Jeff Tweedy, do Wilco, se diz fã de tropicália e não quer entregar country a Trump

jeff tweedy

LUCAS BRÊDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Quando a banda Wilco subiu ao palco do Popload Festival de 2016, em São Paulo, era tão tarde que o vocalista Jeff Tweedy achou que a plateia já estaria vazia. “Acho que foi o show mais tarde que já fizemos”, diz. “Mas ninguém foi embora, e foi incrível tocar para essa plateia brasileira maluca.”

Naquela ocasião, há oito anos, o grupo tocou também no Circo Voador, no Rio de Janeiro, e no Auditório do Ibirapuera -neste caso, em show para apenas 800 pessoas. Agora, a banda americana de rock alternativo volta ao país para se apresentar no mesmo parque paulistano, desta vez na área externa, como uma das atrações do C6 Fest, em maio.

A relação do Wilco com o Brasil vai além das memórias turvas dos shows. A banda tem entre seus integrantes alguns fãs da música feita por aqui. “Caetano Veloso, Gilberto Gil… tenho um conhecimento bem sólido de um certo período, da tropicália”, diz Tweedy. “Mas não posso dizer que sou o maior fã dentro da banda. [O guitarrista] Pat [Sansone], [o baterista] Glenn [Kotche] e o [guitarrista] Nels [Cline] são verdadeiros especialistas.”

A produção mais roqueira dos Mutantes, conta Tweedy, foi o que mais o influenciou como músico. “A libertação daquele período, a natureza psicodélica daquilo deu numa boa combinação entre música folk e rock -o que tem apelo para mim, porque pegou a música americana e a deixou ainda mais feroz, com um sentido mais moderno. Mas, convenhamos, como alguém pode não gostar de música brasileira?”

Para além de ser o líder de uma banda com sucesso duradouro e respeito da crítica, Tweedy é um apaixonado por música. Criado na pequena cidade americana de Belleville, ele chegou a trabalhar como vendedor de discos numa loja. Foi o amor pelos fonogramas, aliás, que o fez descobrir um mundo muito mais interessante do que a vida pacata de sua família.

O cantor conta essa história em “Vamos Nessa (para Podermos Voltar): Memórias de Discos e Discórdias com o Wilco”, autobiografia que saiu no Brasil em 2020 pela editora Terreno Estranho. Ele se derrete ao lembrar como ficou fascinado pelo The Clash só de ler a resenha de “London Calling” escrita pelo jornalista americano Lester Bangs, antes até de conseguir ouvir a banda.

Tweedy narra no livro, que nos EUA foi um best-seller, como numa cidadezinha do interior ele se sentia tão distante do mundo punk que o Clash representava -talvez como um jovem fã do Wilco em algum país distante. “Me deparei com isso, nossa obra fazendo sentido para alguém num lugar pequeno do Brasil ou, sei lá, do Japão. Mas eu nunca me sentiria confiante o suficiente para esperar que isso acontecesse.”

Seja no Wilco, na banda com o filho Spencer ou na carreira solo, Tweedy diz que faz música sem pensar em quem vai ouvi-lá. Compositor prolífico, ele conta que basta pensar em outras pessoas ouvindo o que ele está criando para a inspiração ir embora.

Na década de 1990, quando começou, Tweedy tinha uma escrita mais direta. Ele passou a experimentar mais com a linguagem conforme as gravações também ficaram mais heterodoxas -o disco “Yankee Foxtrot Hotel”, obra-prima do Wilco, de 2004, é a epítome desse movimento, que começa em “Being There”, de 1996.

“Estava tão ávido para ter coisas novas para cantar que tive que descobrir maneiras de fazer as letras. Não é sempre que você tem algo para dizer”, ele diz. “Algumas músicas chegam para mim de um jeito bem direto e autobiográfico, mas há outras que resultam de um processo de descoberta –um estilo de escrita mais abstrato em que não sei o que aquilo quer dizer, só sinto que parece dizer algo. Amo poder fazer as duas coisas.”

Essa abordagem, de certa forma, espelha também a produção musical do Wilco. No repertório da banda, repleto de melancolia e introspecção, há desde o pop rock mais convencional, com um pé no country e outro no punk, até um folk-rock torto que se desmonta e remonta a partir de dissonâncias e sons não usuais.

Esses dois tipos de Wilco podem coexistir numa mesma música, mas nos últimos anos eles se alternaram entre os álbuns. “Cousin”, lançado no ano passado, e que Tweedy define como um “Wilco gelado”, pela produção da cantora galesa Cate Le Bon, pende para o lado experimental -ou, nas palavras do vocalista, “centrado no estúdio”.

“É como esculpir algo, tentar deixar num formato que soe diferente do que já ouvimos antes. É algo que faz parte dessa banda, passar tempo no estúdio tentando descobrir como podemos soar. Quando uma música chega, há um caminho mais óbvio para ela, e podemos mostrá-la assim, mas por que não tentar coisas diferentes?”

Já “Cruel Country”, disco de 2022, é direto, acústico, espontâneo e foi todo gravado ao vivo. Também tem uma carga política, já que o Wilco reivindica o gênero atrelado à população conservadora do interior dos Estados Unidos -em sua maioria eleitores do atual presidente Donald Trump, que não tem a simpatia da banda.

“Amo meu país, estúpido e cruel”, Tweedy canta na faixa-título. “Sinto a mesma coisa em relação ao country e aos EUA -não pertence a ninguém e é tão meu quanto é de todo mundo”, ele diz.

“O country sempre foi mais conservador que o mundo do rock, enraizado numa América branca e rural. Mas Johnny Cash, Willie Nelson, Kris Kristofferson… um monte de gente que fez country, para mim, são bastiões do progressismo.”

Para Tweedy, tanto o gênero musical quanto o país não deveriam ser “entregues a pessoas de mente fechada que não têm um coração grande o suficiente para abraçar as diferenças”. A eleição de Trump, ele diz, é algo “muito triste e doloroso”.

“Me faz questionar se os EUA são o que sempre acreditei que são, e a resposta provavelmente é não”, ele afirma. “Mas isso não significa que o potencial e a promessa dos EUA não são reais. Não vejo como pode ser bom desistir dessa ideia que nunca alcançamos, mas que ainda vale a pena tentar. É um bom ideal. Tenho dificuldades de perder a esperança, e como acho que tenho habilidade para isso, é meu dever continuar esperançoso.”

Se o país vai mal, na visão de Tweedy, o Wilco nunca esteve tão bem. Para uma “banda pop impopular”, como ele define, o grupo tem uma carreira bastante sólida e goza de plena liberdade criativa, com o próprio estúdio, gravadora, festival e até o equipamento de prensar vinil.

Além disso, são respeitados como ícones do rock alternativo, viajam o mundo para tocar e continuam lançando discos. Até emplacaram diversas músicas na trilha de uma série queridinha, “O Urso”.

No entanto, o vocalista admite, é difícil se manter criativo numa banda por tanto tempo. “Fica mais e mais desafiador achar um jeito de tocarmos juntos que seja novo e excitante”, ele diz. “Mas acho que fazemos um bom trabalho nisso. É algo que ainda importa para nós. Então continuamos botando tempo e esforço para chegar lá. Com o passar do tempo, isso é o mais importante de se preservar.”

Além do Wilco, O C6 Fest, que acontece entre 22 e 25 de maio, também terá shows de Air, Pretenders, Nile Rodgers & Chic e A.G. Cook, entre outros.

C6 Fest 2025
Quando 22 a 25 de maio
Onde Parque Ibirapuera – av. Pedro Álvares Cabral, s/n, Vila Mariana, região sul
Preço A partir de R$ 560
Link https://c6fest.com.br/

PROGRAMAÇÃO DO C6 FEST
Auditório Ibirapuera
Quinta, 22/5

  • Mulatu Astatke
  • Amaro Freitas
  • Septeto
  • Arooj Aftab

    Sexta, 23/5
  • Kassa Overall
  • Brian Blade e The Fellowship Band
  • Meshell Ndgegocello

Arena Heineken e Tenda
Sábado, 24/5

  • Air – “Moon Safari”
  • Pretenders
  • Gossip
  • Perfume Genius
  • Stephen Sanchez
  • A.G. Cook
  • Agnes Nunes
  • Beach Weather
  • Peter Cat Recoring Co.

Domingo, 25/5

  • Nile Rodgers e Chic
  • Wilco
  • Seu Jorge e convidados no “Baile à La Baiana”
  • The Last Dinner Party
  • English Teacher
  • Cat Burns
  • Maria Esmeralda – Thalin, Cravinhos, iloveyouangelo, Pirlo & VCR Slim
  • SuperJazzClub

Adicionar aos favoritos o Link permanente.