Mostra conta como Oswald de Andrade revolucionou toda a arte feita no Brasil

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MATHEUS ROCHA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

“Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval”, escreveu Oswald de Andrade em seu célebre “Manifesto Antropófago”, texto que inaugura aquilo que o poeta Augusto de Campos descreveu como a única filosofia original brasileira.

Seu projeto estético pode ser visto na mostra “Ocupação Oswald de Andrade”, em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, com imagens, manuscritos e objetos pessoais que mostram como o artista subverteu a ordem de um fazer literário ancorado na rigidez parnasiana em voga no começo do século 20.

Oswald preferia palavras coloquiais a termos rebuscados e versos concisos e cheios de humor em vez da métrica perfeita.

“Ele era profundamente carnavalizante, por sempre propor uma visão anárquica, misturando num mesmo caldeirão figuras como Nietzsche, Freud e Marx”, diz o escritor e jornalista Lira Neto, que lançará no ano que vem uma biografia sobre o autor, pela Companhia das Letras, e também foi consultor da mostra.

A personalidade irreverente do escritor se faz sentir nas paredes da ocupação, tingidas com cores chamativas, como verde, vermelho e laranja, numa alusão ao seu vestuário, que fugia da neutralidade cromática, segundo Neto.

“As pessoas estavam acostumadas com tons pastel em tudo, inclusive na vida e na literatura”, diz. “A mostra precisava ser tão colorida quanto o próprio Oswald. Ele se vestia de forma provocativa. Tudo nele era provocação.”

Há quem considere que a maior ousadia do artista aconteceu em 1922, quando ele ajudou a organizar a Semana de Arte Moderna. Realizado no Theatro Municipal de São Paulo, o evento teve a participação de personalidades como Anita Malfatti, Emiliano Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Mário de Andrade e Heitor Villa-Lobos.

Ao longo de três noites, o público teve contato com palestras, leituras de textos literários, concertos e uma apresentação de dança. Lira diz que Oswald teve papel central nesse movimento, mas que o autor não pode ser reduzido a ele.

“Oswald foi um pensador e um intérprete do Brasil que ousou pensar a sociedade de forma antropofágica.”

O jornalista faz referência ao “Manifesto Antropófago”, texto que o artista publicou em 1928, dando início a uma corrente artística que almejava deglutir produtos culturais de outros países e traduzi-los para a realidade nacional.

A ideia era incorporar o melhor da influência estrangeira sem, no entanto, ignorar o que é produzido no país. Aliás, é desse manifesto a frase “tupi, or not tupi that is the question”, aforisma que está estampado em uma das paredes no Itaú Cultural.

Essa nova proposta estética usava como metáfora e inspiração a prática ameríndia de devorar o guerreiro mais valente entre os inimigos durante rituais sagrados. Sob essa lógica, a pessoa que devora não perde sua identidade, mas se fortalece ao adquirir as qualidades do oponente.

Segundo Neto, essa proposta espelha “a velha discussão entre nacional e universal ou popular e erudito”, que ele considera “ultrapassada quando podemos ser ao mesmo tempo universais e nacionais, eruditos e populares”.

Esse movimento serviu como referência para as vanguardas artísticas dos anos 1960. A tropicália talvez seja o exemplo mais emblemático disso ao incorporar nas canções os acordes de guitarra, instrumento associado ao rock anglo-saxão.

Um dos expoentes do tropicalismo, Caetano Veloso entrou em contato com os ideais oswaldianos após assistir à primeira montagem de “O Rei da Vela”, no Teatro Oficina, em 1967.

Na peça, publicada 30 anos antes do espetáculo, o artista satiriza a burguesia brasileira ao narrar a história de Abelardo 1º, um arrivista que tenta fazer fortuna com uma fábrica de velas quando as empresas de energia elétrica fecham.

A montagem representou um ponto de inflexão na arte brasileira não só por inaugurar outra linguagem teatral, mas também por resgatar a produção de Oswald, que morreu no ostracismo. Não à toa, a exposição traz peças ligadas ao espetáculo, como imagens, cartazes e um vídeo que mostra a encenação.

Há ainda uma reportagem sobre a peça que a Folha publicou em 1967. Intitulado “Redescoberto Oswald de Andrade”, o texto diz que o autor havia sido lançado no esquecimento pela falta de publicação de suas obras e “por um certo congelamento a ele imposto pela maioria dos intelectuais brasileiros”.

Essa falta de boa vontade em relação a Oswald, diz Neto, se deu pelo caráter subversivo de seu trabalho, que desagradava os mais conservadores. Foi isso o que aconteceu quando ele lançou o livro de poemas “Pau-Brasil”, em 1925.

A obra desafiou os puristas ao propor uma linguagem poética concisa e próxima da oralidade, com elementos visuais ao lado dos versos, algo que inspirou a poesia concreta dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos mnos anos 1960.

O autor também escreveu romances experimentais, como “Memórias Sentimentais de João Miramar”, de 1924, e “Serafim Ponte Grande”, de 1933, cujas primeiras edições compõem a mostra.

“Ele mexia nos textos até fazer com que chegassem ao limite do incompreensível, de tão experimentais que eram.”

Segundo Neto, Oswald não estava à frente de seu tempo, mas consciente o bastante da época em que vivia para saber que era hora de uma renovação.

“Como o calendário das outras pessoas caminhava mais devagar, foi preciso alguns anos para que ele pudesse ser compreendido e retirado do ostracismo”, diz o jornalista, para quem Oswald segue atual. “Ele é um personagem que tem muito a nos dizer sobre o mundo contemporâneo.”

Opinião parecida tem Carlos Gomes, curador da exposição no Itaú Cultural. Ele diz que a mostra ajuda a manter viva a contribuição de Oswald para a arte brasileira. “Não podemos deixar cair no esquecimento um artista que buscava ter uma relação tão profunda com a brasilidade.”

OCUPAÇÃO OSWALD DE ANDRADE
– Quando Ter. a sáb., das 11h às 20h; dom. e feriados, das 11h às 19h. Até 23 de fevereiro
– Onde Itaú Cultural – avenida Paulista, 149, São Paulo
– Preço 12 anos
– Classificação Livre

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