Cinco anos após pandemia fechar escolas, prejuízos ainda são sentidos pelos alunos

ISABELA PALHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Em março de 2020, escolas e famílias foram surpreendidas com a ordem de suspensão das aulas presenciais por tempo indeterminado. De forma inédita, escolas do mundo todo foram fechadas para evitar o avanço do contágio por um novo vírus. Quase cinco anos depois, os estudantes brasileiros ainda convivem com os prejuízos dessa situação.

Um dos países que ficaram mais tempo com as escolas fechadas, o Brasil registrou queda nos principais indicadores de desempenho escolar. Mas especialistas apontam que o maior prejuízo acumulado no período é também o mais difícil de ser quantificado e recuperado, que foram aqueles no desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e até mesmo motoras.

Professores de educação infantil, por exemplo, relatam que as crianças que chegaram em 2024 na pré-escola (que são aquelas que nasceram no meio da pandemia e passaram os primeiros meses de vida em isolamento) apresentaram muitas vezes um comportamento diferente do habitual para alunos dessa idade. Muitas delas tinham dificuldade para brincar sem ajuda de adultos, para subir em brinquedos ou apresentavam atrasos na fala.

“Não temos estudos que sejam capazes de evidenciar ou dados que tragam de forma precisa os prejuízos para as crianças, mas eles são evidentes para quem trabalha com as crianças em sala de aula”, diz Marina Fragata, diretora de políticas públicas da FMCSV (Fundação Maria Cecília Souto Vidigal).

A fundação, que trabalha com primeira infância, conduziu um estudo em parceria com o Lapope (Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais) da UFRJ, para investigar o impacto da pandemia no desenvolvimento das crianças.

O estudo comparou dados de habilidades das crianças que estão no 2º ano da pré-escola (com 5 anos de idade) entre os anos de 2019 e 2022. Nele, os pesquisadores identificaram perdas no desenvolvimento em linguagem, matemática e habilidades sociais e motoras.

As crianças que entraram na pré-escola em 2020 e 2021, ou seja, aquelas que tiveram menos tempo de aulas presenciais, apresentavam um déficit de aproximadamente dez meses de aprendizado em linguagem e de 11 meses de aprendizado em matemática. Esses alunos estão hoje no 4º e no 5º ano do fundamental e, sem que tenham recebido atividades consistentes de recuperação, podem ter carregado esses prejuízos até agora.

“As crianças na pandemia se desenvolveram num ritmo mais lento, carregando déficits em relação a crianças que não vivenciaram o período pandêmico. É um prejuízo que poderia ser resolvido com um programa forte de recuperação, mais tempo de aula, mas, infelizmente, sabemos que principalmente as crianças mais pobres não tiveram essa oportunidade”, diz Fragata.

Luana Santos, professora do anos iniciais do fundamental (do 1º ao 5º ano) na rede municipal de São Paulo, conta que os prejuízos são sentidos de formas diferentes em sala de aula.

“Sinto que as crianças chegam com mais dificuldade em aprender do que em anos anteriores, mas o mais desafiador é que elas parecem mais imaturas. Não conseguem seguir atividades simples da aula, como copiar algo da lousa ou escrever dentro da linha do caderno”, diz a docente, de 42 anos, que dá aula há 18.

Ela também relata que as crianças se frustram por não conseguirem fazer as atividades e acabam ficando estressadas e desmotivadas. “Depois da pandemia, eu precisei adaptar as lições, propondo coisas mais simples. Até com as mais velhas, muitas vezes as atividades são para ajudá-las a se familiarizar a segurar o lápis, desenhar dentro da linha. Elas não desenvolveram a coordenação motora fina na educação infantil.”

Para as educadoras, além do período afastadas da escola, as crianças também passaram a usar celular por mais tempo, e cada vez mais cedo, o que afetou o desenvolvimento. Pesquisas mostram que o uso excessivo de telas por crianças pequenas atrapalha a coordenação motora, a capacidade de concentração e pode até mesmo deixá-las mais agressivas.

“Por isso, essa iniciativa que está começando no país, de proibir o uso de celular nas escolas, é tão importante. Esse uso já acontecia, mas se intensificou muito durante a pandemia, especialmente nesses primeiros anos de vida, trazendo impactos até hoje”, diz Fragata.

Ex-diretora Global de Educação do Banco Mundial, Cláudia Costin destaca que o período de fechamento das escola prejudicou o desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes trazendo impactos graves vistos até hoje na saúde mental dos estudantes.

“A escola não desenvolve apenas experiências cognitivas, mas ensina uma série de competências para a vida em sociedade. O período prolongado sem aulas presenciais prejudicou exatamente esse aspecto, e as crianças e adolescentes ainda sofrem com isso, têm dificuldade de resolver conflitos comuns para a idade, de lidar com frustração, de comunicar o que sentem”, diz.

Para ela, as melhores estratégias para enfrentar o impacto na saúde mental dos alunos são o fomento do ensino em tempo integral e a proibição ao uso de celular nas escolas -políticas que foram adotadas, ainda que tardiamente e em ritmo aquém do necessário.

“A estratégia de enfrentamento está correta, o diagnóstico da situação está posto e sabemos como podemos reduzir os prejuízos, mas precisamos que essas ações sejam desenvolvidas de forma mais rápida e que atinjam logo mais crianças e adolescentes. Não podemos perder ainda mais tempo.”

Adicionar aos favoritos o Link permanente.