Que Igreja e que Papa?

(Foto: Michele Dinicastro/Pixabay)

Houve muita nuvem negra nos últimos anos na vida do Vaticano, de onde provêm as diretrizes para o cristianismo católico para quase um bilhão e meio de fiéis? Sem dúvida! A última fumaça branca, assinalando, há 12 anos, a escolha do arcebispo argentino Bergoglio, transformado no Papa Francisco, corrigiu um desvio ocorrido em 1978, com a eleição do polonês conservador Karol Wojtyla, conhecido como Papa João Paulo II, cujo pontificado de 27 anos foi dos mais longos.

Embora tenha sido sagrado “santo”, sua devoção causou numerosas decepções na América Latina, por não ter levado a Igreja a condenar as ditaduras implantadas no continente e por ter recebido os ditadores Galtieri e Pinochet. Talvez por ter vivido na Polônia durante o regime comunista, nutria uma oposição profunda aos movimentos antiditatoriais da época na América Latina por ele considerados comunizantes e, por isso, condenou o movimento social católico da época de oposição aos ditadores, conhecido como Teologia da Libertação.

Essa ausência da Igreja nas lutas sociais e na redemocratização da América Latina provocou um distanciamento da esquerda e, ao mesmo tempo, abriu caminho para a penetração da versão populista norte-americana do protestantismo neopentecostal evangélico, principalmente no Brasil. Basta citar a propagação rápida dos evangélicos nas áreas pobres, antes alvos das pastorais católicas propagadoras da Teologia da Libertação, crescendo dos 5% nos anos 70 para os 35% dos dias de hoje, podendo ultrapassar os 50% até 2050, deixando o Brasil de ser o país mais católico do mundo.

Nesse quadro, a simples opção doutrinária da Igreja pelos pobres, sem ação efetiva, já não é mais suficiente para reparar o atraso criado com a rejeição da Teologia da Libertação, hoje substituída pelos neopentecostais com a ilusão empreendedorista da Teologia da Prosperidade.

Seria também muito simplista um Papa tomar a decisão como Karol no livro de Morris West, As Sandálias do Pescador, de entregar todas as riquezas do Vaticano aos pobres. Isso enfraqueceria a influência da Igreja e tornaria o Papado uma simples fantasia, deixando órfãos seus seguidores. O Concílio do Vaticano II tinha por objetivo integrar a Igreja na modernidade. Não se pode afirmar ter atingido seu objetivo, mesmo porque a fé em princípios religiosos vai se tornando difícil no mundo de hoje com a ciência acabando e desvendando todos os mistérios.

Num texto bastante crítico sobre Igreja e Papas, o jornalista português do semanário Expresso, João Leitão Ramos, faz uma retrospectiva com rápidas análises sobre os mais marcantes Papas da história da Igreja, tanto dos reais como dos imaginários na literatura e cinema. E isso inclui maus e bons, começando com o mais “infame”, como define Leitão Ramos.

Trata-se de Alexandre VI, de 1492 a 1503, “o cardeal dos festins, amantes e filhos reconhecidos”, de nome Rodrigo Bórgia, inspirador do filme de Jeremy Irons, Os Bórgias. A história do Papado conta também com lendas, fantasias talvez com fundo de verdade, como a de uma mulher eleita papisa no século IX, a lendária Papisa Joana, vivida no cinema pela atriz Liv Ullmann.

Foi com Pio IX, de 1846 a 1878, que se criou o dogma da infalibilidade papal e, em reação ao fim do poder territorial do Papado, se proibiu aos católicos votarem na Itália, situação corrigida só em 1929, com Pio XI e o Tratado de Latrão, assinado com Mussolini. A morte de João Paulo I, depois de apenas 33 dias de Pontificado, inspirou teorias de conspiração, como a série O Padrinho, parte III, de Francis Ford Coppola (1990) com Raf Vallone vivendo o cardeal Lamberto, depois Papa, assassinado ao tentar purificar a Cúria na época da família Corleone.

O conclave convocado para a eleição do novo Papa coincidiu com o lançamento de mais um filme sobre o Vaticano, Conclave, de Edward Berger, valorizado com a inesperada morte do Papa Francisco e a convocação dos 133 cardeais eleitores. Um thriller religioso de ficção, no qual se abordam temas atuais da Igreja, com um final inesperado.

Algumas referências:

https://expresso.pt/revista/culturas/2025-05-01-o-papa-no-papel-principal-7b0a418c

https://revistacult.uol.com.br/home/influencia-religiosa-na-politica/

https://ihu.unisinos.br/noticias/519386-uma-igreja-pobre-e-para-os-pobres-condicoes-para-que-o-desejo-do-papa-se-torne-real  

https://fr.wikipedia.org/wiki/Jean-Paul_II

https://observador.pt/opiniao/o-elogio-possivel/

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.

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