RENATA GALF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em depoimento marcado por ambiguidades, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi além do que até então sua defesa oficial tinha afirmado ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Apesar de ter repetido muitas das afirmações que já tinha dado em entrevistas e lives, Bolsonaro ainda não tinha admitido à corte formalmente que tivesse conversado sobre “possibilidades” com comandantes das Forças Armadas depois de ter sido derrotado nas eleições de 2022.
O presidente, porém, evitou fazer afirmações mais diretas relacionadas aos documentos que ficaram conhecidos como “minutas de golpe”. Assim como não respondeu qual seria seu fundamento para alegar que havia fraude nas eleições e nas urnas eletrônicas.
“Nós buscamos alguma alternativa na Constituição e achamos que não procedia e foi encerrado”, afirmou Bolsonaro ao ministro relator, Alexandre de Moraes, nesta terça-feira (10).
“Essas reuniões que ocorreram foram, em grande parte, em função da decisão do TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”, disse Bolsonaro, acrescentando que teria discutido alternativas depois de se ver tolhido de questionar o desfecho eleitoral diante da multa de R$ 22 milhões aplicada ao seu partido.
Apesar de ter feito declarações admitindo conversas sobre “alternativas”, inclusive citando estado de sítio, Bolsonaro buscou refutar que tenha debatido “golpe” em qualquer momento, assim como foi evasivo em perguntas que tratavam sobre o teor das minutas de decreto.
“Da nossa parte eu sempre estive ao lado da Constituição, então eu refuto qualquer possibilidade de falar em minuta de golpe ou falar em minuta que não esteja enquadrada na Constituição”, disse. “Não conversei sobre essa minuta não, fui bater um papo apenas.”
Ao ser questionado por Moraes se tinha sido apresentado a ele uma minuta, conforme relato do delator Mauro Cid, Bolsonaro afirmou que queria ter acesso a essa minuta.
Depois de o ministro responder que ela estava nos autos, Bolsonaro afirmou que isso “foi colocado numa numa tela de televisão e mostrado de forma rápida ali”.
Ele negou ainda que tivesse “enxugado” uma minuta, e diante da pergunta quanto a se tinha mostrado algum documento em reunião no dia 7 de dezembro ao general Freire Gomes, Bolsonaro também disse que foi mostrado de modo rápido em uma tela. “Foi passado na tela os considerandos de forma bastante rápida ali.”
As falas de Bolsonaro se afastam do tom de sua defesa formal apresentada até agora ao STF, que buscava colocar sob suspeita as declarações de Mauro Cid e debater tecnicamente o enquadramento criminal dos supostos atos imputados ao ex-presidente.
Mais adiante, questionado se teria discutido nas reuniões sobre uma intervenção no TSE e a instauração de uma comissão eleitoral, Bolsonaro disse que “gostaria de ter acesso ao documento para discuti-lo” e falou que “as conversas eram bastante informais”.
Depois, ao responder à pergunta de seu advogado quanto a se “alterou, escreveu ou colocou no computador alguma minuta”, Bolsonaro disse que não.
Em peça protocolada no STF com sua defesa inicial, seus advogados não confirmavam que o ex-presidente tivesse estudado alternativas após a derrota ou que tivesse conversado a respeito com os então comandantes das Forças Armadas.
No documento, que argumentava que ainda não era possível adentrar no mérito, sua equipe de defesa já alegava que mesmo que fosse possível confiar nas palavras do delator Mauro Cid, a “suposta minuta do decreto” estaria numa etapa que não é punível: a de atos preparatórios.
“[A suposta minuta] não é ato capaz de ultrapassar o limite da preparação, jamais invadindo a esfera da execução dos chamados crimes contra as instituições democráticas”, escreveram seus advogados.
Bolsonaro em seu depoimento admite assim elementos que antes só tinha afirmado em entrevistas. Outra diferença é que ele frisou por mais de uma vez, assim como já fez publicamente, que nunca convocou o Conselho da República (órgão que deve ser ouvido previamente à decretação deste tipo de medida).
Já um ponto em comum entre a defesa formal e o depoimento de Bolsonaro é que ele enfatiza não ter assinado nenhum decreto.
Bolsonaro também nega que tenha discutido um golpe e que sempre se guiou pelas “quatro linhas” da Constituição, levando sua acusação para o plano das narrativas. Isso porque, segundo a Constituição, alternativas de exceção como estado de sítio não servem ao propósito que movia o ex-presidente: o de insatisfação com o resultado das urnas, que deram a vitória a Lula (PT).
Logo no início do interrogatório Moraes questionou qual fundamento Bolsonaro tinha, concretamente, para alegar que havia fraude nas eleições, nas urnas e que os ministros do TSE estariam direcionando as eleições.
Ao invés de responder com algum elemento concreto, Bolsonaro apontou falas de outros políticos, no passado, com críticas às urnas e seu histórico de defesa pelo voto impresso na Câmara dos Deputados.
Também citou relatório de peritos criminais federais com críticas ao sistema eleitoral, apesar de, ainda em 2021, a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) ter publicado uma nota em que afirmava que seu trabalho tinha como objetivo “buscar o contínuo aperfeiçoamento das urnas eletrônicas” e que “a identificação de falhas e vulnerabilidades não permite afirmar que houve, há ou haverá fraudes nas eleições”.
Bolsonaro chegou até mesmo a citar o que vê como feitos de seu governo, mas não trouxe nenhuma prova que fundamentasse suas acusações.