‘Se todas as empresas desistirem, termina a cidade’, diz dono de fábrica em retomada no RS

LEONARDO VIECELI
ROCA SALES, RS (FOLHAPRESS)

“Eu digo assim: a gente conseguiu formar um filho dentista e uma filha psicóloga trabalhando com calçado e com a mão de obra daqui. Tem pessoas que trabalham conosco há oito, dez anos. É difícil largar. Se todas as empresas desistirem, termina a cidade.”

A declaração é do empresário Adilar Cappellari, 58, dono de uma pequena fábrica do setor calçadista no município gaúcho de Roca Sales (a 144 km de Porto Alegre).

Ao lado da esposa, Mara Cappellari, 56, ele tenta se recuperar do prejuízo acumulado após as enchentes que devastaram regiões do Rio Grande do Sul há oito meses, na passagem de abril para maio.

À época, o prédio alugado onde o casal mantém seu ateliê de costura de calçados foi invadido novamente pela água barrenta do rio Taquari -a cidade já havia sofrido com inundações em 2023.

No último mês de novembro, quando a Folha voltou a visitar a região, as marcas da enchente ainda eram visíveis nas paredes.

Para tentar dar a volta por cima, Adilar colocou um plano em curso. Buscou financiamento, colocou veículos à venda e diz que conseguiu junto ao município um terreno mais afastado do rio para erguer um novo pavilhão para a empresa.

“A gente precisa trabalhar para buscar. Não tem outro jeito.”

A escassez de mão de obra, porém, é um gargalo no momento, segundo o empresário. “Serviço, nós temos. O que falta é mão de obra.”

Ele não é o único a citar essa questão. O presidente da CIC (Câmara da Indústria, Comércio, Agropecuária e Serviços) de Roca Sales, Cleber Fernando dos Santos, associa o quadro a uma saída de moradores do município após as enchentes.

De 750 a 1.000 moradores podem ter deixado a cidade, estima o líder empresarial. A projeção mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), relativa a 1º de julho de 2024, apontou que o município tinha 10,6 mil habitantes.

“Teve um êxodo depois das enchentes, né? O pessoal saiu para não ser mais atingido, para escapar das catástrofes”, afirma Cleber.

“E tem também a defasagem habitacional. Para suprir a necessidade das pessoas que ficaram sem moradia, a gente precisaria em torno de 450 a 500 casas”, acrescenta.

Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou em outubro que moradores e empresários se organizaram em grupos ou associações para tentar acelerar a construção de residências em cidades do Vale do Taquari.

Algumas iniciativas, porém, esbarravam nos mesmos desafios que travam a entrega de casas pelo poder público, como a falta de terrenos seguros.

Na visão do presidente da CIC de Roca Sales, a escassez de mão de obra e os gargalos logísticos estão entre os principais obstáculos para a retomada de setores como a indústria no Vale do Taquari.

No início de maio, as enchentes danificaram ou até derrubaram pontes na região, causando uma série de transtornos para o transporte de pessoas e mercadorias.

Parte deles permanece, já que nem todas as obras de reconstrução foram finalizadas até o momento.

“Para as transportadoras, por exemplo, isso [gargalo logístico] dificulta muito. Porque atrasa a chegada e o retorno delas”, afirma Cleber.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.