Conduta de Moraes em depoimentos tem apoio interno no STF e é questionada por defesas

sessão do stf

CÉZAR FEITOZA E ANA POMPEU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), colecionou polêmicas na primeira semana de depoimento de testemunhas no processo contra o principal núcleo da trama golpista de 2022.

O perfil combativo do ministro relator ficou em evidência com a insinuação de que o ex-chefe do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes, mentia em juízo e chegou ao ápice quando Moraes ameaçou prender o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo por desacato.

Desde o início do processo, Moraes teve mais demonstrações de apoio dos colegas nos bastidores que críticas à forma como tem conduzido a ação penal. Um dos ministros disse à Folha que a imparcialidade do relator não pode ser confundida com inércia na busca pela verdade.

Advogados dos réus, porém, afirmam que o magistrado não tem contemplado a garantia constitucional do contraditório. Especialistas apontam que a condução do processo tem sido excepcional, com procedimentos diferentes dos usuais.

As polêmicas cresceram ao longo da última semana –a primeira de depoimento das testemunhas da ação penal contra o grupo do qual faz parte o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Logo no primeiro dia, o general Freire Gomes apresentou ao Supremo uma versão que foi considerada como mais amena do golpismo de Bolsonaro. Houve ainda a percepção entre ministros de que o ex-chefe do Exército tentou no depoimento isentar o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos.

Moraes interrompeu a audiência e insinuou que o general mentia. “A testemunha não pode omitir o que sabe. Vou dar uma chance para a testemunha falar a verdade”, disse.

O general respondeu que, “após 50 anos de Exército, jamais mentiria”. “Não posso inferir o que ele [Garnier] quis dizer ‘estar com o presidente’. Eu sei exatamente o que falei e afirmo: ele disse que estava com o presidente, e a intenção do que ele quis dizer com isso não me cabe [interpretar].”

Na sexta-feira (23), o ministro ameaçou prender Aldo Rebelo por desacato no início do depoimento. O ex-ministro da Defesa fazia uma análise sobre a língua portuguesa para defender que a acusação contra Garnier de que teria se colocado “à disposição” de Bolsonaro na trama golpista poderia ser apenas uma força de expressão, sem efeito concreto.

“Se o senhor não se comportar, vai ser preso por desacato”, disse Moraes, depois de interromper Aldo e de ouvir como resposta “não admito censura”.

Professor de direito processual penal da USP (Universidade de São Paulo), Gustavo Badaró diz que o Código de Processo Penal brasileiro passou por mudanças em 2008 para retirar o protagonismo do juiz no depoimento das partes. Segundo a nova regra, o juiz passou a ser o último a fazer perguntas adicionais na audiência.

“O que parece da oitiva, do que foi ao público, é uma certa obstinação do juiz em prévias informações acusatórias”, diz Badaró. “Parece que houve insistência no sentido de confirmar a primeira versão [do general Freire Gomes] que era mais acusatória do que a segunda versão, que parecia mais branda”.

Sobre o caso de Aldo, o professor destaca que juízes com frequência advertem testemunhas consideradas mais provocadoras de que o testemunho precisa ser objetivo. “A testemunha só pode manifestar impressões subjetivas quando ela é inseparável da narrativa fática”, acrescenta.

A questão, segundo Badaró, é que os embates “parecem decorrer do Supremo tomar um protagonismo exagerado na produção da prova”.

O professor de direito penal da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Davi Tangerino avalia que o juiz deveria manter distância das possíveis contradições expostas pelas testemunhas.

“Essa objeção da contradição deveria partir do PGR [Paulo Gonet]. O juízo deve se abster de papel proeminente na condução da prova”, diz Tangerino. Ele destaca, porém, que a prática é recorrente nos tribunais.

Antes da abertura do processo, um outro episódio já havia sido questionado pelas defesas. Em 2024, na fase de investigação, Moraes ameaçou de prisão o delator Mauro Cid em audiência. “Se percebeu que há uma série de omissões e contradições [nos depoimentos]”, disse, na ocasião.

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Beto Simonetti, afirmou à Folha que tem atuado no processo sobre a trama golpista sempre que acionado pelos advogados envolvidos na ação penal.

“A OAB tem atuado de modo firme em defesa das prerrogativas dos advogados que trabalham nesse caso sempre que registram formalmente a noticia de uma violação. Nossa prioridade sempre será defender as prerrogativas dos advogados”, disse.

Os advogados dos réus apontam ainda outros prejuízos ao processo. O principal seria a pressa.

De acordo com as defesas de Bolsonaro e do ex-ministro Walter Braga Netto, a Polícia Federal só começou a disponibilizar a íntegra dos dados apreendidos durante a investigação no último dia 14.

Os arquivos compactados possuem cerca de 40 terabytes –volume que pode até dobrar após as pastas serem descompactadas. O processo para baixar o material tem demandado até cinco dias, a depender das condições tecnológicas de cada escritório.

Na prática, as defesas afirmam que o calendário de depoimento das testemunhas estabelecido por Moraes impediu que os advogados analisassem o material apreendido pela PF à procura de provas de inocência.

Foi com base nisso que a defesa de Bolsonaro, capitaneada pelo advogado Celso Vilardi, pediu o adiamento dos depoimentos na última sexta.

A mesma avaliação foi feita pela defesa de Braga Netto, comandada pelo advogado José Luis Oliveira Lima. “Se mensagens foram destacadas de conversas para imputar os supostos crimes ao requerente, é inadmissível que a instrução ocorra sem esta defesa poder se utilizar da íntegra dessas mesmas conversas”, diz em petição enviada ao Supremo.

Badaró diz que a prática usual em processos penais é entregar todo o material à defesa após o oferecimento da denúncia pela PGR. A excepcionalidade do caso, na visão dele, não poderia prejudicar o direito ao contraditório.

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