Os perfis falsos, os roubos de contas nas redes sociais e as muitas camadas da desinformação

(Foto: Solen Feyissa/ Pixabay)

Tive a minha conta do Instagram hackeada há uns dias. É um acontecimento pessoal, mas capaz de exemplificar o universo perverso da tecnocracia das big techs. Não há possibilidade de diálogo para resolução de problema e nem retorno para as reclamações: as inúmeras denúncias minhas e de amigos de que minha conta estava sendo manipulada por terceiros ecoaram no silêncio, postura que, no mínimo, acoberta a criminalidade.

Mesmo plataformas dedicadas às relações comerciais, como Reclame aqui revelam sua impotência diante de empresas que não costumam dar atenção às queixas, como é o caso da Meta, dona do Instagram e Facebook. Só consegui resolver o problema via judicial e reaver a conta depois de 20 dias.

Recorro a esse problema pessoal por vislumbrar nele algo além da superfície, uma dimensão talvez pouco discutida sobre os efeitos e perigos da desinformação em nosso tempo, ainda mais no contexto da inteligência artificial generativa. Olga Tocarczuk, premiada escritora polonesa, em seu livro, Escrever é muito perigoso, diz que a difusão das redes criou uma outra instância psicológica, o narrador de si mesmo. A minha conta está longe de ser relevante do ponto de vista quantitativo (pouco mais de 1.000 pessoas), uma comunidade formada por ex-colegas das redações por onde passei, os conterrâneos das Minas e Gerais, alunos e professores, parceiros musicais, família. Os posts pessoais estão presentes, mas creio não serem predominantes. Usava a plataforma, principalmente, para divulgar informações profissionais, como divulgação de textos e eventos acadêmicos.

O invasor se deparou com esse universo e se apegou à dimensão profissional para difundir sua desinformação. Uma foto minha com a apresentadora Maria Cândida foi usada algumas vezes para propor vantagens financeiras, circulando na forma de stories ou mensagens às pessoas de minha restrita comunidade. A escolha do papel social a ser ocupado pelo criminoso recai sobre o jornalista, talvez em busca de algum signo de credibilidade profissional que o autorize a aplicar os golpes financeiros.

Foram os amigos que me avisaram, numa segunda-feira de manhã, de que algo estava estranho. Desconfiaram das expressões usadas, do conteúdo, da sintaxe. Mas é evidente que nessa comunidade de mil pessoas, nem todos poderiam ter essa consciência. Não tenho, felizmente, notícia de alguém que caiu no golpe, mas o fato é que até agora não consegui recuperar a minha conta, depois de insistentes batidas na porta das plataformas.

Alguns desses amigos deram corda ao invasor em trocas de mensagens privadas. O hacker apresenta a proposta de um investimento instantâneo, oferecendo um pix, com retorno em cinco minutos e uma tabela de valores investidos: R$ 300 reais garantem um retorno de R$ 1mil. Em algum momento, o meu amigo questiona o invasor, pede que ele confirme o seu nome e diga de onde o conheceu. Diante da negativa, meu amigo diz: “Vou falar com o Pedro de verdade. O invasor se irrita: “Sou professor e jornalista, não tenho porque ficar de gracinha”. 

Vejo tutoriais no YouTube sobre recuperação de contas, falo com os amigos mais jovens e descubro que tenho de agir rápido, o que significa adiar as demandas do trabalho. Consigo recuperar e postar uma foto com as imagens falsas, denunciando o golpe. Fiquei aliviado, mas enquanto tomava o café da manhã, o meu post desapareceu e não consegui mais entrar na conta. Perdi algumas boas horas nos dias seguintes: reconhecimento facial, envio de mensagens para a plataforma, envio de mensagens em rede para os meus contatos do WhatsApp avisando-os do hackeamento. Alguém me diz que é preciso ter, no mínimo, 300 denúncias, o que me leva a reforçar o pedido aos familiares e amigos mais próximos.

Como nada disso funcionou, busquei os meios judiciais para ter meus direitos preservados e a resposta foi relativamente rápida, em menos de uma semana a Justiça determinou que o Instagram me enviasse um e-mail para recuperação da conta. No dia em que escrevo esse texto, recebi a mensagem na minha caixa postal e consegui, finalmente, reaver a conta.

Entre as manifestações dos amigos, recebo a coluna de Drauzio Varella na Folha, Quadrilhas da internet, com o relato dos perfis falsos em seu nome, cujos efeitos têm, evidentemente, uma dimensão muito maior, tanto pela popularidade do escritor e médico, quanto por tratarem de saúde. Drauzio revela as infrutíferas tentativas de sua equipe em reclamar na Meta: “Concluímos que a empresa não tinha nenhum interesse em dar fim a esse crime contra a saúde pública. Muito pelo contrário, não apenas mantinha os vídeos no ar como acobertava a identidade desses golpistas”, escreve.

Drauzio observa que hoje, com a inteligência artificial, as manipulações dos perfis falsos em seu nome se tornam cada vez mais convincentes, com o recurso que simula a voz e a imagem da pessoa. “O que me dói é ser parado na rua por pessoas simples que me perguntam por que não melhoram com o remédio que eu teria recomendado. Ou que pagaram sem nunca receber a encomenda”, conclui.

 A argumentação de Dráuzio toca em um ponto central, a necessidade de regulamentação das redes. Os multimilionários donos dessa plataforma invocam o argumento da liberdade de expressão para se oporem à regulamentação e são seguidos pela legião de extrema direita no Congresso, nas ruas, nas redes. “Como assim? Associar-se a meliantes que praticam crimes contra a saúde pública tem alguma coisa a ver com princípios democráticos?”, escreve o médico.

No mesmo dia, circula pelos contatos de WhatsApp um manifesto pela regulação das redes, proposto por personalidades e ex-ministros: “Se é crime no mundo físico, também deve ser crime no mundo virtual! Internet sem regulamentação MATA”. O texto faz referência ao caso de uma menina de oito anos do Distrito Federal que morreu após inalar desodorante em um desafio visto na internet.

Há uma guerra transacional de poder em jogo, que envolve os dispositivos jurídicos, informacionais, o campo político, mas também dimensões éticas, educativas e, principalmente, a força do capital. O meu pequeno problema pessoal é atravessado por esses jogos. Se não há espaço para uma relação comercial minimamente ética quando alguém se faz passar por você, o que fazer, a quem recorrer? Nesses labirintos tecnocráticos, recebo ajuda real da comunidade, mas daqueles que deveriam ter o mínimo de responsabilidade, só o silêncio, que não diz, mas significa. É preciso resistir.

***

Pedro Varoni é jornalista e professor do Departamento de Letras e do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos.

O post Os perfis falsos, os roubos de contas nas redes sociais e as muitas camadas da desinformação apareceu primeiro em Observatório da Imprensa.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.