Mercosul pode ganhar com disputa entre Trump e China, diz chefe do comércio paraguaio

DOUGLAS GAVRAS
ASSUNÇÃO, PB (FOLHAPRESS)

O Mercosul, cuja estrutura institucional completa 30 anos nesta terça (17), viveu nessas três décadas uma oscilação entre períodos de maior afinidade e proximidade ou de desgaste e irritação, a depender das mudanças de vento na condução dos países que formam o bloco.

Um exemplo recente é o do líder uruguaio Luis Lacalle Pou, que pressionou os demais sócios por abertura para acordos com a China e teve forte oposição do Brasil nisso. A partir do ano que vem, a esquerda volta ao poder no Uruguai, com Yamandú Orsi, o que tende a afiná-lo com o governo do presidente Lula (PT).

Já a Argentina, desde que passou a ser governada pelo ultraliberal Javier Milei, há pouco mais de um ano, tem criticado a estrutura do bloco, que o presidente já definiu como “ultrapassado” e uma “prisão”, por não permitir que os países-membros aproveitem seu potencial de comércio.

No Paraguai, o governo de Santiago Peña e os de seus antecessores costumam expressar a visão de que o grupo tem um papel fundamental na região.

“Para nós, o Mercosul é uma prioridade”, resume Javier Giménez, ministro da Indústria e Comércio do país, em uma entrevista à Folha de S.Paulo na capital paraguaia no início de novembro.

“Sempre falamos em integração, utilizamos o exemplo do nosso relacionamento com o Brasil, e queremos puxar a Argentina para o mesmo lado. Os países do Mercosul precisam estar próximos, mas é preciso se colocar também no lugar dos outros países e considerar as suas dinâmicas internas”, diz.

A origem do Mercosul é o Tratado de Assunção, de 1991, em que os países-membros se comprometeram a formar o bloco. Há 30 anos, em 17 de dezembro de 1994, o Protocolo de Ouro Preto reconhecia sua personalidade jurídica de direito internacional e dava ao grupo competência para negociar acordos.

A dinâmica do comércio internacional passou por mudanças desde a assinatura do protocolo e parece se encaminhar para um período de maior protecionismo a partir do ano que vem, com a volta de Donald Trump à Casa Branca.

Giménez aponta que a perspectiva de um novo conflito tarifário dos Estados Unidos com os países asiáticos pode abrir uma janela para o Mercosul.

“Se o mundo se polariza e os Estados Unidos deixam de comprar dessas fábricas da China, é uma oportunidade para nós, com o ‘nearshoring’, ou ‘friendshoring’ [priorizar o comércio com países próximos e aliados]”, afirma.

O ministro avalia que os países com maior oportunidade da região são o México, o Brasil e os demais sócios do bloco, incluindo o Paraguai.

“O mundo está, lamentavelmente, ficando polarizado, mas também significa uma oportunidade que a gente tem de aproveitar -e fincar uma bandeira de que aqui tem uma região estável, competitiva.”

Os paraguaios conquistaram o grau de investimento neste ano. A expectativa é de que o país cresça acima da média da América Latina (alta de 3,8% para o Produto Interno Bruto, ante os 2,1% esperados para a América Latina, segundo o Fundo Monetário Internacional).

“A gente compete na política, mas há questões que a gente já determinou que precisam de tempo e que, independentemente do signo político, têm de continuar, como o controle das contas do governo”, diz o ministro, que reforça a importância de atrair investimentos dos demais parceiros do bloco, sobretudo o Brasil.

No início de dezembro, Mercosul e União Europeia (UE) anunciaram a conclusão das negociações e a consolidação do texto final do acordo de livre-comércio após mais de 25 anos.

Na última sexta-feira (13), Giménez afirmou que, a partir do acordo com os europeus, tem início um processo de construção da relação comercial entre os blocos. “As tarifas irão diminuir progressivamente.”

Ele destaca que tenha sido suprimida do acordo econômico qualquer menção ao Regulamento da União Europeia sobre Desmatamento (2023/1115), legislação que estabelece critérios para a importação de produtos agrícolas.

“Vemos com bons olhos este acordo no Paraguai, porque se cria o maior bloco econômico do mundo: para o Mercosul são 450 milhões de habitantes, para a União Europeia são mais de 270 milhões de pessoas, criando assim um espaço superior a 720 milhões de consumidores em ambos os blocos.”

Parte desta reportagem foi realizada em viagem a convite da Rediex, agência de Atração de Investimentos do Paraguai, e da Câmara de Comércio Paraguai-Brasil

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