Morre Léo Batista, 92, símbolo do esporte na TV brasileira

MÁRVIO DOS ANJOS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Léo Batista um dia se chamou João Baptista Bellinaso Neto. Filho do casal de imigrantes italianos formado pelo pedreiro Antonio e pela dona de casa Maria, ele entendeu desde cedo que era preciso trabalhar para ajudar um lar sem qualquer luxo em Cordeirópolis, perto de Limeira, no interior de São Paulo. Quando dona Maria ganhou do marido um barzinho para completar a renda da família, coube a ele e à irmã Leonilda entregar, de casa em casa, o pão que vinha de trem nas frias madrugadas, antes da escola.

“Certa vez eu perguntei à minha irmã pouco antes de ela morrer: ‘Nilda, naquelas manhãs frias de quatro graus, que a gente atravessava descalços, você com cinco anos, eu com sete, levando pão para as pessoas, você se lembra de alguém ter oferecido um café quente para nós?’ Nunca” – contava Léo, guardando um rancor que, aos 92 anos, ainda soava fresco. “Não tive infância. Não sei o que é brincar.”

Enquanto os meninos da rua jogavam bola, João Baptista, dos 11 aos 13 anos, ajudava o pai como servente de pedreiro. A adolescência se revelaria muito mais auspiciosa, mesmo depois de o jovem ter abandonado o seminário em Campinas para ajudar a pensão da família, aos 15 anos, como garçom. Com essa idade, ele também começaria uma das carreiras mais longevas do jornalismo esportivo brasileiro, que durou 76 anos, dividindo-se entre o rádio e a TV, onde sua “voz marcante” -epíteto dado pelo colega e narrador Luís Roberto de Múcio- viria a se tornar íntima de gerações e gerações de torcedores e espectadores.

Tudo começou em 1947, quando, por indicação de um primo, o jovem de queixo pontudo tentou a sorte no concurso de locutor para uma rádio que se espalhava por 12 alto-falantes de Cordeirópolis. Aprovado, apresentou-se como Bellinaso Neto, nome com que foi contratado seis meses depois pela Rádio Birigui, já com o sonho de um dia narrar um jogo de futebol. Em 1950, esteve diante de uma final da Copa do

Mundo, no Maracanã, representando a Rádio Difusora de Piracicaba, mas não conseguiu narrar o gol de Ghiggia, que sepultou o sonho do primeiro título brasileiro.

“Enrolaram na hora de distribuir os fios telefônicos de transmissão, e eu não consegui narrar o jogo porque não achava minha linha”, contou, em 2019. “Aí, terminou o jogo, e eu chorei.”

Dois anos depois, Bellinaso Neto se viu um dia criticado pelos jogadores do XV de Piracicaba, seu time do coração, após um jogo em que o time, em suas palavras, “venceu, mas não convenceu”. Para sua surpresa, o dono da rádio se aproximou e deu razão aos jogadores. O amparo veio do veterano atacante carioca Santo Cristo, que o convidou para ir ao Rio e tentar a carreira na cidade.

Bateu às portas da Rádio Mayrink Veiga e da Rádio Clube do Brasil e terminou contratado na Rádio Globo, que contava com Luiz Mendes, os irmãos Wolner Doalcei Camargo e o paulista Raul Brunini, que já tinha ouvido um jogo narrado pelo rapaz de Cordeirópolis. Era a época do Café Nice na avenida Rio Branco, que frequentava entre nomes como Noel Rosa, Lamartine Babo e Ataulfo Alves.

Só que Mendes se enrolou ao tentar pronunciar “Bellinaso” e, por isso, mandou o jovem trocar de nome urgentemente. Ele pensou rápido: pegou “Léo” emprestado de Leonilda -que detestava esse nome- e simplificou o Baptista que já carregava.

“O engraçado é que, lá em casa, eu também virei Léo. Nunca mais me chamaram de João.”

Foi com o nome de Léo Batista que o locutor virou uma marca do jornalismo esportivo e ainda protagonizou momentos importantes: foi o primeiro jornalista a anunciar o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954. No ano seguinte, teve sua primeira experiência na televisão, apresentando o jornal Pirelli diariamente e narrando futebol na TV Rio, onde permaneceu até 1968, quando foi sucedido por Cid Moreira. No meio do caminho, adotou o Botafogo como seu time do peito.

Seus primeiros passos na TV Globo foram dados em 1970, como narrador substituto na Copa do México.

Num dia em que Cid Moreira pediu dispensa da edição do Jornal Nacional, Léo agradou e terminou contratado. Depois, participou da estreia do Jornal Hoje, em 1971, e do primeiro programa esportivo diário da Globo, o Copa Brasil. Em agosto de 1978, assumiu a apresentação do Globo Esporte, do qual se tornou praticamente um sinônimo, integrando os quadros até 2014. Aos domingos, foi a voz dos Gols do Fantástico até 2007, quando deu a vaga a Tadeu Schmidt.

“Doutor Roberto Marinho foi um ótimo patrão, um grande patrão. É uma vergonha, porque eu já devia ter mandado rezar uma missa por ele”, contou à reportagem, angustiado, esse católico fervoroso, em novembro passado.

O locutor sofreu duros baques nos últimos três anos. Em janeiro de 2022, o apresentador estava em casa, no bairro de Jacarepaguá (zona oeste do Rio) quando sentiu falta de sua mulher, Leyla. Encontrou-a boiando na piscina, depois de um infarto aos 84 anos. Foi o trágico fim de um casamento iniciado de maneira cômica: os noivos tiveram que esperar a chegada esbaforida de dom Helder Câmara, que se atrasou consideravelmente para a cerimônia na igreja de Santa Margarida Maria, na Lagoa.

No ano passado, Léo também perdeu o amigo Cid Moreira, com quem se cruzava profissionalmente desde 1968, e sua perplexidade no velório gerou uma das imagens mais agridoces de 2024. Léo ainda frequentava de forma esparsa a redação do esporte da Globo até o ano passado, sem jamais se considerar um aposentado. Tinha certo temor de perder o emprego, como se ignorasse o símbolo que era para a emissora -em 2024, foi tema de uma série em quatro episódios no Globoplay, dirigida por Kizzy Magalhães.

Léo Batista morreu aos 92 anos, depois de ter sido internado no hospital Rios d’Or, na Freguesia, zona oeste do Rio de Janeiro, com complicações causadas por um tumor no pâncreas. Ele deixa uma filha.

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