Um corpo atravessa o palco com uma pergunta simples e urgente: “Sobre o que temos que falar, nós, as travestis?” É com esse questionamento que se inicia o espetáculo Vienen por Mí, solo da atriz Fábia Mirassos, em cartaz no CCBB Brasília até o dia 29 deste mês.
Com texto da dramaturga chilena Claudia Rodriguez e direção da premiada Janaína Leite, a peça mescla performance, monólogo, espiritualidade e stand-up em uma dramaturgia que convida à escuta, à conexão e ao cuidado.
Escrita e interpretada por travestis, a montagem é, como define Fábia, um gesto ao mesmo tempo poético e político. “Se falar de pessoas trans é quase sempre falar de violência, esta peça tenta o contrário: escrever a vida enquanto ela acontece”, afirma a atriz, que tem passagem por coletivos como a Cia. Os Satyros e a Cia. Mungunzá, além de participações em produções como Todxs Nós (HBO) e Nós (Canal Brasil).

Composta por quatro atos que funcionam como pequenos manifestos, a obra surgiu das experiências de Claudia Rodriguez em espaços públicos no Chile. “São manifestos mesmo. A Claudia fazia isso com um megafone, em praças, bares e cafés. O texto não nasceu para o teatro, mas acabou virando”, conta Fábia.
A encenação de Janaína Leite aposta em uma estética íntima e sensorial. Com poucos recursos de cena, o foco está na aproximação entre a performer e o público, ampliando os sentidos por meio do som e da luz — assinados por Ultra Martini, Aline Santini e Henrique Andrade. “A montagem aposta na delicadeza para tocar em temas urgentes, mas também em aspectos universais: desejo, humor, alegria e a própria potência do humano”, explica a diretora.

Para Fábia, o espetáculo vai além do grito de dor. “A única coisa que eu faço questão é transformar isso em algo bonito, poético e delicado. Eu não acredito mais no dedo na cara e na gritaria. Acho isso um desserviço. Oferecer às pessoas o que elas já esperam de você é um tiro no pé.”
Humano, antes de tudo
Embora ancorada em vivências travestis, Vienen por Mí propõe um encontro mais amplo, baseado na empatia. “Existe uma identificação em algum momento que, para mim, é a parte mais bonita: olhar para a obra e dizer ‘nossa, eu nem sou travesti e já passei por isso’. É aí que você se conecta com o outro, no sentido mais humano, não no de gênero.”
É com esse olhar — humano, sensível e político — que a atriz encerra sua travessia com uma pergunta aberta: o que é o amor travesti? “A Claudia, no final do texto, diz: ‘Eu estarei aqui esperando. Estarei esperando aqui com todo o meu amor travesti’. E aí eu fico pensando: o que será que é esse amor travesti? […] São essas pequenezas: gestos, olhares, tom de voz e tudo.”

Espetáculo Vienen por Mí
Quando: Até 29 de junho de 2025 (quinta a domingo)
Horários: Quintas a sábados, às 20h; domingos, às 18h30
Sessão extra: 28 de junho, às 18h
Não haverá apresentação no dia 26 de junho
Onde: CCBB Brasília
Classificação indicativa: 16 anos
Duração: 50 minutos
Ingressos: R$ 30 (inteira) / R$ 15 (meia) na bilheteria do evento ou no site
Acessibilidade: Intérprete de LIBRAS em todas as apresentações | Programa em braile disponível