Bancos já reduzem limite de crédito para apostadores de bets

VITOR HUGO BATISTA E ADRIANA FERNANDES
SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Os bancos já começaram a reduzir os limites de crédito de clientes que fazem apostas em sites de jogos eletrônicos, conhecidos como bets. As instituições também estudam criar mecanismos para identificar novos clientes que realizam apostas e barrar a concessão de crédito para esse público, segundo apurou a reportagem com fontes ligadas ao setor.

A regulamentação do mercado de bets apresentada pelo Ministério da Fazenda já prevê a proibição do cartão de crédito, mas só começa a vigorar em 1° de janeiro de 2025. As bandeiras já haviam se antecipado e proibiram, desde 1° de outubro, o uso de cartão de crédito como meio de pagamento em apostas e jogos online.

Essa nova estratégia adotada pelos bancos é uma forma de evitar o crescimento da inadimplência dos clientes, que, segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), “é causa de grande preocupação para o setor bancário”.

A reportagem pediu posicionamento dos bancos sobre a política de crédito adotada para os clientes que apostam em bets. As instituições afirmam que acompanham as movimentações financeiras e o comportamento de seus clientes para avaliar riscos de crédito e manter as políticas de risco atualizadas.

Além disso, disseram que adotam uma combinação de critérios para diminuir os limites para garantir a proteção financeira dos clientes.

O processo de identificação envolve equipes de tecnologia, análise de riscos e de crédito.

Os bancos utilizam tecnologia avançada e cruzamento de dados para identificar clientes que realizam apostas e, assim, mitigar riscos financeiros.

Segundo uma fonte do setor, as instituições rastreiam transações de clientes feitas por meio de Pix, cartão de crédito ou débito, para empresas com CNPJs classificados como casas de apostas.

Esses CNPJs são identificados por meio da Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), que as empresas são obrigadas a registrar ao se formalizarem.

Após identificar os clientes que realizam apostas, o banco filtra aqueles que já têm crédito concedido.

Com base nisso, podem reduzir o limite de crédito.

Para novos clientes -que não têm histórico na instituição-, a identificação é mais desafiadora.

Sem dados transacionais prévios, o modelo de concessão de crédito precisa utilizar informações externas, como padrões de consumo em determinados estabelecimentos ou histórico em outras instituições. No entanto, os bancos ainda não têm acesso ao perfil de todas as pessoas que apostam.

Para contornar isso, as instituições têm pleiteado junto ao Banco Central o acesso a uma lista com o nome de todas as pessoas que apostam, com o objetivo de treinar seus sistemas e melhorar a identificação preventiva.

Com uma lista detalhada, os bancos poderiam alimentar seus sistemas de inteligência artificial para identificar padrões comportamentais e financeiros associados a clientes que apostam, segundo informou uma das fontes ligadas ao setor.

Em outras palavras, quando um novo cliente apostador se cadastrar ou abrir uma conta no banco e solicitar crédito, o sistema estará preparado para bloquear a concessão.

Isso permitiria barrar crédito a pessoas com maior probabilidade de inadimplência.
Simulações apresentadas em estudo realizado pela Febraban e obtidas com exclusividade pela reportagem apontaram que a inadimplência dos beneficiários do Bolsa Família pode crescer até 14% com apostas em bets. Considerando os empréstimos tomados por todas as pessoas físicas, o aumento da inadimplência bancária seria de até 27,1%.

No entanto, o acesso a essa lista de apostadores depende de aprovação regulatória do BC, que ainda avalia a confidencialidade e o impacto dessa medida. Caso autorize o envio da lista para um banco, a medida seria estendida a todas as instituições financeiras para garantir equidade.

Enquanto o pedido não é aprovado, os bancos dependem de suas próprias bases de dados e algoritmos para identificar e mitigar os riscos relacionados a novos clientes que apostam.

Segundo Leonardo Pessoa, professor de Direito do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), os bancos devem seguir os princípios do Código de Defesa do Consumidor, como os da transparência, boa-fé e da devida informação.

“Caso essas diretrizes sejam desrespeitadas, como na ausência de aviso prévio ou justificativa clara para a redução do limite de crédito, o consumidor pode alegar danos morais e patrimoniais”, explica.

Se uma pessoa precisar adquirir um bem essencial, como uma geladeira, e for impedida por uma redução arbitrária no limite de crédito, ela pode buscar reparação judicial.

O professor afirma que, em geral, ações desse tipo tendem a ser procedentes, especialmente quando o consumidor consegue demonstrar que houve má-fé ou falta de transparência por parte do banco na redução do limite.

A Febraban afirma que a decisão de conceder, reduzir ou aumentar o limite de crédito depende das políticas individuais de cada instituição, baseadas em variáveis como renda, perfil de consumo e grau de endividamento.

Já a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) informou que não interfere nas políticas de crédito dos emissores, que definem suas estratégias de forma independente e sem orientação direta da associação.

O Itaú Unibanco informou que foi um dos primeiros bancos a incorporar análises relacionadas a apostas online em seus modelos de crédito para proteger o patrimônio de seus clientes.

O Santander afirma não basear a análise de risco em fatores isolados e diz considerar “múltiplos fatores”, além de um “contexto completo” para calcular os riscos de cada cliente.

O Bradesco disse que inclui a frequência e os valores de apostas em bets como parte de seus critérios de análise de risco.

O Banco do Brasil destacou ações de educação financeira, planejamento e controle de gastos, e reafirmou seu compromisso com a ética, a transparência e a promoção de decisões financeiras conscientes.

A Caixa Econômica Federal informou que acompanha as definições do mercado e que monitora as transações de cartões com o objetivo de diminuir eventuais riscos aos seus clientes.

O Nubank disse que acompanha de perto os modelos de crédito para garantir que permaneçam atualizados diante do crescimento de apostas online no Brasil. Reportou ainda que menos de 1% do volume financeiro de PIX é destinado a apostas e que as transações “não se tornaram significativas dentro da base de clientes”, mas que seus modelos de análise já consideram o comportamento de clientes nesse segmento.

O C6 Bank informou que já bloqueia o uso de cartões de crédito para apostas e monitora ativamente as transações financeiras relacionadas ao setor. Disse ainda que a política de gestão de crédito do banco sempre leva em consideração uma série de fatores, como renda, grau de endividamento, perfil de consumo, capacidade de pagamento, histórico de crédito, entre outras variáveis.

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