Folha de S.Paulo indica os melhores filmes de 2024, segundo críticos e jornalistas

ainda estou aqui

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Do retorno de grandes cineastas como Francis Ford Coppola, Clint Eastwood e M. Night Shyamalan, a filmes brasileiros aclamados pela crítica como “Baby” e “O Dia que Te Conheci”, 2024 foi um ano bastante movimentado para o cinema.

Com isso em mente, a Folha de S.Paulo convidou sete profissionais que cobrem cinema para indicar, cada um, os cinco melhores filmes que viram este ano.

Os longas indicados (dramas, comédias, animações, documentários) compõem a seleção das melhores produções de 2024.

Confira a lista completa abaixo, em ordem alfabética:


ALESSANDRA MONTERASTELLI
REPÓRTER DA FOLHA

Ainda Estou Aqui
Direção: Walter Salles (Nos cinemas)
O filme mostra o horror da ditadura sem ser excessivamente expositivo e, mais que isso, é um retrato comovente de Eunice Paiva, que precisou deixar o sofrimento de lado para dar continuidade à vida. Mais interessante é o que fica nas entrelinhas: a tomada do controle de uma família por uma mulher antes deixada de fora das decisões, e o fardo e a delícia que é ser a única a ter memória. Com a celebração internacional de Fernanda Torres e as esperanças em torno do Oscar, o filme parece, ainda, reacender um certo orgulho patriótico ao falar sobre um trauma coletivo.

Malu
Direção: Pedro Freire (Nos cinemas)
O filme retrata um período da vida da atriz Malu Rocha, quando vivia com a mãe em uma comunidade na Baixada Fluminense. Malu lida com os sonhos frustrados de não ter se tornado uma estrela do teatro político, desmantelado pela ditadura e pela maternidade e, ao mesmo tempo, vive entre o carinho e o julgamento da mãe idosa e vulnerável —e o caráter explosivo de Malu mina a relação com sua própria filha. O filme destrincha as ramificações do trauma geracional ao explorar, com sutileza, a relação entre essas três mulheres.

O Menino e a Garça
Direção: Hayao Miyazaki (Disponível na Netflix)
Aos 83 anos, Hayao Miyazaki parece analisar sua obra em retrospecto para refletir sobre a convivência coletiva. Um garoto é levado a casa de campo da família para se refugiar da Segunda Guerra Mundial e, lá, encontra uma espécie de portal para outra dimensão. Uma grande fábula sobre o que deixamos para aqueles que virão depois de nós, qual o sentido da criação artística, entre outros mistérios.

O Quarto ao Lado
Direção: Pedro Almodóvar (Nos cinemas)
Uma ex-repórter de guerra, interpretada pela enigmática Tilda Swinton, recebe o diagnóstico da câncer terminal e pede à amiga, vivida por Julianne Moore, para acompanha-la em seus últimos dias de vida em uma isolada casa em meio a natureza. Ao falar sobre o medo da morte, arrependimento, as glórias e incertezas da existência, Almodóvar prepara uma celebração agridoce da vida.

A Substância
Direção: Coralie Fargeat (Nos cinemas e disponível na Mubi)
Sem medo de ousar, Coralie Fargeat expõe as vísceras do machismo predatório que condena as mulheres depois de seus quarenta anos, criando um espetáculo visualmente horroroso e estranhamente fascinante.

HENRIQUE ARTUNI
EDITOR-ASSISTENTE DE ILUSTRADA

Armadilha
Direção: M. Night Shyamalan (Disponível no Max)
Além do prazer da ficção, Shyamalan investiga o olhar em closes alucinantes —um thriller de câmara, arquitetado pela adrenalina de um matador, sua paternidade e os joguetes que um criou para o outro.

O Dia que te Conheci
Direção: André Novais Oliveira (Disponível no Globoplay)
André Novais Oliveira, a pedra no caminho do cinema brasileiro. Um convite para tropicar.

Jurado N° 2
Direção: Clint Eastwood (Disponível no Max)
O vento que balança a balança da Justiça. Aos 94, o republicano Clint Eastwood reforça sua habilidade e seu cinema moral no cinema de maior envergadura do ano.

Megalópolis
Direção: Francis Ford Coppola
Um gesto otimista e suicida, que rompeu a comunicação com o público? Sim, mas é o que caracteriza em boa parte a radicalidade de Francis Ford Coppola, seus altos e baixos, glórias e vergonhas.

O Menino e a Garça
Direção: Hayao Miyazaki (Disponível na Netflix)
Hayao Miyazaki faz a antítese do testamento de “Vidas ao Vento” se lançando a uma fantasia cifrada, alegórica, caótica e infinita.

NÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA DA FOLHA

Fechar os Olhos
Direção: Víctor Erice
Victor Erice faz um filme a cada 10 ou 15 anos. São tão raros quanto primorosos. Aqui, temos um cineasta que filmou apenas uma cena, antes do desaparecimento de seu ator. A busca desse ator é o filme. Mas buscá-lo é também buscar imagens perdidas, um filme, uma atriz: uma vida

O Que Queríamos Ser
Direção: Alejandro Agresti
Após a sessão de cinema, homem e mulher se encontram; embalados pela atmosfera do filme, começam uma amizade baseada na premissa de nunca falarem das vidas que viveram, mas inventando vidas que não viveram. Na melhor tradição do fantástico argentino.

A Flor do Buriti
Direção: João Salaviza e Renée Nader Massoura (Disponível na Netflix)
O índio é a árvore da vida que brota no cerrado. Quando ele morrer também o homem branco estará morto, mas este não entende isso. Quer terras para si, quer índios mortos para tomá-las. Uma comunidade se defende com vida.

O Dia Que Te Conheci
Direção: André Novais Oliveira (Disponível no Globoplay)
André Novais só fala do que não é essencial: o ônibus perdido, o pastel que demora a sair, o trânsito pesado. Mas quando vai-se ver tudo que é essencial vem à superfície na obra desse minimalista: o remédio certo, o amor e até a topada na calçada.

O Jardim dos Desejos
Direção: Paul Schrader
A história de um homem que viveu duas vezes, uma para destruir, outra para existir. Do neonazismo à arte da jardinagem, Paul Schrader nos traz, do humano, o calvário e a redenção, em outro grande filme.

LEONARDO SANCHEZ
REPÓRTER DA FOLHA

Baby
Direção: Marcelo Caetano (Estreia no dia 9/1, nos cinemas)
Nos últimos meses, Marcelo Caetano desfilou por festivais com um relato de uma paixão tocante e sexy, que encontra originalidade mesmo no mar de produções LGBTQIA+ lançadas neste ano. Com sua chegada ao circuito no comecinho de janeiro, abre 2025 com chave de ouro.

O Quarto ao Lado
Direção: Pedro Almodóvar (Nos cinemas)
Um Almodóvar sóbrio que funciona tão bem quanto seus delírios mais excêntricos e coloridos, e que ainda presenteia o espectador com a intimidade que as incríveis Tilda Swinton e Julianne Moore compartilham em cena.

Rivais
Direção: Luca Guadagnino (Disponível no Prime Video)
Dá para ver que Luca Guadagnino se divertiu ao filmar seu projeto mais comercial, que combina o erotismo de sua filmografia à tensão sexy de um esporte que poderia facilmente soar desinteressante.

A Substância
Direção: Coralie Fargeat (Nos cinemas e disponível na Mubi)
Um conto de fadas de gente grande com uma Demi Moore que hipnotiza, o longa de Coralie Fargeat mostra coragem ao nunca pôr o pé no freio e diverte ao avacalhar com a seriedade de seus temas.

Wicked
Direção: Jon M. Chu (Nos cinemas)
Musical com toda a pompa e fanfarra que o gênero merece, que se apoia num elenco fortíssimo para aliar os anseios de blockbuster do estúdio às afetações hiperbólicas do diretor Jon M. Chu.

LÚCIA MONTEIRO
PROFESSORA E CRÍTICA DE CINEMA

Anatomia de uma Queda
Direção: Justine Triet (Disponível no Prime Video)
Com roteiro aberto primoroso, essa tragédia rendeu as melhores discussões pós-filme do ano. Ninguém fica indiferente à violenta troca de acusações do casal frustrado e à interpretação do filho, fantástica.

O Quarto ao Lado
Direção: Pedro Almodóvar (Nos cinemas)
Teatral e minimalista, o filme busca a beleza máxima para retratar a dor do fim da vida. Tilda Swinton e Julianne Moore dão um show de elegância e talento.

Cidade; Campo
Direção: Juliana Rojas (Disponível no aluguel digital)
Equilibrou a simplicidade de uma cerveja compartilhada por duas irmãs após o trabalho com momentos grandiosos, como a cena de sexo entre duas mulheres ao som de “Temporal de amor”.

Levado pelas Marés
Direção: Jia Zhangke
Trabalho incansável de montagem a partir de mais de vinte anos de material bruto, reunindo os restos dos filmes anteriores de modo a construir uma narrativa que atravessa as décadas e as transformações nas paisagens chinesas.

O Dia Que Te Conheci
Direção: André Novais Oliveira (Disponível no Globoplay)
Comédia romântica que firma André Novais e a produtora Filmes de Plástico como força criadora original e periférica, fonte de frescor para o cinema brasileiro

PEDRO STRAZZA
JORNALISTA E CRÍTICO DE CINEMA

Coringa: Delírio a Dois
Direção: Todd Phillips (Disponível no Max)
Em um ano em que o mais do mesmo perseverou nas bilheterias, Todd Phillips fez bem em partir para cima do público. Para além da piada de mau-gosto, porém, o novo “Coringa” acerta ao importunar com questões difíceis, algo que o original de 2019 passava longe para preservar o seu verniz respeitável. A cada nova reação de ira ao filme nas redes sociais, o palhaço vence na base do incômodo.

Um Homem Diferente
Direção: Aaron Schimberg (Nos cinemas)
De todas as pessoas no mundo, caiu nas mãos do corretinho Sebastian Stan exorcizar a figura do coitado. As pessoas foram rápidas em definir o filme de Aaron Schimberg como um comentário sobre padrões de beleza, mas ele está mais para uma sátira da necessidade humana de achar conforto na pequenice. Para tanto, nada mal que o longa seja erguido por grandes atuações de seus atores, Stan e Adam Pearson.

Jurado N° 2
Direção: Clint Eastwood (Disponível no Max)
Talvez esteja na hora de reconhecer mais uma vez que o cinema de Clint Eastwood seja tudo, menos um item do passado. Aos 94 anos e diante de um Estados Unidos que decidiu as eleições com base em verdades absolutas, no “nós contra eles”, o diretor de 94 anos faz do “talvez” a base de um suspense de tribunal elétrico. De repente uma frase tão simples quanto “Nós fizemos o nosso trabalho” ganha um sentido duplo que em nada reflete a intenção de quem fala, e a gravidade deste ato toma conta do filme.

Oeste Outra Vez
Direção: Erico Rassi
O Brasil reduzido a um grupo de homens que estão em pé de guerra por uma paixão que os abandonou. A grande cena do cinema brasileiro do ano acontece logo no início do filme de Erico Rassi, quando a única mulher da história larga os homens em suas próprias brigas. Enquanto Nelson Ned entoa “Eu Também Sou Sentimental” e a moça dá as costas para o conflito, sabemos que a nossa cultura foi reduzida a cinzas. O filme que surge depois disso, uma inesperada comédia de erros, é um purgatório brilhante na forma do faroeste mais educado da história.

Tudo o que Imaginamos como Luz
Direção: Payal Kapadia (Nos cinemas)
Payal Kapadia cruza o destino de duas mulheres que, colegas de quarto, sofrem por amor na imensa multidão solitária de Bombaim, na Índia. O filme versa sobre o lugar da mulher na sociedade indiana, mas atinge a dor específica da paixão como uma ilusão, que nós buscamos todos os dias para alimentar a rotina de sentido. Disso, o filme acha um dos finais mais belos de 2024.

TETÉ RIBEIRO
REPÓRTER ESPECIAL DA FOLHA

Emilia Perez
Direção: Jacques Audiard
O filme mais inexplicável, surpreendente, inovador e maximalista do ano, sem dúvida. Mas não é por isso que ele é um dos cinco melhores do ano, aliás, ele é o melhor, os outros quatro é que estão preenchendo vagas pré-determinadas. Musical, drama, suspense, crime, sororidade, mudança de sexo, cartel de drogas, tem de um tudo neste longa-metragem que se recusa a se comprometer com um gênero e é absolutamente envolvente e lindo de ver.

Rivais
Direção: Luca Guadagnino (Disponível no Prime Video)
Luca Guadagnino conta uma história irresistível de um triângulo amoroso entre três tenistas profissionais, suas parcerias, rivalidades e sacanagens. As cenas das partidas de tênis são quase tão sexies quanto as de sexo, menos uma, que não dá pra contar sem estragar um tico da surpresa. O elenco, afinadíssimo, tem uma das duas incríveis interpretações de Josh O’Connor (o jovem príncipe Charles de “The Crown”) do ano – a outra é a do filme “La Chimera”, com a adorável Carol Duarte. Além dele, Zendaya, o centro nervoso da trama, que finalmente diz a que veio em um longa-metragem, e Mike Faist, de “West Side Story”, como o atleta mais certinho do trio. E quem tem sorte no jogo, você sabe.

Babygirl
Direção: Halina Reijn
Se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre os inesgotáveis talento e ousadia de Nicole Kidman, eis o filme que vai selar de vez essa discussão (se é que ela tem razão de existir, afinal Kidman já ganhou um Oscar, dois Emmys, cinco Globos de Ouro, um Bafta e inúmeros outros prêmios, inclusive o de Melhor Atriz do último Festival de Veneza, onde “Babygirl” teve sua estreia mundial). Neste longa, com as cenas de sexo mais explícitas e pouco ortodoxas de sua carreira, Kidman vive uma CEO que se envolve com o estagiário mais sensual do universo, papel de Harris Dickinson, de “Triângulo da Tristeza”.

Anora
Direção: Sean Baker
Dirigido por Sean Baker, dos ótimos “Projeto Flórida” e “Tangerina”, “Anora” ganhou a Palma de Ouro em Cannes com uma história que começa totalmente “Cinderela”. Uma jovem prostituta de ascendência russa conhece um moleque russo podre de rico no clube de strip em que trabalha e casa com ele em Las Vegas. Assim que a notícia chega aos conhecidos dos pais do menino, o filme passa por um momento “Os Bons Companheiros”, depois por outro meio “Succession” e chega a uma conclusão intimista, romântica e verossímil.

Ainda Estou Aqui
Direção: Walter Salles. (Nos cinemas)
O filme de Walter Salles, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, com Fernanda Torres no papel principal, tem grandes méritos em todas as áreas. Além de ser uma adaptação delicada e muito bem feita do melhor livro do autor, lançado em 2015, nos fez lembrar da potência dramática de Torres, que, além de ter se descoberto uma escritora de talento nos últimos anos (e colunista deste jornal), fez papeis cômicos muito marcantes, como a impagável Sueli, de “Tapas e Beijos”. Mas “Ainda Estou Aqui” é muito maior do que a soma de suas partes, e, antes mesmo de sabermos se vai conquistar ou não uma indicação ao Oscar, o filme já venceu na maior das competições: a pelo público de cinema.

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