMO e a SBAM consideram que a medida fere a autonomia dos médicos e os direitos dos pacientes, e se comprometem a fornecer informações à Anvisa para auxiliar na reversão da proibição.

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Dr. Lúcio Monte Alto, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina da Obesidade (SBEMO) e diretor da Sociedade Brasileira de Andropausa e Menopausa (SBAM)

Monte Alto também menciona que a Anvisa foi “induzida em erro” em situações anteriores por médicos que lideraram o pedido atual de proibição, destacando inconsistências na aprovação de medicamentos para obesidade no país, como Ozempic e Saxenda, cuja aprovação ele questiona em termos de segurança. O médico critica duramente o grupo que solicitou a medida cautelar, citando uma intenção oculta de dificultar o uso de terapias hormonais para além dos objetivos de saúde.

Segundo revelou o médico no vídeo compartilhado pelo Instagram, a Novo Nordisk, fabricante dinamarquesa dos medicamentos citados, é apontada como financiadora de entidades como a SBEM, a ABESO e seus líderes. Em 2017, a empresa foi investigada nos EUA por omitir informações sobre o risco de carcinoma medular de tireoide, um efeito colateral grave dos medicamentos, resultando em uma multa de 58 milhões de dólares e obrigatoriedade de incluir advertências na bula. Ainda de acordo com o médico, a omissão desses riscos no Brasil é um desrespeito à saúde pública brasileira, com a SBEM e a ABESO sendo acusadas de inação diante dos riscos, mesmo afirmando defender a proteção da população em sua carta à Anvisa.

“A crescente automedicação e abuso do Ozempic e seus análogos não motivou SBEM e ABESO a buscarem regulamentação rigorosa nem uma plataforma de registro de efeitos adversos, como feito com os implantes hormonais, devido a conflitos de interesse com a fabricante Novo Nordisk. Essa omissão é considerada criminosa, violando várias esferas legais e éticas, pois essas sociedades médicas não comunicaram à Anvisa as informações críticas de segurança. A Ação Civil Pública da SBEMO contra a Novo Nordisk, SBEM, ABESO e demais financiados reforça a necessidade de transparência e ética, recentemente abordada pela Resolução CFM nº 2386 /2024, que exige que médicos declarem vínculos com a indústria para manter a integridade nas práticas médicas”, afirmou o médico na gravação.

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Regulamentação gera controvérsia; especialistas defendem implantes como alternativas seguras para menopausa e outras condições

“O CFM determinou prazo de 180 dias desde a data da publicação da Resolução para que médicos informem, com precisão e transparência, seus vínculos financeiros com a indústria farmacêutica. A Novo Nordisk tem um histórico problemático, com escândalos nos EUA e no Reino Unido; e agora no Brasil, onde é acusada de priorizar interesses comerciais sobre a segurança pública. O recente pedido de sociedades médicas à Anvisa, supostamente voltado à segurança dos implantes hormonais, foi visto como um mecanismo de reserva de mercado, pois recomenda que pacientes consultem especialistas em endocrinologia, levantando dúvidas sobre a real motivação por trás do pedido”, explica o médico, que ainda citou a confusão entre terapia de reposição hormonal e uso abusivo de anabolizantes, evidenciando que a reposição, quando bem indicada e monitorada, é segura e eficaz, diferindo drasticamente de doses suprafisiológicas usadas em anabolizantes.

Conflito de interesses

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Em uma medida que surpreendeu a comunidade médica e pacientes, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu, em 18 de outubro de 2024, a comercialização, manipulação e uso de implantes hormonais no Brasil

Supostos conflitos de interesse foram apontados em relação à Dra. Maria Celeste Osorio Wender, presidente da Febrasgo, e a um dos médicos signatários da ABESO na denúncia contra os implantes hormonais. O mais recente guideline de menopausa da Febrasgo, assinado por Dra. Maria Celeste, indicaria uma possível influência, já que ela teria recebido financiamento para promover os medicamentos Estetrol, da Mithra, e Relogilix, da Myovant — ambos voltados a tratar condições frequentemente manejadas com implantes hormonais, como menopausa e endometriose.

O médico Bruno Halpern, um dos denunciantes dos implantes hormonais, é membro do Conselho Consultivo e recebeu financiamento para palestras de diversas empresas farmacêuticas, incluindo Novo Nordisk, Merck, Lilly, Astra Zeneca e outras. Esse possível conflito de interesses sugere que os médicos envolvidos na denúncia podem ter vínculos com laboratórios cujos produtos competem com os implantes hormonais e que estão próximos de lançar novas linhas concorrentes, o que poderia estar influenciando a tentativa de limitar o uso dos implantes no mercado.

Ilegalidade

Dr. Paulo Liporaci, em sua análise para o Conjur – mais influente site sobre Justiça e Direito em língua portuguesa -, apresenta uma série de argumentos detalhados sobre a suposta ilegalidade da Resolução nº 3.915/2024 da Anvisa. Ele questiona, primeiramente, a base científica da suspensão, apontando que a decisão foi tomada com base em informações fornecidas pela Febrasgo e outras entidades, que ele considera insuficientes. Segundo ele, a Anvisa adotou um posicionamento que ignora a pluralidade de estudos científicos favoráveis aos implantes hormonais, optando por um enfoque exagerado nos potenciais riscos e tomando como regra exceções pontuais. Para ele, essa visão não só é limitada como prejudica a objetividade científica e o acesso a terapias seguras e benéficas.

Em sua argumentação jurídica, Dr. Paulo aponta que a medida da Anvisa possui falhas nos critérios de finalidade e motivação, tornando-a juridicamente questionável. Ele observa que, para uma resolução administrativa ser válida, ela precisa estar amparada em evidências sólidas e respeitar o princípio de finalidade, ou seja, zelar pelo interesse público. Contudo, destaca que a Anvisa, ao proibir os implantes hormonais, não considerou os ganhos terapêuticos amplamente documentados para pacientes com doenças como endometriose e menopausa. Ele reforça que a terapia com implantes hormonais é apoiada por estudos que demonstram baixa taxa de complicações, invalidando a justificativa da Anvisa de agir em prol da segurança pública.

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Segundo o documento enviado à Anvisa por associações como a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, o uso dos implantes teria se popularizado para fins estéticos, desvirtuando a finalidade médica dos tratamentos hormonais

Além disso, o texto critica a falta de consistência científica nas fontes que embasaram a resolução da Anvisa, enfatizando que a carta da Febrasgo incluiu referências não científicas, como matérias de mídia popular e postagens em redes sociais. Ele argumenta que, para decisões desse porte, é essencial que a fundamentação seja baseada em evidências robustas e revisões sistemáticas, algo que ele considera ausente no caso. Para ele, essa falta de rigor científico no suporte à resolução coloca em dúvida a legalidade e a necessidade da suspensão dos implantes hormonais.

Segundo o especialista, com base nos argumentos apresentados, tanto pacientes quanto profissionais de saúde têm o direito de contestar a resolução judicialmente, buscando preservar o acesso a uma terapia eficaz e estabelecida. Ele aponta que a intervenção da Anvisa, na prática, prejudica um tratamento utilizado há décadas e que tem respaldo científico, caracterizando um possível abuso de poder normativo da agência em detrimento da saúde pública.

O que dizem as entidades

Até o momento, o CFM e a Anvisa não se manifestaram sobre os questionamentos apresentados na reportagem. Veja as notas recebidas, na íntegra:

Nota da Febrasgo – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

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Médicos e pesquisadores apontam falhas na fundamentação científica da carta, que, conforme especialistas, baseou-se principalmente em reportagens da mídia e postagens de redes sociais, sem evidências rigorosas para comprovar os supostos riscos

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) declara que as alegações sobre o suposto conflito de interesse são inverídicas e completamente infundadas, assim como todos os demais argumentos apresentados ao Jornal de Brasília que refutam a decisão da ANVISA sobre a proibição da fabricação, importação, manipulação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda de implantes hormonais manipulados. A FEBRASGO é uma sociedade médica-científica séria que tem o compromisso com a ética e a valorização dos profissionais da ginecologia e obstetrícia. Em caso de imputação de fatos ofensivos à reputação da entidade, a FEBRASGO informa que medidas jurídicas cabíveis serão tomadas aos responsáveis.

Nota Dr. Bruno Halpern presidente da ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica

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Dr. Bruno Halpern presidente da ABESO

“Não existe qualquer problema em relação a conflito de interesse, desde que sejam conhecidos. O que não é correto é ter qualquer conflito de interesse escuso ou escondido. 

Todos os meus conflitos de interesse são sabidos e abertos. As aulas que ministro têm contratos remunerados e transparentes. 

Em relação aos conflitos de interesse mencionados, não há qualquer ligação com os implantes hormonais manipulados, pois estes implantes, defendidos por este grupo de médicos, não têm objetivo de tratamentos em obesidade ou diabetes, que são minhas principais áreas de atuação. 

Então, especificamente sobre os meus conflitos de interesse absolutamente não há qualquer relação com produtos que tenham em sua composição estradiol ou testosterona. 

A Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica), da qual sou presidente, é uma das 34 signatárias do documento enviado à Anvisa. 

Além disso, sou um dos idealizadores do projeto VIGICOM, de farmacovigilância, importante para conhecermos os efeitos colaterais dos produtos, assim como sou a favor da farmacovigilância para remédios que têm bula, e não vejo qualquer problema de buscarmos dados. Tenho orgulho de ter feito parte desse processo que tenta visar a segurança do paciente independente de qual seja o resultado. 

Outro fato importante, que merece ser destacado, é que quem reclama dos conflitos de interesse por conta de aulas ministradas que não têm relação alguma com o assunto da denúncia à Anvisa, é quem tem mais conflitos de interesses, pois são aqueles que a maior parte da renda está baseada em colocar os implantes hormonais. É importante lembrar que os implantes manipulados são produzidos por indústrias farmacêuticas menores, mas que têm lucro expressivo, assim como as farmácias de manipulação que vendem estes produtos e os médicos que colocam. 

O que posso dizer é que a minha fonte de renda é uma minoria vinda da indústria farmacêutica.”

Nota Dr. Paulo Augusto Miranda Presidente da SBEM – Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

Dr. Paulo Augusto Miranda Presidente da SBEM

“O ataque individual aos presidentes das 34 Sociedades Médicas de Especialidades é uma clara tentativa de intimidação. O representante legal dessas associações é o presidente, que representa os associados das instituições, que compartilham da mesma opinião.

Quando se abre uma porta para fazer uma exposição de médicos que trabalham com evidências científicas, preocupados com a saúde da população, eles acabam expostos à opinião pública de uma maneira não zelosa. O Jornalismo tem um papel muito importante de não expor pessoas que estão atuando em favor da saúde pública. 

Os conflitos de interesses de médicos com expertise, capazes de realizar consultoria científica para a indústria farmacêutica, tem regramento rígido, e é declarado no início de todas as aulas. Além disso, está aberto para consultas de qualquer pessoa. 

Isso já não acontece da mesma maneira com quem agora se coloca contra a decisão da Anvisa, pois estes não declaram seus conflitos de interesses como ganho direto na venda dos implantes nos consultórios, além dos comissionamentos na prescrição nas farmácias magistrais, promoção de cursos de técnicas e procedimentos proibidos pelo Conselho Federal de Medicina, divulgação de pseudo-especialidades não reconhecidas pelos órgãos reguladores oficiais como a AMB.”

Nota do CFM divulgada em seu site:

“CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

Diante da decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir de comercialização e uso de implantes de terapia hormonal manipulados em Farmácias magistrais, conhecidos como “chip da beleza”, o Conselho Federal de Medicina (CFM) esclarece que:

  1. Essa decisão corrobora o que já havia sido estabelecido pelo próprio CFM em sua Resolução nº 2.333/23, aprovada para proteger a saúde da população.
  2. A Resolução CFM nº2.333/23, em vigor desde abril de 2023, veda a prescrição médica de esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) para fins estéticos e de ganho de massa muscular e/ou melhora de desempenho esportivo, para atletas amadores ou profissionais, por inexistência de comprovação científica suficiente sobre seu benefício e segurança do paciente nessas situações.
  3. A regra permite a prescrição de EAA, com justificativa para tratamento de doenças, como hipogonadismo, puberdade tardia, micropênis neonatal e caquexia, e na terapia hormonal cruzada em transgêneros, além de, a curto prazo, em mulheres com diagnóstico de Desejo Sexual Hipoativo, cujos tratamentos contam com evidências científicas de segurança e eficácia, bem como com alternativas disponíveis para compra no mercado brasileiro, sem necessidade de sua manipulação.
  4. Ainda que com o uso de doses terapêuticas, o uso de terapias hormonais pode causar efeitos colaterais danosos, especialmente em casos de deficiência hormonal não diagnosticada apropriadamente, seguindo diretrizes e recomendações em vigor.
  5. Dentre os efeitos adversos possíveis, estão os cardiovasculares, incluindo hipertrofia  cardíaca, hipertensão arterial sistêmica e infarto agudo do miocárdio, aterosclerose, estado de hipercoagulabilidade, aumento da trombogênese e vaso espasmo, doenças hepáticas como hepatite medicamentosa, insuficiência hepática aguda e carcinoma hepatocelular, transtornos mentais e de comportamento, incluindo depressão e dependência, além de distúrbios endócrinos como infertilidade, disfunção erétil e diminuição da libido.

O CFM aguarda maiores esclarecimentos da Anvisa sobre os motivos que a levaram à sua decisão, mantendo-se atento aos desdobramentos. Da mesma forma, se coloca à disposição das autoridades sanitárias, para contribuir com ações e medidas que tragam maior eficácia aos tratamentos e segurança à população.”

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