Janeiros incertos

Walber Aguiar*

Como pensar o amanhã se o amanhã é um sonho mal elaborado Terei eu forma de pessoa?.   Anand Rao

  Primeiro dia inútil. Aliás, todos os dias estavam estranhamente dedicados à inutilidade. Lençóis embolados na cama, pontas de cigarro pelo chão, pratos com resto de comida, formigas passeando pelas paredes do quarto. Mente vazia, tempo passando a esmo, diante do ex nihilo, da imensidão inerte  da alma sonolenta.

Todos estavam ali. Todos procuravam na estante “O lobo da estepe”, “A modernidade líquida”, “A peste”, de Albert Camus. O vislumbre da angústia imposta pela solidão, abrira diante dos pés um abismo escuro, uma quinquilharia existencial guardada nos escaninhos do peito. Agora o tempo, curador de todas as feridas, era o grande opositor, o adversário, naqueles dias de luta, dias de glória.

Estranhamente os valores, axiomas da vida, estavam se liquefazendo, desfazendo ante o cansaço de viver, a modernidade líquidae, diversa do passado não muito distante, se deixava arrastar lentamente pelos aguilhões do secularismo influenciador e sua pós verdade. Diante disso, o cansaço e a solidão margeavam a alma, circulavam no entorno da cama, invadiam o espigão do ser, na tentativa de subjugar a qualquer fagulha de fé, esperança e amor.

Estávamos em janeiro, na incerteza da vida, no irresolvível e monótono dilema do existir humano. A maioria moral ditava novamente os chavões e comportamentos, como que a nortear ainda mais a ambiguidade, a confusão existencial, o vazio das horas nesse universo frio, mudo e assustador. Era preciso, àquela altura do recomeço, que a ética surgisse como imperativo, como seta a dirigir os passos do espírito pensante, do homem pneumático e não apenas almático.

Entraríamos em luta contra Deus ao desejarmos um mundo melhor e mais suportável? Seríamos adeptos do “quanto pior melhor”, ou do “deixa queimar, pois tudo está reservado para o fogo”? Infelizmente a maioria moral, a média ponderada pensava e agia dessa forma. Para eles pensar e agir em defesa da vida e da natureza era lutar inapelavelmente contra Deus.

Estavam todos ali, meninos, meninas, velhos, adultos, estranhos e conhecidos. Uns alimentavam-se da esperança, do recomeço, outros viviam casmurros e melancolizados como suicidas em potencial.

Os janeiros eram incertos. Ainda assim, havia tempo para observar as aves do céu e os lírios do campo…

*advogado, poeta, historiador, mestre em letras, professor de filosofia e membro da Academia Roraimense de Letras

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