ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) mudou o tom durante seu interrogatório no STF (Supremo Tribunal Federal), na terça-feira (10), sobre temas como urnas, trama golpista e 8 de janeiro. Tratou antigos xingamentos, ameaças e ataques às urnas e instituições como “críticas” e falou de conversas golpistas como estudo de “possibilidades”.
Ao mesmo tempo, chamou de “malucos” apoiadores que participaram de acampamentos em frente aos quarteis generais, apesar de ter incentivado essas mobilizações no final de seu mandato, quando não passou a faixa ao presidente Lula (PT) ao perder as eleições de 2022.
O ex-presidente é réu no STF sob acusação de liderar uma tentativa de golpe para impedir a posse de Lula. Ele é acusado dos crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado. Se condenado, pode pegar mais de 40 anos de prisão, além de aumentar seu período de inelegibilidade, que atualmente vai até 2030.
Veja três pontos que mostram a mudança de tom de Bolsonaro quando foi interrogado no STF.
1) Chamou de ‘críticas’ seus ataques, xingamentos e ameaças às urnas, autoridades e instituições
No interrogatório, Bolsonaro falou em “desconfiança”, “suspeição” e “críticas” contra as urnas. Ele também afirmou que as críticas não seriam exclusivas dele.
Ao longo de seu mandato, no entanto, o ex-presidente fez ataques sistemáticos às urnas.
Mais de uma vez afirmou, sem provas, que a Justiça Eleitoral atuaria a favor de Lula e insinuou que não aceitaria perder as eleições.
Ao tentar tratar os ataques como direito de opinião, ele agiu em sintonia com a estratégia de sua defesa. Um de seus advogados, Paulo Bueno, já falou em entrevista sobre “direito de desconfiar das urnas”.
Bolsonaro também minimizou seus ataques anteriores e frequentes a instituições e autoridades. No interrogatório, afirmou que fez acusações sem fundamento aos ministros Fachin, Moraes e Barroso e pediu desculpas. Chamou de “desabafo” e “retórica” e disse que teria falado a mesma coisa se fossem outros ministros no cargo.
2) Descreveu como ‘possibilidades’ discussões inconstitucionais para impedir a posse de Lula
Bolsonaro nega ter tentado um golpe, mas, ao mesmo tempo, admite ter discutido estado de sítio e medidas similares em um contexto no qual tais ações não eram legalmente aplicáveis.
No interrogatório, ele fez a declaração formalmente pela primeira vez ao STF. Caracterizou as medidas como “possibilidades” discutidas com comandantes das Forças Armadas. Ele também falou que essas “alternativas” estariam dentro da Constituição, contrariando o que diz a lei.
O estado de defesa restringe liberdades individuais e é acionado para preservar a ordem pública ou a paz social ameaçadas por graves crises. Ainda mais extremo, o estado de sítio é previsto em casos de comoção de repercussão nacional ou guerra, por exemplo.
Para especialistas, a posição de Bolsonaro traz consigo uma versão deturpada de legalidade que está entranhada na cultura militar, com enfoque na noção de hierarquia e cadeia de comando em sobreposição a valores constitucionais.
3) Classificou como ‘malucos’ manifestantes de acampamentos que antes incentivou
Bolsonaro chamou de “malucos” os apoiadores que montaram acampamentos golpistas em frente a unidades militares depois da eleição de Lula em 2022. Em referência ao Ato Institucional nº5, que cerceou uma série de direitos individuais na ditadura, ele falou que os acampados ficavam com “aquela ideia de AI-5, intervenção militar”, mas que as Forças Armadas “jamais iam embarcar nessa”.
O ex-presidente, porém, incentivou a criação e a manutenção dos acampamentos golpistas que se alastraram pelo país depois da derrota para Lula, de onde saíram os manifestantes dos ataques do 8 de Janeiro.
Na época, ele lançou um discurso dúbio para os apoiadores, disse que eles é que decidiriam seu futuro e que as Forças Armadas eram o “último obstáculo para o socialismo”.