Polícias civis intensificam pedidos ao Coaf sobre informações financeiras

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RAQUEL LOPES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

As polícia civis, ligadas aos governos estaduais, têm intensificado o acionamento ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) na busca por informações financeiras para apoiar investigações criminais.

Em 2024, foram registrados 13.667 pedidos das polícias civis, mais que o dobro dos 6.375 realizados em 2021 —aumento de 114%. Os casos se concentram, sobretudo, em apurações relacionadas ao tráfico de drogas, fraudes, corrupção e à atuação de facções criminosas, segundo dados do Coaf.

Também houve aumento —de 14%— dos pedidos feitos pelo Ministério Público ligado aos estados. Passou de 1.629 em 2021 para 1.864 no ano passado.

Comunicações diretas das polícias ou Ministério Público ao Coaf, sem que haja decisão judicial para isso, é tema de controvérsia.

De um lado, dez delegados e membros do Ministério Público ouvidos pela Folha defendem o acesso direto aos RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira), mesmo sem autorização judicial. Alegam que os dados não configuram quebra de sigilo bancário, e a exigência atrasaria investigações.

Advogados ouvidos pela reportagem, por outro lado, defendem o acesso aos RIFs apenas após autorização judicial, citando abusos, investigações sem respaldo formal e até supostas chantagens com base nos dados.

Segundo o Coaf, o intercâmbio mais acentuado na Polícia Civil pode ser atribuído à ampla capilaridade dessas instituições e à crescente percepção sobre a utilidade das informações de inteligência financeira —especialmente no apoio à desarticulação de organizações criminosas.

“Esse conjunto de estatísticas, inclusive, aponta para um grande volume de intercâmbios recebidos que tratam exatamente de temas como tráfico de drogas, facções criminosas, tráfico de armas, com relação direta com o crime organizado”, informou o Coaf em nota.

Policiais civis ouvidos pela Folha afirmaram que as forças de segurança passaram a entender que, além de prender líderes, é fundamental atingir o poder econômico de facções para enfraquecê-las.

“O crescimento também está ligado à entrada de novos delegados, que já recebem treinamento em investigação financeira durante o curso de formação. Com isso, a cultura policial vai se transformando”, disse o delegado Alex Wagner Alves Freire, da Polícia Civil do Rio Grande do Norte.

A comunicação entre os estados e o Coaf se dá por meio dos chamados intercâmbios, nos quais o órgão pode atuar de forma proativa, enviando relatórios, ou responder a requisições encaminhadas pelos próprios estados.

Esses intercâmbios podem ou não resultar na disseminação de RIFs. Os documentos costumam subsidiar investigações a partir da identificação de movimentações bancárias consideradas atípicas.

Em 2024, o número de RIFs apresentou um aumento de 16% em relação a 2023. Os estados com maior volume de pedidos foram São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais.

O STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu, no julgamento do Tema 990 de repercussão geral, que o Coaf e a Receita Federal podem compartilhar informações sigilosas com órgãos de investigação criminal sem autorização judicial prévia.

Apesar disso, ainda há controvérsia sobre o caminho inverso —ou seja, se polícias e Ministérios Públicos podem solicitar diretamente os RIFs, também sem aval judicial.

Em uma decisão monocrática em 2023, o ministro Cristiano Zanin, do STF, confirmou esse entendimento ao autorizar o compartilhamento de um RIF a pedido do Ministério Público do Pará. Segundo ele, o envio pode ocorrer tanto por iniciativa do Coaf quanto por solicitação de autoridades.

Em 2024, a Primeira Turma do STF reforçou essa interpretação, reconhecendo a legalidade do acesso direto. Por outro lado, em maio deste ano, a Terceira Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que polícia e Ministério Público só podem requisitar RIFs com autorização judicial.

Para os magistrados, esse entendimento deve prevalecer até que o Plenário do STF esclareça o alcance do Tema 990.

Diante disso, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou uma reclamação ao STF também no mês de maio. Ele pede que a corte reafirme seu posicionamento e corrija decisões do STJ que têm anulado investigações com base em interpretações contrárias ao que já foi decidido.

Na manifestação, Gonet reiterou que os RIFs não configuram quebra de sigilo bancário e, portanto, seu compartilhamento sem autorização judicial não fere a Constituição.

Recentemente, o juiz federal Massimo Palazzolo anulou o principal RIF que embasou a devassa da Polícia Federal sobre as contas de lobistas, empresários e supostos prestadores de serviços envolvidos nos desvios de recursos de aposentados do INSS. A falta de decisão judicial motivou a resolução.

Depois das polícias civis, a Polícia Federal é a instituição com mais pedidos, e também com maior alta desde 2021. Passou de 4.897 para 6.803 no ano passado —aumento de 39%.

O advogado e professor da Faculdade de Direito da USP Pierpaolo Cruz Bottini afirma que alguns delegados, para justificar o pedido, têm instaurado o chamado “inquérito pro forma” —uma investigação aberta apenas para conferir aparência de legalidade ou justificar determinada atuação, mas que carece de elementos mínimos e fundamentos concretos.

“O que estamos tentando evitar é justamente esse uso indiscriminado do sistema, que vem ocorrendo em escala”, disse.

A Folha procurou todos os estados para entender como lidam com a comunicação com o Coaf. As polícias da Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Piauí e Santa Catarina informaram que não há controle centralizado sobre os pedidos —cada delegado decide no curso do inquérito.

Goiás, Maranhão e Distrito Federal alegaram que as informações são estratégicas e optaram por não se manifestar. Os demais estados não responderam até o fechamento da reportagem.

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