Consciência Negra: pesquisadora defende que tradição das tranças deveria ser patrimônio imaterial do DF

img 0844

Por Ana Clara Mendonça, Lucas de Moraes e João Carvalho
Agência de Notícias CEUB

Em meio a tradições perdidas, a trança precisa ser pensada como uma cultura enraizada no território do Distrito Federal, aponta a pesquisadora Layla Maryzandra, de 41 anos. Ela defende que a tradição das tranças deveria ser incluída como patrimônio imaterial do Distrito Federal.

Ensinada pela mãe e avó, Layla defende a trança como um modo de vida e não moda. Para ela, as tranças comunicam sobre as identidades de territórios específicos, particularmente na periferia. Para ela, as trancistas reproduzem a cultura ancestral preta, o trançar traz de volta às origens africanas, reforça os vínculos entre passado e presente no Brasil.

“A trança gera resgate de poder, resistência e identidade”, diz

Mais do que sobre o território, ela aponta que as trancistas são detentoras de saberes ancestrais, possibilitam o futuro da profissão e a permanência de culturas. Para Layla, é importante que essas profissionais percebam e valorizem o que elas fazem enquanto cultura.

Tranças como resistência cultural no DF

Layla Maryzandra afirma que o ofício de trançar a inspirou para a pesquisa “Tranças no Mapa”. 

Para além de mapas geográficos, a proposta é traçar um mapa afetivo, no qual as memórias de vida das trancistas se entrelaçam, formando uma rica história sobre a cultura afro-brasileira no DF. 

O projeto revela a importância das tranças como um elemento primordial da identidade preta, não só um meio de identificação cultural, mas também um aumento da autoestima e resgate ancestral.

O “Mapa de Distribuição Socioespacial de trancistas negras no DF” evidencia a concentração das profissionais negras nas periferias do Distrito Federal, destacando questões sociais e econômicas.

A pesquisadora evidencia a relação entre as trabalhadoras e as periferias. “É uma cultura que faz parte de territórios negros, que ali se capilariza e permanece. Inclusive no Distrito Federal, onde as pessoas negam a história negra da cidade. Não é à toa que não vemos tantas trancistas no Plano Piloto, Lago Sul, Jardim Botânico. Elas são de outros lugares, das periferias.”

Salão

Uma das trancistas é a empreendedora Kauana da Silva, de 26 anos, crescida em meio aos cabelos sintéticos nos salões de beleza de Sobradinho, é dona do salão Beleza Afro, junto à mãe, Iara da Silva.

A empreendedora aponta que a intenção é que o espaço seja acolhedor. Um lugar com representatividade, onde o cliente é atendido por profissionais que também são negros.

Para ela, a distribuição socioespacial de trancistas no DF está relacionada à renda.

“A maioria das trancistas trabalha na periferia por uma questão de dinheiro. Se sustentar no centro de Brasília é muito caro. Eu me coloquei no Plano Piloto para poder atender as pessoas de todas as redondezas, já que a maioria dos clientes também vem das Regiões Administrativas. Mas é importante valorizarmos as trancistas fixadas nas Cidades Satélites”, defende a empresária.

Autoestima

Para os homens também, usar tranças é um ato consciente de resgatar a autoestima e reafirmar sua ancestralidade. Essa prática está diretamente ligada à luta contra o racismo e ao reforço da identidade afro-brasileira. 

Pedro, de 19 anos, conta do orgulho que a mãe sentiu ao vê-lo não ter vergonha do próprio cabelo. 

“Na escola particular a galera me olhava diferente, lá já não estão acostumados com preto, muito menos com preto de trança na cabeça. Mas foi a primeira vez que minha mãe me viu não tendo vergonha do meu cabelo, foi muito bom vê-la com orgulho de mim”, diz o jovem.

Além disso, a estudante de veterinária Cristiane Pires, 21 anos, fala sobre o medo do preconceito e a identificação com as tranças.

“Eu nunca tinha trançado o cabelo porque tinha medo do que os outros iriam pensar.  Mas agora, com as tranças, eu me sinto mais bonita e feliz. Me identifiquei com elas.”

Já para a trancista Ludmilla Oliveira, a atividade é um símbolo de resistência. “O cabelo afro é também uma afirmação das nossas raízes. As tranças têm uma importância gigantesca”.

“Vai muito além de ser só um penteado. É também um símbolo histórico de resistência”, diz Ludmila

o cabelo afro e os penteados que o valorizam assumem um papel político. Eles se tornam um ato de afirmação de identidade em um país que, muitas vezes, impõe um padrão de beleza distante da realidade da população negra.

“O uso natural deles, é uma forma de valorizar a autoestima de pessoas negras e também de reafirmar a cultura diversa que a gente tem aqui no Brasil.”, explica Ludmilla.

Com o passar do tempo, movimentos sociais e culturais, como o movimento black power e o rastafári nas décadas de 1960 e 1970, ajudaram a resgatar a autoestima da população negra, incluindo a aceitação e valorização do cabelo afro.

Hoje, essa luta continua, não apenas contra os padrões de beleza, mas também pela ampliação de direitos e pela visibilidade e representatividade de pessoas negras em diferentes espaços sociais, políticos, religiosos e econômicos.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.