Vaticano News aposta na tradição e nas novas formas de comunicação

(Foto: Volker Glätsch/Pixabay)

O Vaticano tem estrutura e estratégica de comunicação que puderam ser vistas na cobertura da eleição do novo Papa. E ela é multimídia, poliglota e joga um pouco na tradição e um pouco nas novas formas de comunicação, um pouco na instituição e um pouco na imagem individual do Papa.

A cobertura da eleição do Papa Leão XIV rendeu horas de transmissões ao vivo, boletins, reportagens, informações de cálculos e tentativas de previsão do vencedor nas eleições. Além de muitos jornalistas reportando direto da Praça de São Pedro, em Roma.

Mas o que destaco neste texto é a cobertura e a transmissão de imagens dos próprios canais do Vaticano, acessados pelas redes sociais como Instagram e X. E em outras plataformas como Youtube. Além de fornecer com exclusividade as imagens que eram produzidas dentro dos espaços fechados da Santa Sé, como a Capela Sistina, a sala que dá para o balcão onde é realizado a primeira aparição do novo Papa e vários outros cômodos onde aconteciam rituais e etapas da eleição.

Primeiro é interessante observar essa organização e a presença consciente na produção e propagação de imagens produzidas pelo Vaticano. E como essas escolhas e estratégias eram conduzidas um tanto acompanhando a tradição, que também seguia a estética das imagens, mostrando os salões, o tempo dos deslocamentos, os detalhes e a grandiosidade dos locais. E por outro lado, se atualizava na linguagem das redes, especialmente considerando perguntas e desejos da audiência. Claro que o televisionamento de cerimônias com a presença do Papa e no Vaticano não são uma novidade. Recentemente as redes lembraram da imagem icônica do Papa Francisco rezando sozinho na Praça de São Pedro numa noite durante a pandemia. Ainda assim é interessante de ver a existência dessa estrutura e da estratégia de produção e propagação de imagens e informações pelo próprio Vaticano, como uma etapa também de reforço da sua imagem, acesso aos fiéis e a audiências pelo mundo. E prevendo todas as etapas do que aconteceria. Como a eleição do Papa é parte de um ritual absolutamente previsível e organizado, há como escolher, decidir, posicionar e proporcionar as imagens que fazem sentido para o plano de comunicação da instituição, que também respondem ao que ela quer a respeito da própria imagem no mundo.

 

Olhando para as escolhas dessa cobertura, também é interessante observar que, apesar da sobriedade esperada de uma emissora e produtora de conteúdo digital da Santa Sé, ela faz escolhas que estão conectadas com a comunicação contemporânea. Ela tanto faz o papel de uma emissão de televisão, com apresentadores que entrevistam e comentam informações, produzem imagens mostrando a grandiosidade dos espaços do vaticano, acompanhando integralmente rituais públicos e transmitindo as falas do Papa. Quanto faz produções que respondem ao público nas suas questões, se aproximando de alguma informalidade das redes e da participação do público.

As redes do Vaticano liberaram cenas dos bastidores do Conclave, por exemplo, em momentos em que o cardeal Robert Prevost era cumprimentado por outros cardeais depois da eleição e ainda antes de se apresentar como Papa Leão XIV ao público. Em uma das cenas um dos cardeais beija a mão de Prevost. Então eles gravaram, mantiveram o sigilo, segurando a publicação e a distribuição das imagens, mas entregaram depois parte do que seria o bastidor da eleição. Das mesmas imagens saiu a cena em que ele aparece rezando na Capela Paulina, um espaço onde o Papa eleito faz orações sozinho e já com as vestes papais antes de seguir para a primeira aparição pública.

Na cena o Papa aparece sozinho, mas o mundo todo pode acompanhar o registro dos momentos de prece. E ainda é a primeira imagem em que se confere a escolha dos sapatos, que já têm sido tema de debates e de posicionamento nos primeiros momentos dos papas eleitos. Leão XIV escolhe, e aparece nas imagens, ajoelhado e com sapatos pretos habituais e não com os sapatos vermelhos previstos para o novo Papa usar na primeira aparição. Os sapatos vermelhos foram usados por Bento XVI e recusados por Francisco na sua posse. Só essa imagem já movimentou as redes sociais nas horas e dias seguintes, em contas individuais e também na conta oficial do Vaticano. Do Brasil, o Padre Júlio Lancelotti postou essa foto no Treads com a legenda: “percebo o detalhe do sapato”.

Nas contas do Vaticano no Instagram também foram produzidos conteúdos didáticos com questões que as pessoas querem saber a respeito do eleito e do processo de escolha do Papa. Há postagens em carrossel com o título “Conheça Papa Leão XIV”, com informações sobre a origem, o nascimento nos Estados Unidos, a carreira como sacerdote e as nomeações que teve, inclusive por intermédio do Papa Francisco, acrescidas de trechos de falas dele e um chamado a apoia-lo com orações. Neste espaço, a produção sabe que informa e conversa com os seguidores ou interessados em se aproximar do assunto, da igreja e do Papa.

Outro exemplo em que a estratégia de comunicação reúne a tradição da cobertura e da instituição com o diálogo com o público através das produções foram as imagens produzidas do momento em que o conclave passa a ser secreto. No Instagram, o Vaticano posta um vídeo do fechamento de uma porta do salão da capela pelo cardeal responsável pelo isolamento do grupo que se reuniria para escolher o Papa. No vídeo, o cardeal responsável pela cerimônia anuncia a saída daqueles que não participarão da eleição, falando em voz alta a expressão em latim “extra omnes”, que foi traduzida para o português como “todos para fora”. Na sequência ele caminha do altar até uma enorme porta que fica na entrada do salão e a fecha. A câmera acompanha todo o movimento de dentro do salão até a saída e fica, como todos nós, do lado de fora depois que a porta fecha com grande barulho. Nessa decisão de registro e compartilhamento, a instituição dá demonstração da garantia do sigilo, da manutenção da tradição e, ao mesmo tempo, de que o público acompanhava o processo, que se tornaria secreto a partir dali. A imagem e a postagem ao mesmo tempo aproximam o público e oferecem garantias de que o processo será cumprido e tradição garantida. E cria expectativa da continuidade da história.

Na versão em português do Instagram do Vaticano, houve a postagem do mesmo vídeo e o acréscimo de um carrossel com fotos, iniciando com a imagem estática do cardeal fechando a porta do salão do conclave e ainda imagens que registram a presença de cardeais brasileiros. A primeira imagem do carrossel é a foto da porta sendo fechada e a legenda reforça que as imagens dos cardeais foram feitas momentos antes do “todos pra fora”, que marca o início da eleição. E a legenda encerra reforçando que o conclave é um tema mundial: “… um evento de rara beleza que está concentrando no Vaticano a atenção mundial”.

E nessa articulação entre a tradição e o contemporâneo, as produções realizadas e propagadas pela comunicação do Vaticano reúnem elementos da construção clássica de imagens que engrandecem os eventos da igreja como o conclave e todos os ritos que precedem e sucedem a eleição, ao mesmo tempo que produz conteúdos e estratégias totalmente conectadas com a velocidade e a linguagem das redes sociais e que as pessoas, em diferentes países, estão acostumadas a ver, interagir, buscar e propagar. Porque a cobertura da eleição pelas redes e outros veículos do Vaticano foram produzidas ao vivo, em canais como Youtube, ou postadas nos momentos seguintes aos eventos, como foi o caso da aparição da fumaça branca e a presença do novo Papa na sacada da Praça de São Pedro.

O Vatican News é a marca atual que reúne a produção da Santa Sé. É ao mesmo tempo unificada para concentrar numa mesma identidade a produção audiovisual e sonora, transmissões, produções em plataformas, nas redes e a assessoria de imprensa. E também para não pulverizar a imagem. O “quem somos” do portal Vatican News, que tem versões em vários idiomas, incluindo o português, deixa clara a compreensão contemporânea de falar com muitos públicos em muitos formatos e linguagens. “Expressa-se e interage através do áudio, vídeo, texto, imagens, em nível multilíngue, multicultural, multicanal, multimídia e multidevice”. A marca reúne diversas áreas de comunicação do vaticano que tinham outros nomes e produções específicas.  A Vatican Media é a versão mais atual do Centro Televisivo Vaticano, criado em 1983 por João Paulo II. É a parte responsável pelas produções audiovisuais, gravações dos eventos da Santa Sé e as falas do Papa, assim como a distribuição dessas produções para jornalistas e também a relação com as produções das igrejas pelo mundo. São parte da estrutura de comunicação ainda a Rádio do Vaticano, o jornal Observatório Romano e a Sala de Imprensa da Santa Sé, que funciona como uma assessoria de comunicação . O Vaticano então produz de forma multiplataforma, estrutura e cria estratégia para a propagação do que produz, se relacionada com a mídia profissional e é atuante nas redes sociais. E ágil, atual, entendeu a multimodalidade e em vários aspectos, adaptado aos seus interesses e objetivos, a importância do diálogo com o público. Quanto consegue agendar outros temas da sua agenda, vale uma análise mais demorada. A agenda do Papa continua rendendo muitas produções e imagens. E na cobertura do conclave já teve um bocado a ensinar a muitas estruturas de comunicação pública, inclusive.

Publicado originalmente em objETHOS.

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