Putin desafia EUA a duelo para defender Kiev de seu novo míssil

IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O presidente russo, Vladimir Putin, desafiou os Estados Unidos ao que chamou de “duelo tecnológico” entre seu novo míssil balístico e qualquer sistema de defesa antiaéreo de Washington. O palco? Kiev, a capital da Ucrânia.

“Não há como interceptar o míssil Orechnik. Nós queremos conduzir esse experimento. Atingir, digamos, Kiev, com todos os sistemas antiaéreos ocidentais em alerta. Vamos conduzir esse duelo tecnológico, vai ser útil para nós e para os americanos”, disse.

O Orechnik, que em russo significa aveleira e cujo nome de batismo Putin admitiu ser um mistério, virou central na propaganda de guerra russa. Seu emprego em um teste conta Dnipro, em novembro, impressionou analistas: ele emprega ogivas múltiplas como um míssil intercontinental, que podem ser nucleares, e segundo o russo tem alcance de 5.500 km.

Putin respondia a uma questão acerca da possibilidade de os EUA cederem um sistema de defesa de alta altitude THAAD para Volodimir Zelenski, elaborada por um jornalista durante a entrevista coletiva anual do presidente nesta quinta (19).

O evento reúne cerca de 500 jornalistas, alguns estrangeiros, e seleciona alguma das 1,5 milhão de questões enviadas por cidadãos -algumas são lidas ao vivo por telefone ou vídeo.

Há espaço para dissenso, geralmente envolvendo jornalistas ocidentais. Esta foi a vez de Keir Simmons, o principal correspondente internacional da rede americana NBC.

Ao questionar Putin sobre um eventual encontro com o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, dele disse que o russo seria “um líder mais fraco” por ter “fracassado em alcançar seus objetivos na Ucrânia” e por ter visto o ditador aliado Bashar al-Assad ser derrubado na Síria.

Depois de dizer que está pronto para uma cúpula com Trump, “com que não falo há uns quatro anos”, Putin disse que discordava de Simmons “e dos que pagam seu salário, que querem mostrar a Rússia como um Estado fraco”.

Disse então que seu país “é verdadeiramente soberano e está mais forte hoje”. Putin então sapecou uma citação do escritor americano Mark Twain (1835-1910): “Os rumores da minha morte foram altamente exagerados”, afirmou, referindo-se no caso à Rússia, para aplausos da plateia que deveria questioná-lo.

No mais, ele voltou a dizer que está pronto a negociar com Zelenski, insistindo nos seus termos. “A política é a arte da acomodação. O problema é que o adversário se recusou a negociar”, disse, lembrando o acordo quase fechado em Istambul no começo do conflito, segundo ele fracassado porque Kiev foi “convencida por Boris Johnson [então premiê britânico] a lutar até o último ucraniano”.

Ele também comentou o assassinato do comandante das tropas de proteção contra armas de destruição em massa, general Igor Kirillov, morto por um patinete-bomba em Moscou na terça (17), chamando-o de ato terrorista. A Ucrânia admitiu a ação.

Uma das questões em tempo real veio de Kursk, região invadida pela Ucrânia, de onde uma moradora chamada Tatiana questionou Putin sobre “quando ela poderia voltar para casa ou ganhar uma casa nova”.

Depois de dizer que a reconstrução virá, falou sobre a invasão em si. “Não vou dar uma data [para a expulsão dos rivais], mas vai acontecer”, disse ele, pedindo para dois assistentes abrirem uma bandeira da 155ª Brigada de Fuzileiros Navais da Frota do Pacífico, que luta em Kursk, enviada com assinaturas de soldados a Putin.

O presidente foi então confrontado por um dos mediadores, o correspondente de guerra Dmitri Kulko (Canal 1), acerca da queixa de militares sobre pagamento em Kursk, onde o combate não é considerado parte da guerra no vizinho e a remuneração é menor.

De resto, essas entrevistas são um grande palco para Putin expor sua visão sobre os fatos do cotidiano. O próprio nome do evento, Resultados do Ano, entrega seu tom.

Ele é realizado desde 2001 em dezembro, e teve na edição de 2019 seu maior tempo de duração: 4h54min e 1.895 jornalistas presentes. Não ocorreu algumas vezes, como em 2022, quando a Rússia amargava maus resultados na Ucrânia, invadida em 24 de fevereiro daquele ano.

O tom agora é diferente, com Putin exalando confiança. “A situação está mudando drasticamente” em seu favor na Ucrânia, disse, refletindo os avanços desde fevereiro em especial no leste do vizinho. Nesta mesma quinta, mais duas vilas da região de Donetsk foram tomadas.

Putin falou também, como é usual, sobre questões do dia a dia e a economia. Ele afirmou que o crescimento do PIB russo deverá cair de 4% neste ano para no máximo 2,5% em 2025 porque a economia está algo superaquecida e a inflação está em torno de 9%, “o que nos preocupa”. Numa rara reprimenda ao Banco Central, disse que o aumento dos juros para conter isso talvez tenha vindo com atraso.

PODEMOS USAR ARMAS NUCLEARES, DIZ PUTIN SOBRE NOVA DOUTRINA

Putin falou sobre a mudança na doutrina nuclear russa, destacando sua mais importante novidade, a possibilidade de retaliar com a bomba atômica contra países armados com tal equipamento que apoiem algum terceiro Estado a atingir a Rússia.

Em outras palavras, EUA, Reino Unido e França, que autorizaram Kiev a alvejar pontos do território russo com mísseis de mais longo alcance. “Nós acreditamos que podemos usar nossas armas nucleares contra eles”, disse, sem nomear ninguém.

Ele também ressaltou o papel de defende Belarus, onde armas nucleares táticas russas, de uso teoricamente mais limitado, já estão posicionadas desde o ano passado. O míssil Orechnik, que pode carregar ogivas atômicas, também será instalado no vizinho.

“Belarus é um componente importante de nossa nova doutrina [nuclear]”, afirmou. A ditadura de Aleksandr Lukachenko é uma dependência russa na prática.

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