Um ano de muitas pautas para a imprensa e “polêmicas vazias” na internet

(Foto: Pixabay)

O ano recém-terminado trouxe muitas pautas para a grande imprensa. Enchentes no Rio Grande do Sul, queimadas Brasil afora, Olimpíada de Paris, eleições municipais, Maduro reeleito na Venezuela, Trump de volta ao poder nos Estados Unidos e investigação da Polícia Federal, que atribuiu plano de golpe a Jair Bolsonaro, entre outras manchetes, movimentaram os principais noticiários. 

Na internet, 2024 foi marcado por polêmicas vazias e vídeos que, ao viralizarem, alçaram anônimos ao estrelado. Jennifer Castro, por exemplo, chegou a mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, simplesmente por causa de um vídeo em que não precisou dizer uma palavra sequer. Virou o principal assunto nas redes sociais nas últimas semanas.

O futuro profetizado por Andy Warhol, em que todos teriam seus quinze minutos de fama, enfim, chegou. Só não precisava ser com tanta futilidade.

Ainda nessa linha, alguns bolsonaristas, com seus preconceitos e ódios habituais, também tiveram seus “quinze minutos de fama” em 2024. No início do ano, Jaqueline Santos Ludovico – a “homofóbica da padaria” – foi alçada ao estrelato da extrema direita ao ser flagrada insultando e agredindo fisicamente um casal de homossexuais.

Em abril, um casal evangélico, dono de uma gráfica, teve seus quinze minutos de fama ao declarar que não faz convites para uniões homoafetivas. No mês seguinte, uma influencer cristã se tornou conhecida nacionalmente por publicar um vídeo, em suas redes sociais, que associava as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul à ira divina (devido à grande presença de terreiros de “macumba” no estado). Por sua vez, Francisco Wanderley Luiz, o “Tiu França”, teve fama póstuma após se explodir próximo ao edifício-sede do STF.

Nas eleições municipais de outubro, duas manchetes predominaram: a vitória esmagadora da direita (consequentemente, uma dura derrota para os setores progressistas) e o protagonismo de Pablo Marçal em São Paulo – que, mesmo derrotado, conseguiu dois feitos: ameaçar a hegemonia bolsonarista na extrema direita e se credenciar como potencial candidato ao Planalto em 2026.

Entre as diferentes análises sobre o insucesso da esquerda, uma das melhores explicações no debate público foi feita de forma clara e direta pelo sociólogo Jessé Souza, em entrevista ao jornal O Globo. Segundo ele, a esquerda abraçou o identitarismo – se limitando a discutir gênero e raça, sem levar em conta o fator classe – e deixou os pobres na direita. A repercussão negativa do hino nacional em linguagem neutra, durante comício de Boulos, corroborou as palavras de Jessé.

Já a reação da mídia hegemônica a Pablo Marçal teve a hipocrisia habitual. Negaram a paternidade de mais uma figura pública grotesca. No entanto, é fato que os discursos antipetistas e pró-racionalidade neoliberal de Globo, Estadão, Folha, Veja e congêneres preparam o terreno para a ascensão do ex-coach.

Ainda no cenário político, a investigação da Polícia Federal, que atribuiu plano de golpe a Jair Bolsonaro, foi utilizada pela grande imprensa para ocultar sua participação no golpe que realmente aconteceu (em 2016) e para provocar uma espécie de “paralisia estratégica” na esquerda, levando o campo progressista a aderir acriticamente a falsa dicotomia entre democracia burguesa e fascismo.

Nos noticiários internacionais, entra ano, sai ano, as manipulações favoráveis aos interesses imperialistas são, basicamente, as mesmas. Em 2024, os destaques foram a continuidade do apoio ao genocídio do povo palestino, a defesa do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que tem usado seu povo como bucha de canhão na guerra de procuração da Otan contra a Rússia, o golpe na Síria, a tentativa de golpe na “democrática” Coreia do Sul e as eleições presidenciais na Venezuela e Estados Unidos.

Na lógica “dois pesos, duas medidas” da imprensa hegemônica, como Nicolás Maduro se opõe ao imperialismo, é “ditador” e sua reeleição foi “fraudada”. O anteriormente mencionado Zelensky teve seu mandato finalizado no dia 20 de maio, mas como é marionete dos Estados Unidos e aliados, sua representação midiática é de um “democrata”. O grupo responsável por derrubar Bashar al-Assad na Síria – “inimigo do Ocidente”, logo “ditador” – não é considerado “terrorista” ou “golpista”, mas “rebelde”.

Nos Estados Unidos, a “maior democracia do universo conhecido”, segundo a mídia, Donald Trump venceu a “candidata oficial do imperialismo estadunidense”, Kamala Harris, levando os republicanos de volta à Casa Branca. É o famoso “trocar seis por meia dúzia”.

Para o Brasil, o principal evento esportivo do ano – a Olímpiada de Paris – rendeu três medalhas de ouro, todas conquistadas por mulheres. Apesar do mesmo número de medalhas de ouro, os Estados Unidos superaram a China no quadro total de medalhas (vale ressaltar que, em algumas modalidades, os ianques contaram com expressiva ajuda da arbitragem).

Diferentemente de jogos olímpicos e copas do mundo realizados em países do chamado Sul Global, não vimos, lemos ou ouvimos nos principais noticiários qualquer menção à “violação de direitos humanos na França”. Pelo contrário, o país foi saudado na grande mídia como “Pátria dos direitos humanos”.

Em 2024, a área educacional ficou marcada pela aprovação do projeto que proíbe celulares nas escolas e pelas agendas privatizantes dos governos paulista e paranaense. Além disso, houve a investida da produtora de extrema direita, Brasil Paralelo, em cursos de formação de professores de Humanas. 

Outros destaques do ano foram o show de Cyndi Lauper no Rock in Rio (sem playback, ao contrário de Madonna), o “Caso Tio Paulo”, a “epidemia” do vício em bets, a truculência da PM paulista, o sucesso do filme “Ainda Estou Aqui”, a morte de Silvio Santos, as chantagens do mercado contra o governo Lula, o lançamento do livro “O Pobre de Direita”, do já citado Jessé Souza, os 80 anos de Chico Buarque e a escolha de “ansiedade” como palavra de 2024 no Brasil.

E assim foi finalizado mais um ano que, como dizem por aí, não foi fácil para ninguém (principalmente para Bolsonaro).

Por falar nisso, será que, neste 2025, a principal notícia política será a prisão do “mito”? É esperar para saber.

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Francisco Fernandes Ladeira é professor da UFSJ e Doutor em Geografia pela Unicamp.

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