Dólar fecha em R$ 5,91, maior valor nominal da história, em reação a aumento da isenção de IR

TAMARA NASSIF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O dólar disparou 1,81% nesta quarta-feira (27) e fechou cotado a R$ 5,913, o maior valor nominal da história. O recorde anterior era de R$ 5,905, atingido em 13 de maio de 2020, no estouro da pandemia de Covid-19.

A máxima nominal histórica desconsidera a inflação do cálculo.

O movimento no câmbio foi em reação à notícia de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai fazer um pronunciamento em cadeia nacional para anunciar a elevação da faixa de isenção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) para R$ 5.000.

Na transmissão, prevista para ir ao ar às 20h30, Haddad também deve explicar o pacote de corte de gastos que vem sendo costurado pela Fazenda nas últimas semanas.

A notícia, veiculada às 13h45, fez efeito imediato no dólar. Então cotada a R$ 5,83, com o mercado à espera das medidas fiscais, a moeda norte-americana foi a R$ 5,90 em poucos minutos. Na máxima da sessão, às 15h50, chegou a R$ 5,929.

Já a Bolsa despencou 1,73%, aos 127.668 pontos.

O aumento da faixa de isenção, confirmado pela Folha de S.Paulo, é defendido por integrantes do governo como contraponto político a medidas do pacote que atingirão benefícios sociais.

Interlocutores da equipe econômica apostam na medida como uma maneira de aplacar o impacto negativo do pacote sobre quem recebe o salário mínimo.

A espera pelo pacote fiscal completa um mês nesta semana. Prometidas para depois das eleições municipais, que acabaram em 27 de outubro, as medidas -e a expectativa prolongada- têm pautado os ânimos dos investidores.

A notícia envolvendo o IR, para o mercado financeiro, “demonstra falta de comprometimento do governo com a situação fiscal do país”, diz Thiago Avallone, especialista em câmbio da Manchester Investimentos.

“Todo mundo está aguardando o anúncio do pacote para entender aonde vão as contas públicas, de onde sairão os cortes, e o governo continua pensando em medida populista. Ele diz que vai cortar o aumento do salário mínimo, que é o que se espera, e, com a outra mão, vai isentar o IR para quem ganha até R$ 5.000.”

A faixa de isenção hoje é de dois salários mínimos (R$ 2.824). No PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2024, não há previsão nem mesmo de reajustar a faixa de isenção com o aumento do salário mínimo já previsto.

A correção da tabela é uma promessa de campanha de Lula, que cobra a medida de Haddad desde o início do governo.

A expectativa é que a ampliação da faixa de isenção traga um impacto negativo de R$ 40 bilhões no Orçamento, diz André Valério, economista sênior do Inter.

“Isso neutraliza as expectativas de redução de gastos que estavam sendo esperadas pelo mercado e alimenta temores de que o governo federal não irá corrigir o desequilíbrio fiscal existente, além de gerar impulso fiscal adicional que não é bem-vindo no contexto atual de uma atividade econômica aquecida.”

O anúncio de pronunciamento também repercutiu no mercado de títulos do Tesouro Direto, que suspendeu as negociações por cerca de 1h30 em meio à alta volatilidade.

As medidas de contenção de gastos endereçam temores do mercado sobre a sustentabilidade do arcabouço fiscal, o conjunto de regras que visa o equilíbrio das contas públicas do país.

Para os agentes financeiros, é preciso ajustes na ponta das despesas, e não só reforços na arrecadação, para diminuir a dívida pública.

“É difícil entender a lógica usada na administração das contas públicas, que é a do populismo. É incoerente. O governo precisa equilibrar as contas, e a arrecadação já é recorde, então só precisa cortar gastos. Daí ele vai prejudicar a arrecadação, aumentando a isenção do IR, e não traz nada efetivo sobre o corte de gastos”, afirma Denis Medina, economista e professor da Faculdade do Comércio.

O pacote foi prometido ainda em meados de outubro pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), e a expectativa dos agentes econômicos têm crescido desde então.

Os sucessivos adiamentos desgastaram a imagem de Haddad ao evidenciarem as dificuldades políticas para estruturar o plano, de acordo com representantes de setores econômicos ouvidos pela reportagem.

A demora elevou a pressão por medidas que sejam robustas e tenham números críveis, o que deve ser ainda mais cobrado se o aumento da isenção do IR se concretizar.

O tamanho do corte é estimado por integrantes do governo em R$ 70 bilhões -entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões em 2025, e de R$ 40 bilhões em 2026.

Até terça, porém, negociações ainda não concluídas sobre ajustes nas regras de Previdência dos militares impediam que um número fosse cravado.

Além dos benefícios dos militares, dentre as medidas que devem ser anunciadas estão mudanças para limitar os ganhos do salário mínimo. Também está em discussão o fortalecimento de ferramentas antifraude em benefícios sociais, como o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que é pago a idosos ou pessoas portadoras de deficiência de baixa renda.

“O que pega mal é que você está trabalhando há séculos em um pacote para mostrar responsabilidade fiscal, aí praticamente explode o pacote quando vem essa notícia. Tira o foco e divide as atenções”, diz Daniel Leal, estrategista de renda fixa da BGC Liquidez.

Em resposta, o real foi na contramão das principais moedas globais nesta sessão, que apresentaram fortes ganhos em relação ao dólar.

No índice DXY, que compara a divisa norte-americana a uma cesta de outras seis moedas fortes, a queda foi de 0,72%. O mercado internacional respondeu a uma bateria de dados econômicos dos Estados Unidos, de olho nos próximos passos do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA).

O PCE (índice de preços de consumo pessoal, na sigla em inglês) veio em linha com o esperado pelo mercado. Indicador favorito do Fed para inflação, ele mostrou uma aceleração de 0,2% em outubro ante o mês anterior. No ano, subiu para 2,3% -em setembro, estava em 2,1%.

Já a segunda estimativa do PIB (Produto Interno Bruto) do terceiro trimestre, divulgada mais cedo pela manhã, não mostrou alterações em relação à primeira leitura, confirmando que a economia norte-americana cresceu 2,8% em relação ao mesmo período do ano passado.

Na ferramenta CME Fed Watch, as chances de um corte de 0,25 ponto percentual na próxima reunião marcavam 66,3%; as de manutenção no atual patamar de 4,50% e 4,75% reuniam as apostas restantes.

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