Sistema Municipal de Cultura 03: Pelo pleno direito à cultura

Éder Rodrigues dos Santos

Mestre Biriba – Jefferson Dias

A possível implementação do Sistema Municipal de Cultura (SMC) em Boa Vista (RR) é a concretização do respeito ao próprio direito à cultura. Criado para incentivar a cultura brasileira, o Sistema Nacional de Cultura (SNC) foi implantado em 2012, pela Emenda Constitucional nº 71, porém, sua regulamentação foi aprovada somente em 2024 com a Lei nº 14.835: o Marco Legal do SNC. A Lei Federal estabelece mecanismos de gestão compartilhada entre os entes federados e a sociedade civil, um salto de qualidade na política cultural e um instrumento de enfrentamento ao paternalismo perigoso e excludente instalado em muitas prefeituras pelo Brasil.  

Os Sistemas Municipais de Cultura, em âmbito local, por sua vez, compõem uma complexa política pública vinculada ao Sistema Nacional de Cultura que propõe um modelo de gestão compartilhada, descentralizada e participativa. Tal política vai de encontro com a famigerada “política do balcão”, aquela em que artistas se humilham em busca de ajuda junto aos gestores públicos para realizar alguma iniciativa cultural. Evita monopólios, amplia a transparência nos gastos públicos e institui um processo democrático de controle social.

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O SMC permite estruturar a política cultural pois juridicamente deve ser composto por:  Conselho Municipal de Políticas Culturais (órgão gestor deliberativo, consultivo, normativo e fiscal), o Plano Municipal de Cultura (instrumento que permite visualizar os investimentos em cultura), o Fundo Municipal de Cultura (que permite repasses fundo a fundo), o Sistema de indicadores da cultura e as Conferências Municipais de Cultura. Outros componentes como: Conselho de Políticas Culturais; comissão intergestores; sistema de financiamento à cultura; sistema de informações e; indicadores culturais que ficam a cargo do Sistema Nacional de Cultura (SNC). 

A implementação ao Sistema Municipal de Cultura é a prática da Constituição de 1988, em seu artigo 215, quando determina que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” Assim, se a promoção da cultura significa contribuir para a “cidadania”, a gestão municipal que demonstra interesse pelo cumprimento do dever de criação e implementação do Sistema Municipal de Cultura é, na prática, promotora do direito à cidadania.

O texto constitucional é generoso com a definição teórica do direito à cultura, entretanto, sua operacionalização concreta se dará pelos mecanismos dos SMCs. Eventos e festejos com atrações nacionais são bem-vindos em um estado como Roraima, localizado distante dos grandes centros. Entretanto, aqui se faz cultura o ano inteiro, por isso, a cultura não pode ser reduzida a espetáculos pontuais, cujos holofotes e parte significativa dos cachês ficando para os artistas “de fora”. Longe dos contratos milionários e dos monopólios empresarias, os trabalhadores e trabalhadoras locais produzem cultura de forma concreta a todo momento, contribuindo com a renda da família, com o consumo de cultura, com o turismo e comprometidos com o pertencimento regional.

Este momento de fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura e da implementação dos SMCs é oportuno para que a sociedade e poder público avancem no debate sobre o conceito e a importância da cultura e das artes. A cultura local é universal, promotora da economia e do turismo, na medida em que ganha visibilidade e quando há gestores públicos que compreendem suas especificidades e demandas dos segmentos. Afinal, a produção e consumo de cultura são determinados pelos investimentos diretos do estado e pelo aspecto normativo que regula as relações. Por isso, um SMC fortalecido e atuante é tão importante.

Por exemplo, em Boa Vista (RR), a capoeira atende milhares de jovens e crianças; os filmes roraimenses têm rodado o mundo, com prêmios internacionais; as quadrilhas juninas dão um show anual no maior São João da Amazônia; as artes cênicas têm destaque nacional e revelam a cada dia novos talentos; os grupos folclóricos resistem com graça e beleza; a comunidade quilombola identificada em Boa Vista ganha visibilidade; nossa música regional tem bandas e grupos de alta qualidade; as associações indígenas no contexto urbano se fortalecem politicamente; o artesanato e danças tradicionais precisam de maior espaço e investimentos; a arte indígena contemporânea é reconhecida no mundo inteiro; a cultura da população migrante é fundante de nossa Amazônia caribenha; o hip hop local tem conquistado direitos, antes negados pelo preconceito; os povos de terreiro têm se organizado, lutado por respeito e valorização; a literatura local tem composto cada vez mais a educação formal de nossos jovens; os pontos de cultura e espaços culturais germinam vida e sonhos que precisam de atenção; a economia criativa necessita ser mapeada e estimulada constantemente e; por fim, surgem ainda marcando territórios culturais, segmentos importantes da cultura, como a moda, design, produção digital e a gastronomia.

Enfim, é por meio do Sistema Municipal de Cultura que Boa Vista vai colocar em primeiro plano estas agendas culturais, econômicas e turísticas.

Éder Santos é Doutor e Mestre em Geografia Cultural, jornalista, sociólogo, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas da Universidade Federal de Rondônia; membro associado da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP); do Comitê Pró-Cultura Roraima. É presidente da Associação Roraimense de Cinema e Produção Audiovisual Independente (Arcine).

Jefferson Dias – (Mestre Biriba), é mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; Especialista em Filosofia da Religião (UERR), Pós-graduado em docência do nível Superior e Bacharel em Direito e Pós-graduando em Compliance, Governança Corporativa e ESG. Conselheiro Estadual de Promoção da Igualdade Racial do Estado de Roraima – CONSEPIRR, Membro do grupo de Estudo e Pesquisas em Africanidades e Minorias Sociais (UFRR), membro do Comitê Gestor da salvaguarda da Capoeira de Roraima e do Comitê Pró-Cultura Roraima, Membro da Federação Roraimense de Capoeira – FERRCAP, Mestre de Capoeira pelo Grupo Senzala e Fundador do projeto social Instituto Biriba – Educar para transformar. Foi professor de Direito Penal, Ética, Bioética e Legislação Trabalhista na instituição Ser Educacional. Articulista de jornal local, autor de obras autorais como livros, Cds, shows, documentários e outros. Atua nas seguintes áreas: Direitos Culturais, Direito Autoral, Patrimônio Cultural, Políticas Culturais, Economia Criativa, Liberdade Religiosa e Cultura Popular.

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