Europa se divide na relação com Trump às vésperas de seu retorno à Casa Branca

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MICHELE OLIVEIRA

MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS)

Com visões distantes sobre quase tudo o que toca a União Europeia, o premiê da Hungria, Viktor Orbán, e o presidente da França, Emmanuel Macron, tentaram sair na frente na busca por estabelecer canais de diálogo entre a Europa e o novo governo de Donald Trump, cuja posse está marcada para o próximo dia 20.

O europeísta Macron recebeu o americano, em dezembro, na reabertura da catedral de Notre-Dame, a primeira viagem internacional de Trump depois de eleito. Apenas dois dias depois, o nacionalista Orbán visitou o futuro presidente na Flórida. Tirando a cortesia evidente, um movimento tem pouco a ver com o outro.

Ao se apresentarem como mediadores, Orbán e Macron simbolizam como a volta de Trump à Casa Branca suscita diferentes graus de preocupação no continente. O húngaro faz parte de um grupo político que tenta corroer por dentro as instituições da UE, além de ser simpático ao presidente da Rússia, Vladimir Putin. O francês é enfático no apoio à Ucrânia e na defesa de uma Europa mais unida e soberana.

Seja pela experiência do primeiro mandato de Trump, seja pela retórica da campanha eleitoral, os temas delicados da nova fase das relações entre o continente e os EUA giram em torno principalmente da defesa comum, da Guerra da Ucrânia e de relações comerciais.

É esperado que Trump suba o tom para que os europeus contribuam mais com despesas militares, sob a ameaça de esvaziar a Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos EUA. Também deverá pedir mais empenho em um processo de negociações que leve a um acordo entre Moscou e Kiev. Na área econômica, forçará a redução do déficit comercial, tentando cooptar a UE em uma ação anti-China.

“Trump vai falar uma linguagem antieuropeia, eurofóbica, porque é isso que agrada o seu eleitorado. Podemos esperar gestos marcantes, como quando não estendeu a mão a Angela Merkel [em 2017]”, diz Mario Del Pero, professor de história das relações transatlânticas na Universidade Sciences Po, em Paris.

Do outro lado, encontrará apoiadores e simpatizantes, como Orbán e o eslovaco Robert Fico, com poucas chances de sucesso na mediação com a UE. E a primeira-ministra Giorgia Meloni, que se apresenta como uma interlocutora mais respeitada para fazer a ponte entre Washington e Bruxelas. A italiana está à frente de um país fundador, a terceira economia do bloco, e teceu boas relações tanto com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, quanto com Trump e seu entorno, incluindo o empresário Elon Musk.

“A vitória de Trump legitima e reforça, no curto prazo, atores políticos da direita radical, que são hostis ao projeto europeu”, diz Del Pero. “Haverá uma corrida para se credenciar com Trump entre os líderes da direita europeia.”

Mais crítico ao estilo e às políticas de Trump, um segundo grupo de líderes têm peso para dialogar com o americano, a depender da astúcia diplomática. Além de Macron, o britânico Keir Starmer e o polonês Donald Tusk podem fazer esse papel, especialmente pela importância que seus países têm na área da defesa. Contraste mais evidente, o espanhol Pedro Sánchez desponta como voz natural anti-Trump no poder.

Para responder às dificuldades que o segundo mandato de Trump deverá trazer, a Europa deveria se apresentar coesa e com seus dois países mais relevantes, Alemanha e França, em boas condições de conduzir o bloco. Ambos, no entanto, enfrentam crises domésticas, com os alemães sem nem saber quem será o primeiro-ministro a partir de 23 de fevereiro, quando irão às urnas.

“Não sei como se pode ser otimista neste momento. A Europa se encontra diante de um grande desafio e se prepara para enfrentá-lo a partir de uma condição de extrema fraqueza”, diz o professor.

Na falta de uma ação coordenada, é possível que alguns países tentem construir uma relação privilegiada com os EUA, baseada em afinidades político-ideológicas. Algo que, segundo o historiador, é arriscado e de resultado incerto. A integração é tanta que é difícil um país se blindar de uma ação agressiva dos EUA que seja mirada em outro membro. “Os setores econômicos são ligados entre si, existem milhares de pequenas empresas italianas ligadas ao setor automobilístico alemão, por exemplo”, afirma Del Pero.
O que esperar de líderes e países da Europa na relação com Trump.

AFINIDADES

GIORGIA MELONI, primeira-ministra da Itália
Com Trump, a ultradireitista compartilha laços partidários, ideológicos e a amizade com Elon Musk. Defende que o futuro presidente não seja tratado como inimigo e que a UE seja pragmática. Será uma interlocutora, mas a Itália não gasta como deveria em defesa e tem muito a perder em uma eventual guerra comercial.

VIKTOR ORBÁN, primeiro-ministro da Hungria
Maior apoiador de Trump na UE e aliado de Vladimir Putin, visitou o futuro presidente em dezembro, na Flórida, a quem considera um “homem de paz” por sua intenção de liquidar a Guerra na Ucrânia. Para Trump, a democracia iliberal instalada pelo húngaro é um modelo. As tentativas de mediação de Orbán devem esbarrar, no entanto, em seu isolamento na UE.

ROBERT FICO, primeiro-ministro da Eslováquia
Outro líder sob a influência de Putin, esteve em Moscou nas vésperas do Natal, um gesto incomum para um governante da UE depois do início da Guerra da Ucrânia. Dias antes, revelou detalhes de uma ligação com Trump, com quem falou de “grandes expectativas” para os rumos do conflito e da experiência de terem sobrevivido a um atentado político.

POSSÍVEIS MEDIADORES

EMMANUEL MACRON, presidente da França
Apesar de enfraquecido internamente, deve se apresentar como mediador entre Europa e EUA. Ainda no primeiro mandato de Trump, o francês já defendia a “autonomia estratégica” da UE e mais independência em defesa e comércio. Em dezembro, às margens da reabertura da Notre-Dame, marcou um gol diplomático ao promover um encontro entre Trump e Volodimir Zelenski, presidente da Ucrânia.

DONALD TUSK, primeiro-ministro da Polônia
Relaciona-se muito bem com a cúpula da UE e está em sintonia com bálticos e nórdicos. Para Trump, o que importa mesmo é que a Polônia é o membro da Otan que mais gasta em defesa, além de grande compradora de armamento dos EUA. Entre janeiro e junho, ganhará mais holofotes enquanto Varsóvia ocupar a presidência rotativa do Conselho da UE.

KEIR STARMER, primeiro-ministro do Reino Unido
Desde antes da vitória de Trump, o trabalhista busca se aproximar, apesar de críticas no passado. Jantou com Trump, então candidato, em setembro, em Nova York, e prometeu investir pesado no “vínculo transatlântico”. Em dezembro, em outro aceno, afirmou que o Reino Unido não precisará escolher um lado entre Trump e UE.

CONTRAPOSIÇÃO

PEDRO SÁNCHEZ, primeiro-ministro da Espanha
Antípoda natural de Trump na UE. Lidera uma coalizão de centro-esquerda, coisa rara no bloco, e considera a imigração um sinônimo de “riqueza e desenvolvimento”, na contramão do discurso que foca segurança. Na relação com os EUA, seu país está menos vulnerável a temas comerciais e de defesa, o que o torna menos pressionável.

INDEFINIDO

ALEMANHA
Se no primeiro mandato de Trump a Europa tinha Angela Merkel na linha de frente, o segundo mandato começará com cenário incerto na Alemanha. A maior economia da UE tem eleições em 23 de fevereiro, o que poderá resultar em um governo mais à direita do que o atual, liderado pelo premiê Olaf Scholz.

HOLANDA
O primeiro-ministro Dick Schoof espera manter relação amigável com Trump, assim como seu antecessor, Mark Rutte, hoje secretário-geral da Otan. A ver quanto o premiê resistirá à pressão do maior aliado de governo, Geert Wilders, apoiador declarado de Trump.

BÁLTICOS E NÓRDICOS
Estão entre os membros da Otan que mais gastam com defesa, o que em teoria agrada a Trump. Ao mesmo tempo, são os que mais temem um eventual desfecho do conflito na Ucrânia que seja favorável à Rússia, a quem os bálticos estão geograficamente expostos.

IRLANDA
Após as eleições do fim de novembro, os dois partidos mais votados, Fianna Fáil e Fine Gael, negociam a formação do novo governo, que poderá ser liderado pelo ex-primeiro-ministro Micheál Martin. A ameaça de Trump de aumentar tarifas pode afetar duramente o país.

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