Dengue: protocolo de testagem nos bancos de sangue para verificar se doações estão contaminadas deve ser mudado, alerta estudo

Em 2024, Brasil teve recorde de casos da doença: mais de 6,5 milhões até outubro. Equipe de infectologistas alerta para a mudança no protocolo de testagem dos bancos de sangue
Um estudo de infectologistas alerta para a necessidade de mudar o protocolo de testagem nos bancos de sangue para verificar se as doações estão contaminadas com o vírus da dengue.
A notícia da morte do irmão pegou a auxiliar de limpeza Zélia Soares Pereira no meio da madrugada – e quando ela achou que o pior já tinha passado. Sílvio, de 44 anos, tinha superado a pior fase de um câncer nos ossos. Estava internado em São Paulo, se recuperando bem do transplante de medula. Até que veio a dengue. Zélia questionou o médico:
“Ele falou que estava um surto de dengue e que todo mundo estava pegando. Só que eu falei: ‘Como aqui dentro? Em um hospital todo fechado, no ar-condicionado sempre no 15º C?’. Porque tinha que ser uma temperatura muito baixa, não se abria nada. E ele não soube explicar”, conta.
Em 2024, o Brasil teve recorde de casos de dengue: mais de 6,5 milhões até o começo de outubro – inclusive nos ambientes controlados dos hospitais.
A equipe do doutor Marco Aurélio Sáfadi investigou a rota da transmissão em duas unidades pediátricas de terapia intensiva. Foram seis casos. Entre as quatro mortes, bebês com menos de 1 ano e um jovem de 17. O estudo foi publicado na revista científica “The Lancet”. O texto diz que evidências sugerem uma via de transmissão preocupante: a da transfusão de sangue. Todos os pacientes eram crianças que receberam múltiplas transfusões após cirurgias cardíacas para tratar doenças congênitas, durante o pico da epidemia de dengue.
O médico lembra que o sangue dos doadores passa por exames sorológicos para identificar infecções, mas que a dengue não é uma delas.
“Não há nenhum equívoco no manejo nesses casos e, vamos dizer, não foi feito nenhum erro em relação a essa condução. Nosso estudo é um alerta à comunidade científica e autoridades sanitárias para que essa metodologia, essa triagem que é feita, seja revista”, diz Marco Aurélio Palazzi Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.
No auge da epidemia, o risco de coletar sangue contaminado com o vírus da dengue aumenta porque nem sempre o doador sabe que está doente. Os sintomas demoram alguns dias para aparecer e, muitas vezes, nem aparecem. Por isso, o único jeito de evitar a transmissão da doença via transfusão é testar o sangue coletado.
O coordenador do Comitê de Doenças Transmissíveis por Transfusão da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular é a favor da mudança no protocolo. Ele explica que a testagem, no caso da dengue, deve ser molecular e não por detecção de anticorpos.
“Em vez de buscar o anticorpo, eu busco o material genético do vírus no teu sangue. Ele tem o material genético do vírus no sangue, ou seja, ele estando infectado, eu vou detectar”, explica José Eduardo Levi, coordenador do Comitê de Doenças Transmissíveis por Transfusão da ABHH.
Em nota, o Ministério da Saúde, que determina as diretrizes de testagem, informou que, em parceria com Bio-Manguinhos/Fiocruz, está avaliando estratégias para minimizar esse risco, diante de relatos de possíveis casos de transmissão transfusional. A Fiocruz informou que a viabilidade técnica, econômica e logística da testagem molecular está em processo de avaliação.
“Essa tecnologia de testagem é uma tecnologia hoje que está a perfeito alcance das nossas indústrias, inclusive aqui no Brasil. Então, é uma implementação exequível, possível e necessária”, afirma Marco Aurélio Sáfadi.
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