Atentado na Colômbia paralisa discurso agressivo de Petro ao reviver trauma de mortes políticas

São Paulo, 10 – O atentado contra o pré-candidato à presidência Miguel Uribe Turbay reviveu na Colômbia o trauma da violência política dos anos 1980 e 90, em um momento em que a polarização está inflamada e os grupos armados do país voltam às armas. Passados dois dias dos tiros disparados contra Uribe, senador pelo Partido Centro Democrático, são poucas as informações concretas sobre o ataque, mas seu efeito paralisou a agenda política do governo do esquerdista Gustavo Petro e criou um temor sobre o retorno da violência contra políticos.

O que se sabe até o momento é que Uribe Turbay sofreu dois tiros na cabeça disparados por um adolescente de 15 anos durante um evento de pré-campanha em um bairro de classe média da capital, Bogotá. O adolescente está sob custódia, e as autoridades buscam descobrir quem foi o mandante do atentado e por quê.

A imprensa colombiana afirma que não existem indícios conhecidos que possam indicar quem e o quê estaria por trás do atentado. Antes de ser senador, Uribe Turbay foi secretário do governo e vereador de Bogotá.

Ele é filho da jornalista Diana Turbay, sequestrada e assassinada em 1991 pelo grupo narcoterrorista Extraditáveis, liderado por Pablo Escobar (a história foi retratada pelo escritor Gabriel García Márquez no livro Notícias de um Sequestro). Uribe tinha três anos na época.

A tragédia familiar está inserida na história do conflito armado da Colômbia, que surgiu nos anos 50 e tem evoluído ao longo do tempo. Nas décadas de 1980 e 90, com o aumento do narcotráfico, a violência política passou a envolver os cartéis de Medellín e Cali, grupos paramilitares de direita e guerrilhas como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército de Libertação Nacional (ELN). As duas décadas ficaram marcadas por 220 mil mortos e 25 mil desaparecidos, além de numerosos atentados políticos.

Durante as eleições presidenciais de 1990, três candidatos à presidência foram assassinados: Luis Carlos Galán, Bernardo Jaramillo Ossa e Carlos Pizarro. O atentado contra Uribe encontra semelhança especial no caso Galán, que também participava de um evento de campanha quando foi assassinado. O episódio também foi filmado.

Durante as últimas duas décadas, a Colômbia passou por processos de negociações de paz que reduziram a violência daquela época. As FARC foram desmobilizadas, mas deram lugar a grupos dissidentes que criaram novos conflitos na Colômbia, em especial nos departamentos de Valle del Cauca, Cauca e em Nariño. A violência causada pelo narcotráfico também reduziu no período, com Bogotá tendo hoje o segundo menor índice de violência urbana entre as maiores cidades, atrás apenas de Medellín.

A obscuridade em torno do atentado e a polarização política na Colômbia, que realiza eleições presidenciais em maio de 2026, gerou uma acusações infundadas contra o governo de Gustavo Petro, ao qual Uribe é opositor, e partidários do próprio senador. Para os opositores, Petro seria responsável por inflar os ânimos dos colombianos pela retórica agressiva que tem demonstrado nos últimos meses. Os que acusam partidários de Uribe citam conflitos dentro do partido Centro Democrático em torno do nome à presidência.

Petro tem aumentado a retórica contra os opositores políticos desde que começou a mobilizar um plebiscito popular para consultar os colombianos sobre a reforma trabalhista, rejeitada pelo Senado com apoio de Uribe. Os parlamentares também rejeitaram a proposta do plebiscito no Senado, e o presidente tenta realizá-lo por meio de um decreto, o que aumenta os embates entre os dois poderes. O presidente colombiano chegou a chamar o presidente do Senado de “filho da p…” e opositores de “nazis”.

Horas depois do atentado contra o Uribe, a candidata Vicky Dávila, um dos nomes da direita da Colômbia, foi uma das primeiras a acusar Petro de promover a violência política. “Quanta violência você e sua rede de assassinos e seus escravos obedientes do governo promoveram”, declarou nas redes sociais. O secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, também não demorou a acusar a “retórica esquerdista” do “mais alto escalão do governo” como causa para o ataque.

O presidente colombiano chamou as acusações de oportunismo político e rechaçou promover qualquer tipo de violência. Após o atentado, ele cancelou uma viagem a Paris e abandonou a reunião de governo que estava marcada para aquele mesmo dia, sábado, para assinar o decreto relacionado ao plebiscito. Ele também determinou uma investigação do caso e convocou todos os partidos para discutirem as repercussões do atentado. Pelo menos dois partidos de oposição, o Mudança Radical e o Partido Liberal, se recusaram a ir.

Apesar do presidente afastar alguma relação entre a sua retórica e o atentado, uma autoridade do governo, a chanceler Laura Sarabia, deu uma declaração contra discursos de ódio. “Este ataque é um chamado à ação; nos compromete a trabalhar incansavelmente para corrigir nossos erros e atenuar o discurso que incita o ódio e a raiva, tanto em público quanto em privado”, escreveu ela nas redes sociais neste domingo. “Proponho, pessoalmente, erradicar o ódio por meio da linguagem e do comportamento cotidiano”, acrescentou.

Em meio ao barulho de acusações infundadas e especulações, há ainda o fato do crime ter sido efetuado por um adolescente de 15 anos, que mostra como a vulnerabilidade social da Colômbia permite que redes criminosas continuem recrutando adolescentes para a violência. O problema persiste há décadas no país, assim como em grande parte da América Latina, incluindo o Brasil, e está presente em todas as esferas violentas, seja no narcotráfico, nos grupos paramilitares ou nas guerrilhas.

As consequências do atentado para a política em um país tão traumatizado pelo conflito armado continuam desconhecidas. A união da classe política em rechaçar o atentado e se solidarizar com a família Uribe indica a disposição em manter a violência afastada da política, que a Colômbia tem buscado após o conflito armado dos anos 1990.

Existe uma parcela esperançosa de analistas e jornalistas da imprensa colombiana que o atentado sirva de alerta para a retórica agressiva e possa reduzir o tom para um debate público mais pacífico, de modo que afaste a violência na política. Outra parcela, no entanto, não crê que o episódio possa alterar a postura da direita e da esquerda por muito tempo – e veem nas acusações sem prova e na ausência dos partidos na reunião do governo um sinal disso.

Estadão Conteúdo

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