Filme ‘Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa’ dá frescor a gênero gasto

chico bento

PEDRO SBRAGIA
FOLHAPRESS

O diretor Fernando Fraiha tem grandes méritos na mais recente adaptação da obra de Mauricio de Sousa para os cinemas. “Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa” assume com orgulho um viés fantasioso e, por que não, de farsa.

Não a farsa como mentira ardilosa, embuste, mas a farsa da Grécia antiga, do teatro europeu do século 15, aquela peça popular engraçada, simples e com uma ação recheada de situações ridículas.

Tudo provoca o riso do gel para cabelo feito da lambida da vaca aos confrontos de Chico Bento e Zé Lelé com Nhô Lau. Até a galinha Giselda ajuda nosso herói burlesco na difícil missão de escolher uma roupa adequada para um encontro amoroso com Rosinha, apesar de galinha não saber nada de estilo, claro.

Isaac Amendoim, uma pérola descoberta na internet, rouba a cena. Já acostumado com as câmeras e com esquetes de humor nas redes, está à vontade como o personagem criado em 1961.
Para além do divertimento, “A Goiabeira Maraviosa” aproveita os personagens caricatos numa espécie de microcosmo do Brasil. A Vila Abobrinha de Mauricio de Sousa talvez seja vizinha da Asa Branca de Dias Gomes.

É um filme que pode ser visto pela família toda. As reflexões sobre valores e relações sociais são tão sutis, que o tom de farsa ajuda a manter a obra fiel aos quadrinhos e, ao mesmo tempo, acessível a crianças, jovens e adultos. Preste atenção na rápida participação de Piteco, direto da Idade da Pedra.

O produtor do filme é Daniel Rezende, diretor dos dois filmes anteriores da “Turma da Mônica”, além da série de 2022 com o mesmo elenco. Enquanto os dois adotam um tom mais doce e suave, Chico Bento mantém o tom adocicado, porém intenso, como também é o sabor da goiaba. Bem diferente do “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo”, do ano passado, dirigido por Mauricio Eça, que não agradou o público ao se distanciar do universo cinematográfico mauriciano.

“A Goiabeira Maraviosa” vai na contramão da realidade, refutando a tendência de adaptar HQ’ como se fossem histórias reais. Algo que começou em Hollywood, no universo Marvel e principalmente na DC, deu certo no início, mas depois se mostrou uma fórmula desgastada.

As interações do protagonista com a câmera, quando quebra a quarta parede e conversa com o espectador, é uma forma de lembrar o tempo todo que tudo não passa de um causo. Desses bem cabeludos, um trem para lá de complicado.

Em 1523, o primeiro grande dramaturgo português Gil Vicente foi acusado de plágio. Em defesa, pediu aos acusadores que escolhessem qualquer tema para ele escrever uma peça na hora. O mote foi o ditado popular “mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube” e, dele, Gil Vicente escreveu a “Farsa de Inês Pereira”.

Na farsa do Chico Bento, o cavalo que derruba é a estrada que também derruba, no caso, a goiabeira. Uma sacada genial do roteiro, assinado pelo próprio diretor junto de Raul Chequer e Elena Altheman.
Fraiha e Chequer também são parceiros no “Choque de Cultura”, programa que simula uma mesa redonda sobre cinema e séries de TV. Também como uma farsa, são quatro motoristas de vans que fazem as reflexões culturais no lugar de críticos.

O filme consegue mergulhar no Brasil profundo e caipira, sem parecer nostálgico e ingênuo. A resolução do conflito passa uma mensagem de que sozinhos no mundo não vamos conseguir impedir nossa autodestruição e pondera sobre a ideologia neoliberal nefasta do progresso.

Por que precisam derrubar a goiabeira para construir mais uma estrada? Por que precisam derrubar as árvores para fazer mais um viaduto na Sena Madureira? Por que precisam fazer mineração na Serra do Curral?

Chico Bento só consegue prosperar na missão dele depois que supera seu maior defeito desde os tempos do gibinão ouvir as pessoas. A escuta é poderosa e, para a turma do Chico Bento, o futuro é coletivo.

CHICO BENTO E A GOIABEIRA MARAVIÓSA

  • Avaliação Muito bom
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação Livre
  • Elenco Com Isaac Amendoim, Anna Júlia Dias e Davi Okabe
  • Produção Brasil, 2024
  • Direção Fernando Fraiha
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