Ministra francesa reprova acordo UE-Mercosul, mas adota tom conciliador sobre Brasil

Annie Genevard

ANDRÉ FONTENELLE
PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS)

A ministra da Agricultura da França, Annie Genevard, tentou apaziguar nesta quarta-feira (27) a polêmica entre seu país e o Brasil por causa da possível assinatura do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul.

“Aproveito a ocasião para tranquilizar nossos parceiros da América Latina. Não queremos recolocar em causa a relação que, pela sua profundidade histórica, une nossos continentes”, disse Genevard em discurso no plenário do Senado francês, que realizou sessão para debater o acordo.

No entanto, a ministra reiterou a posição francesa, oposta à assinatura do texto -que pode ocorrer na semana que vem durante a cúpula do Mercosul em Montevidéu.

O acordo é criticado pelos agricultores franceses, que desde a semana passada protestam bloqueando estradas. Ele cria cotas livres de tarifas para a entrada de produtos do bloco sul-americano na União Europeia, como a carne, em troca de redução recíproca para a importação de automóveis e outros produtos europeus.

Pouco antes de discursar, em entrevista ao canal de TV do Senado francês, Genevard disse compreender a reação do governo brasileiro às críticas feitas por políticos franceses aos produtos do Mercosul -sobretudo a carne brasileira, acusada de ser produzida à custa de desmatamento e uso de antibióticos, hormônios e pesticidas proibidos na União Europeia.

“Da parte dos brasileiros, há uma reação de defesa do orgulho nacional, quase. Mas não há da parte da França uma estigmatização dos países da América do Sul, que são países amigos”, afirmou a ministra.

Genevard comentou ainda, em tom cauteloso, sem citar nominalmente o Carrefour, a nota oficial divulgada na véspera pela empresa, encarada como um recuo em relação à decisão de suspender a venda de carne do Mercosul nos supermercados franceses.

“O grupo em questão deve ter se dado conta de que é um fio da navalha”, disse a ministra, referindo-se à dificuldade do Carrefour em conciliar seus interesses na França e no Brasil.

Na terça-feira (26), a Assembleia Nacional francesa rejeitou o acordo, por 484 votos a 70. A votação só teve significado simbólico, uma vez que o texto é negociado entre os blocos comerciais e aprovado sem passar pelos parlamentos nacionais.

A sessão da Assembleia foi marcada por discursos duros contra o Mercosul.

O deputado Vincent Trébuchet, de direita, afirmou que os pratos dos franceses “não são latas de lixo”. A conta do deputado no Instagram foi invadida por brasileiros, a esmagadora maioria indignados com a declaração.

O presidente Lula fez referência ao discurso de Trébuchet nesta quarta-feira, na abertura do encontro nacional da indústria, em Brasília: “Eu quero que o agronegócio continue crescendo e causando raiva num deputado francês que hoje achincalhou os produtos brasileiros.”

No debate desta quarta, os senadores franceses, assim como os deputados na véspera, pintaram um retrato de um Brasil onde carne e milho são produzidos em condições inaceitáveis.

O senador Yannick Jadot, ecologista, chegou a acusar o Brasil de usar “trabalho forçado” na produção de carne: “Quem já visitou um abatedouro no Brasil [constatou] condições absolutamente dramáticas de sofrimento animal, sabendo que muitos trabalhadores são forçados neles, é o trabalho forçado no Brasil”.

Lembrou ainda que, “quando Bolsonaro esteve no poder, ele não só incendiou a Amazônia para o agronegócio: autorizou vários pesticidas extremamente perigosos, e [Javier] Milei certamente fará o mesmo [na Argentina].”

O comunista Fabien Gay também criticou Milei, mas elogiou o atual presidente brasileiro: “Enquanto o presidente Lula rompeu com a linha de seu antecessor em relação ao meio ambiente, o presidente Milei afirma que o aquecimento do clima é uma mentira”.

Gay acusou o “setor agroindustrial” brasileiro de desrespeitar os direitos dos “povos autóctones” e privar de terras 4 milhões de “pequenos camponeses”

O Senado também fez uma votação simbólica e rejeitou o acordo por 338 votos contra 1.

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