Chapada do Araripe deve perder o equilíbrio ambiental com o aumento do desmatamento, dizem especialistas


Em 2023, quase 6 mil hectares foram desmatados da Área de Proteção Ambiental inserida nos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Chapada do Araripe: Somente no ano de 2023, foram 5.900 hectares desmatados
Arquivo Pessoal
Criada há 27 anos, a Área de Proteção Ambiental da Chapada do Araripe sofre com o crescimento do desmatamento. É o que afirmam dados do ICMBio, MapBiomas e Programa Brasil Mais sobre a área que abrange os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Somente no ano de 2023, foram 5.900 hectares desmatados. Para os órgãos fiscalizadores, um ano considerado preocupante em termos de desmatamento.
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Já neste ano de 2024, a expectativa é de que haja uma redução desses números, mas a média prevista é de 500 hectares desmatados mensalmente.
“Vai variando ao longo do ano, mas a gente tem observado uma crescente expansão urbana em alguns municípios. E a outra expansão é a agrícola, a agropecuária, de maneira geral, que tem se desenvolvido aqui nessa região”, afirma o Chefe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no Araripe, Carlos Augusto Pinheiro.
A Área de Proteção Ambiental da Chapada da Araripe é uma unidade de conservação federal de uso sustentável que permite propriedades privadas, atividades agrícolas, atividades industriais e cidades. Ao mesmo tempo, o principal intuito é a proteção da biodiversidade local e principalmente dos recursos hídricos da região.
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Carlos Augusto reforça a importância da fiscalização das áreas que são desmatadas de forma irregular, que não têm autorização para serem utilizadas.
“A gente tem reforçado a necessidade desse aumento da fiscalização. Temos que agregar os órgãos fiscalizadores, cada um com as suas instâncias e competências para atuar nessa região e junto aos municípios para que a gente possa coibir práticas ilegais e que as comunidades se envolvam nesse olhar de sustentabilidade para a região, no objetivo de conservar nossa biodiversidade e os serviços ecossistêmicos”, diz o chefe do ICMBio Araripe.
Desequilíbrio ambiental
Chapada do Araripe deve perder o equilíbrio ambiental com o desmatamento.
Arquivo pessoal
Segundo dados do Relatório Anual de Desmatamento (RAD 2023) do MapBiomas, o Brasil perdeu 1.829.597 hectares de vegetação nativa em 2023. Para o professor de engenharia ambiental do IFCE, Basílio Silva Neto, a preocupação não é apenas a perda da paisagem, mas um desequilíbrio ambiental.
“A gente tá perdendo todo um equilíbrio ambiental que foi gerado durante a evolução daquela área. A natureza tem uma série de conjunções que foi construída durante muito tempo, toda essa cobertura vegetal. Essa conjunção está dentro do contexto de solo, clima e relevo. E essas interações geram paisagens únicas”, diz o professor.
Ele chama atenção, inclusive, para a perda de áreas que podem também oferecer valores econômicos. “Então você está desmatando áreas imensas com até 500 hectares e você não sabe que tipo de vegetação que tinha naquele local ou que essências. Você poderia fazer uma extração racional daquilo. Nós podemos estar perdendo muito em produtos orgânicos que poderiam ser gerados para a indústria farmacêutica. Temos que garantir a geração de renda, mas com a conservação do meio ambiente e com a valorização dos hábitos culturais e principalmente de forma equitativa, para que toda a sociedade venha a se beneficiar com isso”, diz Basílio.
Outra questão abordada pelo pesquisador é a das queimadas, agravadas pelas mudanças climáticas. Preocupação também de ao menos 42% dos brasileiros que foram impactados pelos incêndios florestais deste ano, de acordo com uma pesquisa Datafolha.
“O ar está ficando muito seco. Você está perdendo energia naquela vegetação que você tá queimando. Você tá perdendo diversidade, destruindo o solo, ele vai ficando infértil. E é aí que você tem uma agricultura que a gente chama de agricultura itinerante. Você desmata até a exaustão dessa terra e depois vai para outra área”, diz o engenheiro ambiental.
“Há um grande risco de desertificação, como a gente já vê no sertão. Quando você retira a vegetação, você está mudando a condição do solo de infiltrar água, o que vem a comprometer a recarga dos aquíferos no vale. A questão do desmatamento na APA necessita atualmente de uma racionalização de políticas públicas, porque o sistema de monitoramento através do sensoriamento remoto, imagens de satélite, ele já nos não uma visão muito clara. A gente já sabe a situação, cabe agora políticas públicas para que a gente consiga dar um equilíbrio do uso dessa área tão importante”.
Fiscalização
Chapada do Araripe deve perder o equilíbrio ambiental com o aumento do desmatamento.
Dentro do Estado do Ceará, a APA Araripe abrange 15 municípios: Abaiara, Araripe, Barbalha, Brejo Santo, Campos Sales, Crato, Jardim, Jati, Missão Velha, Nova Olinda, Penaforte, Porteiras, Potengi, Santana do Cariri e Salitre.
Entre as atuações que ocorrem dentro desses municípios, há um projeto do Ministério Público chamado APA Regular, que desenvolve estratégias de fiscalização do avanço imobiliário e do desmatamento para fins agrícolas dentro da APA Araripe e também busca reconhecer a importância que a unidade de conservação desempenha no combate às mudanças climáticas, para minimizar os problemas socioambientais da região cearense que abrange essa unidade de conservação.
Outro objetivo é mapear todos os órgãos fiscalizadores, para que haja uma melhoria das ações já existentes e fortalecer a causa ambiental que tanto interfere na vida dos moradores das áreas próximas à APA Araripe.
“Um dos objetivos é que as promotorias dessas cidades abram procedimentos administrativos e emitam recomendações. Como por exemplo, aos cartórios de registro de imóveis nas cidades, para que esses cartórios, diante de qualquer suspeita de irregularidade em inscrição de loteamento ou parcelamento de solo urbano dentro da área da Chapada, comuniquem ao Ministério Público”, afirma o promotor de Justiça, Thiago Marques, coordenador do projeto.
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Ainda dentro do projeto, existe uma recomendação para que os municípios criem conselhos ambientais ou grupos específicos voltados ao meio ambiente.
“Quando houver algum tipo de agressão mais forte no território da Chapada, como um desmatamento irregular, ou um loteamento irregular, uma ameaça a alguma fonte ou manancial de água, isso puder ser comunicado ao Conselho, para que o conselho faça também uma deflagração. A gente tenta conseguir uma aproximação maior entre esses órgãos e os órgãos fiscalizadores como ICMBIO, Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e as próprias secretarias de meio ambiente”, diz Thiago Marques.
As cidades de Araripe, Barbalha, Crato, Jardim e Salitre são as que já possuem secretarias de meio ambiente que atuam como órgãos fiscalizadores junto ao Ministério Público.
“A gente tenta fortalecer essa intercomunicação que lá na frente vai fortalecer a fiscalização nos demais municípios, para que haja essa aproximação. No Crato nós já fizemos algumas operações em conjunto com o ICMBIO, SEMACE. Estamos desenvolvendo também uma série de oficinas com os conselhos municipais dessas cidades para poder explicar esse projeto. Constatando que há ineficácia de atuação fiscalizatória, contributiva para otimização dos potenciais destas áreas, o projeto pretende, no âmbito dos municípios cearenses que integram a APA Chapada do Araripe, mapear os principais instrumentos de fiscalização existentes, com o fim de estabelecer a efetividade e racionalização destes meios de vigilância”, conta Thiago Marques.
Ação Civil Pública no Crato
Reunião com órgãos fiscalizadores na região da Chapada do Araripe.
Arquivo pessoal
Entre as atuações do Ministério Público voltadas à fiscalização dentro da APA, está a ação civil pública contra Prefeitura do Crato, pela implementação da Lei Municipal nº 3.852/2021, que instituiu o Distrito Turístico dos Visgueiros. De acordo com o documento, a lei transformou grande parcela da zona rural do município em área urbana especial, a fim de permitir a exploração imobiliária desenfreada, sem a fiscalização necessária para impedir prejuízos à fauna e à flora da região.
O promotor de Justiça Thiago Marques, autor da ação, destacou que a lei aprovou intervenções urbanas. O crescente número de empreendimentos dentro da APA Araripe pode trazer prejuízos à área, com danos irreversíveis, como a contaminação do lençol freático, a extinção de espécies de animais e degradação da flora, além da invasão da área protegida da Floresta Nacional do Araripe. O documento cita também que é preocupante o aumento de diversos tipos de poluição.
O Ministério Público reforça na ação que é preciso proibir atos administrativos da Prefeitura Municipal do Crato que permitem novas intervenções na região e que seja fortalecida a fiscalização e adequação das mudanças irregulares realizadas na área.
Após decisão judiciária, foram suspensos os efeitos da lei municipal e determinado ao Município que se abstenha de praticar qualquer ato administrativo que permita a terceiros ou ao próprio ente municipal realizar atividades de cunho exploratório, imobiliário ou de construção no local, bem como se abster de aprovar projetos de arquitetura, engenharia ou de qualquer outra possível intervenção não condizente com o objetivo de conservação da natureza na área protegida.
Além disso, impele ao poder municipal a reavaliar e suspender, por decisão administrativa, os efeitos dos atos já praticados e ainda determina que o município realize fiscalizações mensais.
De acordo com o MP, o Município não cumpriu com a obrigatoriedade de fiscalização estabelecida , nem tem cumprido sua própria proposta de fiscalização semanal e remessa de relatórios a cada quinze dias, havendo, inclusive, informações de intensa atividade de especulação imobiliária e de construção civil na área objeto desta ação.
Fiscalização na Chapada do Araripe realizada pela Prefeitura do Crato, no Ceará.
Prefeitura do Crato
Segundo o secretário de Meio Ambiente do Crato, George Borge, após a suspensão da lei municipal nº 3.852, o município começou a fazer fiscalizações constantes na área e embargado obras irregulares.
“Nós não temos um contingente muito grande para estar direto lá. Houve um desmatamento considerável numa área de quase 2.400 metros quadrados, por exemplo. Nós fomos três vezes na semana e não tinha ninguém lá. A equipe vai aos sábados para poder pegar gente trabalhando. De acordo com nossas condições a gente vem notificando, embargando. A gente não tem como conter toda a expansão imobiliária, que é uma área muito grande. Nós temos sete fiscais ambientais que tem que ir em todo o município do Crato, mas a gente vai fazendo. Eu não posso dizer que é 100%, que nós não temos como fazer isso, mas o município, na medida de sua capacidade vem realizando as fiscalizações”, afirma.
Apoio operacional
A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) informou em nota que a competência de fiscalização na Área de Proteção Ambiental (APA) do Araripe, com relação ao desmatamento, a responsabilidade é dos órgãos municipais de meio ambiente. Mas que entende que a proteção ambiental é um esforço conjunto e, por isso, tem colaborado com ações pontuais em situações específicas, seja por meio de operações remotas ou em áreas como a Mata Atlântica.
Afirmou também que permanece à disposição para auxiliar, sempre que necessário, e continuará a apoiar as iniciativas que visem à preservação do patrimônio ambiental. E que a colaboração entre os órgãos municipais, estaduais e federais é essencial para a eficiência na proteção do meio ambiente.
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