Peça musical imagina encontro entre Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth

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LEONARDO LICHOTE
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

Apesar de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth terem sido contemporâneos, pianistas que abraçavam gêneros populares, vivendo no mesmo Rio de Janeiro da virada do século 19 para o 20, não há registros de que tenham tido qualquer contato pessoal.

A imaginação, porém, é a melhor maneira de temperar a história e foi dela que Ruy Castro lançou mão para pensar como seria esse encontro, materializado no espetáculo cênico musical “Abram Alas para Chiquinha e Nazareth”, que será encenado nesta sexta (25) e sábado (26) na Sala Cecília Meirelles, no Rio.

“Parti da imaginação, mas com um pé, talvez dois, na realidade”, diz o escritor, responsável pelo texto do espetáculo. “Chiquinha, casada com o piano, dispensando maridos e indo à vida. Nazareth, pianista em Ipanema, pobre, mas bonitão e atraente, já fazendo uma música cheia de bossa, uma ‘bossa nova’.”

Quem lançou a provocação para que Ruy imaginasse o encontro foi a cravista Rosana Lanzelotte, para celebrar os 15 anos do portal Musica Brasilis, do qual ela é a idealizadora. O site é dedicado à difusão de partituras de compositores brasileiros.

“O Musica Brasilis começou pelo resgate de todas as partituras para piano de Ernesto Nazareth”, diz Lanzelotte. “Ele tinha que estar presente neste espetáculo. E Chiquinha Gonzaga era, como ele, uma grande compositora, sua contemporânea, e uma mulher à frente do seu tempo.”

Lanzelotte assina a concepção do espetáculo ao lado de Dalal Achcar, também responsável pelas coreografias feitas para os dançarinos de sua companhia. “Essas músicas são a própria dança, não precisa ter muita criatividade”, diz a coreógrafa sobre a produção de Nazareth e Chiquinha.

“Você recria o ambiente, o estilo daquele período, mas a própria música naturalmente faz dançar, seja você bailarino ou não. Você estiliza alguns passos e dá um tom de malandragem, de simpatia, de uma época de coisas mais singelas, mas, ao mesmo tempo, bem picantes. É uma música em si dançante, ela dança sozinha”.

Paulo Aragão assina a direção musical e os arranjos além do cravo de Lanzelotte, a formação instrumental inclui violão (tocado pelo próprio Aragão), bandolim (Marcílio Lopes), violão tenor (Pedro Aragão), cavaquinho (Jayme Vignoli) e percussão (Marcus Thadeu).

Márcia do Valle interpreta Chiquinha, e Alan Hauer, na sexta, e Adam Lee, no sábado, vivem Nazareth. O repertório inclui músicas como “Ô Abre Alas!” e “Gaúcho”, de Chiquinha, e “Odeon” e “Ameno Resedá”, de Nazareth.

Na visão de Ruy, o grande assunto da conversa da dupla vai além da música. “É a coragem de Chiquinha e a timidez de Nazareth. Uma incrível inversão de papéis no Brasil daquela época”.

Apesar das diferenças entre eles, o escritor chama a atenção para o que os aproximava: o fato de a obra de ambos transitar entre ambientes populares e de elite.

“A música de Chiquinha tocava nos bailes de Carnaval e no Palácio do Catete. E ela, como mulher, tinha cabelinho nas ventas, impôs aos empresários o pagamento dos direitos autorais aos autores de teatro e foi até produtora de discos, lançando o primeiro do Chico Alves.”

“Nazareth também estava tanto na sala de concerto, elogiado pelo Villa-Lobos e pelo Rubinstein, quanto na Galeria Cruzeiro, tocando música de fundo que só ele escutava. Essa duplicidade é uma coisa nossa, bem carioca, e talvez só nossa”, diz ele.

Lanzelotte reforça que Chiquinha e Nazareth foram testemunhas e atores do nascimento de muito do que viria a configurar o Brasil do século 20.

“A Chiquinha escreve o ‘Abre Alas’ para o Carnaval de 1900. Já o Nazaré escreve o ‘Ameno Resedá’ para o Rancho Ameno Resedá. Ou seja, eles eram espectadores do Carnaval carioca naquele momento.”

“Eles foram também espectadores do cinema Odeon, da Fundação do Teatro Municipal, da abolição da escravatura, da proclamação da República”, diz a cravista.

“E foram ambos discriminados pelo Instituto Nacional de Música, que achava que o maxixe dela e tango brasileiro dele não tinham qualidade suficiente para serem apresentados lá. Os dois têm essa mesma experiência existencial”.

Abram Alas para Chiquinha e Nazareth
Quando: Sex. (25), 19h, e sáb (26), às 16h
Onde: Sala Cecília Meireles – lgo. da Lapa, 47, Rio de Janeiro
Preço: R$ 40
Concepção: Rosana Lanzelotte e Dalal Achcar
Texto: Ruy Castro
Direção musical: Paulo Aragão

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