Era Trump vai elevar pressão por volta ao escritório nos EUA

JULIA CHAIB
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS)

Uma realidade que se tornou possível após a pandemia da Covid-19, a opção pelo trabalho remoto entrou na mira de Donald Trump.

Em novembro deste ano, 23,3% dos trabalhadores dos Estados Unidos atuaram em trabalho híbrido (12,4%) ou fizeram 100% de trabalho remoto (10,9%), segundo dados da Agência de Estatísticas sobre Trabalho do país. Isso corresponde a 36,6 milhões das 157 milhões de pessoas empregadas hoje no país.

A escolaridade é um dos fatores que determinam o acesso à flexibilidade na jornada. Entre as pessoas que têm diploma avançado (24 milhões), superior a uma graduação ou bacharelado, 43,9% puderam trabalhar algum tempo de casa, das quais 17,6% fizeram isso a todo momento e 26,3%, por algumas horas.

Já dos que não têm diploma de faculdade (33 milhões), só 5% trabalham remotamente 100% do tempo e 4%, algumas horas.

Entre os funcionários federais, grupo que se tornou alvo do presidente eleito dos Estados Unidos, esse índice foi de 35,4% em novembro, dos quais 21,3% trabalharam em sistema híbrido e 14,1% atuaram todo o tempo remotamente. A flexibilidade no modelo da jornada foi permitida entre os funcionários do governo graças a um acordo feito pelo presidente Joe Biden com os trabalhadores.

Recentemente, esse trato foi estendido. De acordo com a Bloomberg News, a Administração da Seguridade Social e a Federação Americana de Empregados do Governo manterá a política atual de teletrabalho da agência até outubro de 2029.

Nesta semana, durante uma coletiva de imprensa, Trump defendeu o retorno ao escritório de quem atua para órgãos do governo. “Se as pessoas não voltarem ao trabalho [presencial], elas serão demitidas”, ameaçou o presidente, sobre os funcionários federais.

A declaração se alinha à proposta que o bilionário Elon Musk pretende fazer na agência consultiva que ele vai coordenar para propor mais eficiência ao governo. No passado, Musk já classificou o trabalho remoto como “moralmente errado” e determinou o retorno ao escritório dos funcionários do X e Tesla.

Em um artigo escrito com Vivek Ramaswamy ao The Wall Street Journal, Musk voltou a defender que os trabalhadores do governo federal não tenham direito a trabalhar mais de casa.

“Exigir que os funcionários federais venham ao escritório cinco dias por semana resultaria em uma onda de demissões voluntárias que nós acolheríamos: se os funcionários federais não querem aparecer, os contribuintes americanos não deveriam pagá-los pelo privilégio da era Covid de ficar em casa”, escreveram.

As declarações geraram forte reação da classe. Everett Kelly, presidente da Federação Americana dos Funcionários Públicos, que representa mais de 42 mil funcionários do governo, afirmou que a chance de trabalhar de casa aumentou a produtividade e que essa modalidade ajuda as agências federais a recrutar talentos.

Kelly ainda afirmou que mais da metade dos funcionários federais não pode fazer trabalho remoto. Dos que são autorizados, só 10% estariam 100% em trabalho remoto, e os demais, em sistema híbrido, passam mais de 70% do tempo no escritório.

“Os acordos de negociação coletiva firmados pelo governo federal são vinculativos e executáveis por lei. Confiamos que a administração que está entrando cumprirá suas obrigações de honrar os contratos sindicais legais. Se falharem em fazê-lo, estaremos preparados para fazer valer nossos direitos”, afirmou em nota.

A determinação de retorno ao trabalho presencial também foi observada na esfera privada. A Amazon, uma das gigantes dos EUA, anunciou que seus funcionários voltarão ao escritório cinco dias por semana.

Antes, a empresa, que emprega centenas de milhares de funcionários, dava flexibilidade e a possibilidade de funcionários irem três vezes por semana.

O início da nova jornada seria a partir de 2 de janeiro de 2025, mas foi postergado por questões de infraestrutura, porque uma série de locais ainda não estavam prontos para receber o volume de pessoas.

PESQUISADORES SE DIVIDEM SOBRE EFEITOS DO TRABALHO REMOTO

A questão divide estudiosos. Uma consequência observada em diversas cidades dos Estados Unidos foi o esvaziamento dos centros urbanos.

O professor de economia de Harvard Edward Glaeser acredita que a flexibilidade pode facilitar a vida de famílias com filhos. Por outro lado, crê haver um impacto sobre o aprendizado. “Como alguém que ensina e orienta, acho que aprendemos menos, ideias complicadas são mais difíceis de transmitir para pessoas que estão trabalhando remotamente”, avalia.

Ele cita ainda que o retorno ao presencial poderia beneficiar setores que foram impactos com o esvaziamento de centros, como alimentação, hospitalidade e varejo, que estão entre a maioria que não podem trabalhar de casa.

“Eu diria que sou basicamente favorável à iniciativa do presidente. Acho que a ideia, certamente, para a saúde do centro de Washington, por exemplo. Uma das razões pelas quais Washington sofreu tanto é que o governo tem estado tão distante”, diz.

Glaeser menciona artigo publicado pelas pesquisadoras Natalia Emanuel, Banco Federal de Nova York, e Emma Harrington da Universidade de Iowa, mostrou que houve queda na produtividade de trabalhadores de call center que ficaram em trabalho remoto após a pandemia.

Outro estudo, do professor de economia de Stanford, Nicholas A. Bloom, em empresas de callcenter na China, indica que as chances de trabalhadores chineses serem promovidos se trabalharem de casa são menores que 50%.

O professor e urbanista Carlos Ratti, que ensina técnicas urbanas no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), pensa que, a depender de como este retorno for feito, isso pode afugentar talentos.

“Com taxas de desemprego historicamente baixas nos EUA, os trabalhadores têm uma força de negociação muito mais significativa do que no passado e expressaram claramente uma preferência pela flexibilidade”, avalia.

“Um retorno forçado ao trabalho presencial corre o risco de alienar talentos, já que os trabalhadores podem facilmente se mudar para organizações que oferecem melhores condições”, diz. Ele defende que se pense em soluções criativas para que se possa dar conta tantos dos problemas, como das vantagens geradas pelo sistema.

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