Bolo contaminado com arsênio: entenda risco da substância

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ANA BOTTALLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Uma investigação da Polícia Civil do Rio Grande do Sul apontou a possibilidade da presença de arsênio no sangue das três pessoas que morreram e outras duas que estão internadas após consumir um bolo em uma confraternização em Torres (RS), no litoral gaúcho.

As três vítimas são Neuza Denize Silva dos Anjos, Tatiana Denize Silva dos Anjos e Maida Berenice Flores da Silva. Entre as pessoas hospitalizadas estão a mulher responsável por preparar o bolo e o sobrinho-neta dela, uma criança de 10 anos, que estão clinicamente estáveis, conforme boletim médico divulgado na última sexta-feira (27).

De acordo com o delegado Marcos Veloso, a mulher que preparou o bolo foi a única a comer duas fatias e, portanto, teve a maior concentração da substância em seu sangue. O arsênio é considerado tóxico em altas concentrações, e a polícia apura as hipóteses de envenenamento ou intoxicação alimentar.

Conheça o que é o arsênio, quais os efeitos no organismo e onde ele pode ser encontrado.

O QUE É O ARSÊNIO E ONDE ELE É ENCONTRADO NATURALMENTE?

O arsênio é um semi metal encontrado naturalmente no ar, na água e no subsolo. Ele possui duas formas, a inorgânica, altamente tóxica, e a orgânica, que pode ser encontrada em alguns animais e plantas.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o arsênio inorgânico é uma substância sabidamente cancerígena e um dos maiores contaminantes de água potável globalmente. Compostos que contêm arsênio inorgânico (como aquele encontrado na água) são altamente tóxicos, enquanto aqueles presentes naturalmente em alimentos (orgânicos, como em frutos do mar) são menos prejudiciais à saúde.

A farmacêutica e bioquímica Bernadette Dora Gombossy de Melo Franco, professora na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e diretora do Food Research Center (FoRC) da USP, explica que o arsênico é o nome de um composto derivado do arsênio (trióxido de arsênico), cujo efeito tóxico depende, principalmente, de sua forma química, podendo variar de muito baixa a fatal. “Em algumas regiões do planeta, é muito comum encontrar arsênico na água subterrânea”, diz.

QUAIS OS EFEITOS DO ARSÊNIO NO NOSSO ORGANISMO?

Dentre os sintomas imediatos de contaminação por arsênio estão náuseas, dores abdominais, diarreia e vômitos, acompanhados frequentemente de sensação de formigamento dos membros e cãibras musculares. Franco lembra que o arsênio se acumula rapidamente no fígado, rins, pulmões e ossos, e que em altas doses têm efeito imediato, podendo levar ao coma e à morte.

Além disso, a exposição prolongada a fontes de contaminação de arsênio pode causar sequelas à pele, incluindo lesões epiteliais, mudanças na pigmentação e espessamento nas plantas dos pés (hiperqueratose plantar). Tais lesões podem, eventualmente, levar ao desenvolvimento de câncer de pele.

Outros efeitos no organismo por exposição prolongada incluem tumores de bexiga e de pulmões, alterações no desenvolvimento (principalmente em crianças e em bebês expostos durante a gestação), diabetes, doenças pulmonares e doenças cardíacas. A exposição intrauterina ao arsênio pode também resultar na morte fetal e na maior mortalidade, na vida adulta, por diversos tipos de câncer, ataque cardíaco, doença pulmonar e falência renal.

QUAIS OS RISCOS DE ALIMENTOS MAL PREPARADOS OU MAL CONSERVADOS APRESENTAREM CONTAMINAÇÃO POR ARSÊNIO?

Algumas das principais fontes de exposição ao arsênio incluem o consumo de água contaminada ou sua utilização no preparo de alimentos e bebidas, o que pode aumentar o risco de intoxicação, de acordo com a OMS. Além disso, se a água utilizada para a irrigação de plantios ou processos industriais tiver uma concentração elevada de arsênio, este também pode contaminar alimentos e outros itens de consumo.

Peixes, frutos do mar, carne vermelha, aves e produtos lácteos ou grãos de cereais também podem ser fontes de contaminação por arsênio, embora a concentração nesses alimentos seja menor do que na água subterrânea. O arsênio presente em frutos do mar é geralmente encontrado em sua forma orgânica, que é menos tóxica.

NORMALMENTE, EM NOSSO TEMPO DE VIDA, SOMOS MUITO EXPOSTOS AO ARSÊNIO?

A farmacêutica afirma que o arsênio é utilizado em inúmeros processos industriais e, portanto, estamos constantemente expostos ao composto, seja na produção de vidro, papel, pigmentos, produtos têxteis, conservadores de madeira, tratamento de couro, aditivos alimentares, produtos farmacêuticos, dentre outros.

Fumantes de cigarro também podem ser expostos durante a vida ao arsênio, já que a planta do tabaco absorve naturalmente o arsênio inorgânico presente no solo.

QUANTO TEMPO APÓS UMA INGESTÃO PODEM SER SENTIDOS OS PRIMEIROS SINAIS DE CONTAMINAÇÃO? É POSSÍVEL SALVAR UMA PESSOA DA INTOXICAÇÃO POR ARSÊNICO?

Segundo Sergio Graff, diretor médico da Toxiclin Serviços Médicos Eireli, o início dos sintomas depende da dose, podendo começar em poucas horas ou até dias. “Geralmente, em baixas quantidades, não produz efeitos”, afirma.

Graff explica que é incomum a intoxicação aguda por arsênio através do consumo de alimentos. No caso do incidente com o bolo, ele lembra que é preciso investigar para saber se a causa foi acidental ou intencional.

A farmacêutica da USP afirma que quando há ingestão elevada, seja acidental ou proposital, o diagnóstico de intoxicação pode ser difícil devido à semelhança dos sintomas gastrointestinais com outros distúrbios.

De acordo com a professora, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano recomenda, em casos de intoxicação aguda por arsênio, a descontaminação intestinal, a estabilização hemodinâmica e a administração de medicamentos à base de agentes quelantes, como ácidos meso-dimercaptosuccínico (DMSA) e dimercaptopropano-sulfônico (DMPS).

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