A estética do grotesco como estratégia de comunicação da extrema direita

(Foto: Andrys Stienstra/Pixabay)

A publicação da foto dos intestinos de Jair Bolsonaro mostrou que entramos de vez na era do grotesco em matéria de manipulação de informações com fins político-eleitorais. O site Poder 360 chegou a desfocar a crueza da foto e acrescentar um rótulo “Imagens Fortes”, mas os três maiores jornais impressos do país preferiram evitar chocar seus leitores.

A fotografia a cores foi tirada, obviamente, com o consentimento do ex-presidente, depois da intervenção cirúrgica a que ele foi submetido no dia 13 de abril para corrigir uma obstrução intestinal. O procedimento gerou uma enorme polêmica porque envolveu situações controvertidas desde a espetacularização da transferência para o hospital e a escolha do médico, até condutas heterodoxas de auxiliares e parentes na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Isto sem falar na intimação judicial assinada por Bolsonaro em aparente violação dos procedimentos de desinfecção hospitalar.

O episódio da foto dos intestinos aconteceu quase ao mesmo tempo em que o site da Casa Branca, na plataforma X, divulgou uma bizarra ilustração do presidente Donald Trump vestido de papa, num momento em que a opinião pública mundial ainda estava sob o impacto da morte de Francisco. Foi quase unânime a interpretação de que a montagem fotográfica foi autorizada por Trump para reduzir o impacto da cobertura mundial da eleição de um novo papa, este sim autêntico.

Para a maioria dos católicos foi uma brincadeira grotesca. Mas Trump viu o episódio de outra forma: “Alguém fez isso por diversão. Está tudo bem. Temos de nos divertir um pouco, não acha?”, disse. “Minha esposa achou fofo. Ela disse: não é legal? Na verdade, eu não poderia me casar. Até onde é do meu conhecimento, papas não podem se casar”, afirmou o presidente norte-americano na plataforma Truth, que ele controla.

(Imagem Gerada por IA)

O grotesco como estratégia de comunicação pública visa desqualificar e desmoralizar a cultura política vigente na maioria dos países ocidentais e que se inspira na estética puritana e conservadora. O filósofo e historiador social francês Michel Foucault foi um dos poucos intelectuais a estudar o fenômeno que ele chamou de ‘soberania do grotesco’ (1), e definiu como um processo de “maximização dos efeitos do poder a partir da desqualificação de quem os produz”, ou seja, do poder dos seus opositores.

O papel da imprensa

Quando Bolsonaro escandaliza até os seus seguidores na extrema direita ao exibir seus intestinos no abdômen aberto na sala de cirurgia, ele procura desqualificar a cultura política vigente no país e tenta criar a imagem de um homem capaz de superar qualquer problema físico. O político que já se autodefiniu como “imbrochável”, usa agora a estética do grotesco para se mostrar “imbatível”. O presidente argentino Javier Milei é outro adepto do grotesco ao empunhar sua ridícula motosserra como símbolo de força política.

A estética do grotesco na comunicação é o recurso usada com frequência crescente por políticos de extrema direita para obter visibilidade, ao chocar a opinião pública com atos e declarações que contrariam frontalmente os comportamentos e valores de seus adversários ou desafetos no campo liberal democrático. O objetivo não é mudar estes valores e sim colocar-se em evidência pelo maior tempo possível nas mídias. Os especialistas em comunicação sabem que quanto mais tempo uma personalidade ficar nas manchetes maior a chance de conquistar as simpatias do público.

Por esta razão, a imprensa desempenha um papel-chave no êxito ou fracasso da aplicação da estratégia do grotesco na comunicação política. A visibilidade pública depende basicamente da imprensa e, agora, também dos algoritmos das plataformas digitais. Em ambos os casos o objetivo é captar a atenção das pessoas para criar audiências que por sua vez geram receitas publicitárias. A necessidade de cativar audiências para sobreviver economicamente é a grande responsável pela frequência com que ocorrem desvios na orientação editorial da imprensa.

Como os jornais afirmam que sua missão é fornecer informações para as pessoas tomarem decisões e se tornarem bons cidadãos, a grande pergunta é: Como a estética do grotesco contribui para este objetivo? A resposta é: Nada, fora o estímulo ao voyeurismo e a morbidez. A única justificativa plausível seria atrair publicidade paga usando indivíduos curiosos ou doentios. Se a imprensa e as plataformas publicam fotos como as do intestino de Bolsonaro ou as palhaçadas de Donald Trump, ambas acabam colaborando, consciente ou inconscientemente, com quem prega o negacionismo dos valores liberal-democráticos.

(1) Mais detalhes nos artigos Grotesque Sovereignty and the Specter of Donald Trump , Imager le pouvoir, e Le esthético politique -ridicule politique – Analyse d’une mutation.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.

 

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