Por que cientistas usam árvores como cápsulas do tempo

RAMANA RECH
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Árvores têm sido utilizadas por pesquisadores no Brasil como cápsulas do tempo para vislumbrar o passado. Ao analisar os anéis delas, cientistas conseguiram observar, por exemplo, que há um aumento persistente da seca na região sudoeste da amazônia nos últimos 40 anos.

Já era conhecimento comum no hemisfério norte que a partir da contagem dos anéis das árvores era possível saber a idade delas. No início do século 20, o astrônomo americano Andrew Douglass (1867-1962) transformou esse mecanismo em um método de datação chamado dendrocronologia.

Ana Carolina Maioli, coordenadora do laboratório de dendrocronologia da Universidade Federal de Lavras (UFLA), compara a técnica a uma espécie de código Morse, com “sequências e padrões que se repetem entre árvores”.

A cada ano, algumas árvores formam um novo anel que passa a compor o tronco. O anel é dividido entre uma circunferência clara e outra mais escura e fina, que vão se formar a partir das condições do ambiente. Cada anel corresponde a um ano de vida da árvore.

Nas regiões temperadas do planeta, onde as estações são bem definidas, os anéis mais claros indicam a chegada da primavera e do verão; e as mais escuras, do outono e do inverno, quando entram em dormência.

Há ainda a possibilidade de análise química dos anéis e observar, por exemplo, a concentração de carbono-14, também usado em datação de fósseis. Por meio disso, é possível verificar a intensidade da atividade solar no ano em que o anel foi formado.

“[O carbono-14] consegue mostrar até o dia em que aquela madeira foi formada”, diz Maioli.

Por muito tempo, a comunidade científica pensou que não havia aplicação de dendrocronologia nas árvores tropicais, segundo a professora. Além de não haver grande variação da temperatura ao longo do ano, grande parte da fauna de florestas tropicais são compostas de árvores folhosas, cuja anatomia da madeira é complexa.

Nas coníferas, como pinheiro, que têm grande presença em zonas temperadas e são bastante utilizadas na dendrocronologia, os anéis de crescimento anuais são mais fáceis de serem identificados.

Mas o ciclo hidrológico tornou-se uma grande possibilidade para a dendrocronologia em zonas tropicais.

Um novo anel se forma por ano a partir dos períodos de seca e chuva.

Em 1985, o alemão Martin Worbes descreveu pela primeira vez formações de anéis de crescimento anuais em árvores de áreas alagadas na amazônia. Na época, ele recebeu questionamentos descrentes de que essas plantas pudessem fazer isso.

Worbes demonstrou que, nesses casos, nos períodos de inundações, que ocorrem anualmente, falta oxigênio para as plantas. Como ficam com dificuldade de absorver água e nutrientes, elas entram em dormência.

Na amazônia, muitas regiões permaneceram por longo tempo desabitadas. Por isso, quase não há registros climatológicos. A dendrocronologia compara o padrão das condições de crescimento de centenas de anos atrás com o clima das últimas décadas para, assim, resultar em uma melhor compreensão da mudança climática.

Nem sempre as causas para determinado padrão nos anéis das árvores são naturais. A dendrocronologia também tem aplicação arqueológica.

O pesquisador e antropólogo Victor Lery Caetano Andrade, do Instituto Max Planck de Geoantropologia (Alemanha), utilizou árvores de castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa) para analisar a dinâmica populacional durante 400 anos na amazônia central.

A B. excelsa tem várias utilidades para seres humanos e está ligada a práticas de manejo há, pelo menos, 10 mil anos. Como a espécie depende de luz solar e não consegue competir com as demais, ela precisa de intervenção humana para se multiplicar.

O estudo mostra que entre 1760 e 1840 quase não nasceram castanheiras-do-brasil. O início desse período marca a expulsão do povo indígena mura da região após conflito com portugueses. O fim corresponde ao ciclo da borracha na amazônia, quando houve o retorno do manejo.

“A dendrocronologia entrou nesse sentido de tentar entender o padrão de colonização da espécie de acordo com o padrão de ocupação humana na região”, afirma Andrade.

DENDROCRONOLOGIA NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO

A datação a partir dos anéis das árvores também tem sido útil em outros biomas brasileiros.

Um grupo formado entre UFLA e Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) reconstruiu 170 anos da vazão do rio São Francisco no norte de Minas Gerais. Os pesquisadores observaram que, em um ano de baixa vazão do rio, as árvores formavam um anel fino.

Os resultados coincidiram com datas históricas, como o apagão nos anos 2000 provocado pela queda de água nos reservatórios e a seca de 1875 a 1879 retratada no livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha.

A pesquisa começou em 2011 para descobrir quais espécies de árvores formam anéis visíveis. O próximo passo é observar se os períodos de seca de hoje estão se tornando mais frequentes e intensos do que os do passado.

A DENDROCRONOLOGIA TROPICAL

1856
Primeira hipótese formulada sobre anéis de árvores nas regiões tropicais em Mianmar pelo botânico Dietrich Brandis

1931
Primeira cronologia de árvores tropicais feita pelo holandês Berlage na Indonésia.

1967
Alan Mariaux mostra mais uma vez que árvores tropicais formam anéis de crescimento anuais em experimento na África tropical e há aumento dos trabalhos de dendrocronologia que envolvem essas plantas

1985
Martin Worbes demonstra que os anéis de crescimento anuais em áreas alagáveis na Amazônia são influenciados pelos períodos de inundação

2000
Daí em diante, surgem diversas pesquisas que usam dendrocronologia no Brasil

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