Diretoria do INSS virou alvo do centrão e epicentro da crise de fraudes em descontos

inss 2

LUCAS MARCHESINI E ADRIANA FERNANDES
BRASÍLIA. DF (FOLHAPRESS)

A fraude nos descontos associativos pagos por beneficiários do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) era concentrada na Diretoria de Benefícios do órgão, unidade que controla o pagamento da folha de mais de R$ 1 trilhão anual e que nos últimos anos virou alvo da cobiça do centrão.

Na última década, o departamento se tornou alvo de cobiça de grupos políticos e teve quadros técnicos gradualmente substituídos por nomes indicados principalmente pelo centrão.

A Folha colheu relatos de pessoas envolvidas com o órgão para reconstituir a gênese da ocupação desses postos e da fraude com os descontos, que derrubou um ministro da Previdência, um presidente do INSS e ameaça virar uma CPI (Comissão Parlamentar Inquérito).

Até 2016, os principais interessados na Diretoria de Benefícios do INSS eram os sindicatos rurais, representados pela Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura). A autarquia e a entidade sindical têm um acordo assinado desde 1994.

Ao contrário dos sindicatos urbanos, as organizações rurais não podiam cobrar imposto sindical na folha salarial de seus associados. Restavam como fontes de arrecadação da Contag e outras entidades, então, os chamados descontos associativos.

Quando a operação da Polícia Federal foi deflagrada, a Contag afirmou que “sempre atuou com ética” e que trabalha no “aperfeiçoamento da gestão e na fiscalização dos projetos e convênios que administra, sempre em conformidade com as normas legais”.

Os acordos entre associações e o INSS que permitem os descontos começaram a crescer em 2016. Entidades como Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares), Ambec (Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos) e Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos) assinaram seus acordos com o órgão em 2017 e 2018.

As três entidades passaram a ser investigadas pela Polícia Federal. As associações afirmam que apoiam a fiscalização das irregularidades.

Quando o volume de acordos começou a crescer, um alerta foi aceso entre os servidores do INSS, especialmente na Diretoria de Benefícios. No fim de 2018 e no início de 2019, um grupo dentro da autarquia elaborou a MP (Medida Provisória) 871, cujo objetivo era combater fraudes.

Para conter a expansão de associações de aposentados de fachada, a MP propunha a revalidação anual de todos os benefícios, o que dificultaria a realização de descontos não autorizados.

Já as entidades rurais foram atingidas por outra medida de controle, que mudou a forma como o agricultor poderia requerer a aposentadoria. Antes, era necessária uma declaração do sindicato rural do município onde a pessoa morava, o que abria espaço para descontos indevidos.

A MP permitiu a autodeclaração, eliminando a passagem pelo sindicato. Um cruzamento com outros bancos de dados deveria verificar se a pessoa realmente era agricultora.

Durante a tramitação no Congresso, o lobby das entidades entrou em campo. Como mostrou a Folha, ao menos 31 parlamentares de 11 partidos atuaram para impedir a revalidação anual desde 2019. O cruzamento de dados nunca entrou em vigor, assim como a revalidação.

Outra forma de combater as fraudes foi o rompimento de acordos com associações. Em 2019, quatro deles foram rescindidos pela então diretora de Benefícios do INSS, Márcia Eliza de Souza. Ela voltou ao antigo cargo neste ano, após a operação Sem Desconto, com a nomeação do novo presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior.

Em 2020, outros cinco acordos foram rompidos por Alessandro Ribeiro, sucessor de Márcia Eliza. O rompimento de um sexto acordo, com a Conafer, ficou em discussão após análise dos técnicos. A entidade recebia R$ 6 milhões por mês com os descontos.

O INSS suspendeu todos os descontos da Conafer de abril até agosto de 2020, o que levou a uma queda da receita para R$ 2,7 milhões.

O movimento de cancelamento e suspensão deu origem a uma pressão política sobre o INSS. A perda de recursos com a revalidação intensificou a estratégia da Conafer para cobrar de seus aliados mudanças na diretoria.

O porta-voz político da Conafer nas reuniões no INSS era o deputado Euclydes Pettersen (Republicanos-MG), de acordo com relatos obtidos pela Folha. Procurado por meio de sua assessoria, o deputado não respondeu.

À época, a entidade concentrava forte influência junto a parlamentares. Como revelou a Folha, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) , abrigou em seu gabinete um diretor da Conafer, Jeronimo Arlindo da Silva Junior. Procurado, Motta não quis se pronunciar sobre o episódio.

Os técnicos preocupados com as fraudes deixaram paulatinamente o INSS e o Ministério da Previdência.

Outros nomes ligados ao centrão ocuparam o espaço.

Em maio de 2021, José Carlos Oliveira, ligado ao PSD, assumiu a Diretoria de Benefícios, que foi fundida com a Diretoria de Atendimento e ficou com a responsabilidade pelos acordos de cooperação técnica.
Com o início da pandemia da Covid-19, os casos de fraude explodiram.

O número de acordos entre o INSS e entidades publicados no Diário Oficial da União passou de 2 em 2020 para 7 em 2021 e 15, em 2022. A arrecadação com os descontos associativos seguiu a mesma tendência, passando de R$ 510 milhões em 2020 para R$ 1,3 bilhão em 2023.

Em 2022, com a saída do cargo do então ministro do Trabalho e Previdência Onyx Lorenzoni (PL) para concorrer ao governo do Rio Grande do Sul, a pasta passou para as mãos de José Carlos Oliveira. Sua indicação para a Esplanada teve o apoio de Antônio Antunes, o “Careca do INSS”.

A troca de governo com a eleição do presidente Lula (PT) em 2022 não significou o fim da fraude. A Diretoria de Benefícios passou para André Fidelis, nome indicado pelo centrão. Procurada, a defesa de Fidelis disse que não vai se pronunciar.

Fidelis deixou o cargo no primeiro semestre de 2024, quando foi demitido pela demora na auditoria interna do INSS sobre o caso. No seu lugar, assumiu Vanderlei Barbosa, que também foi afastado depois da operação da PF.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.